Legislação

Decreto 7.378, de 01/12/2010

Art. 25

Capítulo IV - DAS DISPOSIÇÕES GERAIS E TRANSITÓRIAS (Ir para)

Art. 25

A.1 - A estrutura fundiária como obstáculo ao MacroZEE

Um dos principais desafios para as estratégias de desenvolvimento e ordenamento territorial da Amazônia associadas ao MacroZEE se identifica no anacronismo da estrutura fundiária. Por suposto, as deformações das relações de posse e uso da terra na região, guardam relação estreita com as origens do quadro fundiário brasileiro. Todavia, amplificadas pelos efeitos do longo processo histórico de ocupação desordenada, induzido por ação ou inação do Estado. As profundas desigualdades sociais e econômicas e a destruição em grande escala do capital natural observadas atualmente na Amazônia se devem, em grande parte, a esta herança de desordem fundiária.

O fato é que, dos efeitos da [colônia de (super) exploração], passando pelos primeiros ensaios de integração ainda sob o capital mercantil, até a fase da integração nacional deflagrada na década de 60 sob a inspiração geopolítica do regime militar, resta estabelecida, ainda em nossos dias, uma estrutura fundiária na Amazônia cujas principais marcas, no meio físico, são: o elevado nível de concentração da ‘posse’ da terra, combinado com o forte grau de ociosidade e irracionalidade no uso das grandes ‘propriedades’. Perpassando esses fenômenos, há os conflitos sociais naquela região.

Determinando e alimentando estas anomalias no meio físico, sobressaem, na esfera institucional, a desorganização e a frouxidão dos controles sobre as terras públicas e da regulação sobre as privadas. Este tem sido o caldo de cultura para a proliferação de formas de desvios legais, éticos e morais na apropriação das terras da região encarnadas, em especial, na figura da grilagem consentida pelos poderes públicos que ampliam o descontrole, os conflitos, a violência e a devastação ambiental.

O saneamento desse ambiente institucional e a reparação em escala razoável das desigualdades e outras deformações no meio físico são pressupostos para novos padrões de gestão fundiária e ambiental e de desenvolvimento da Amazônia para os quais MacroZEE se propõe instrumental.

Afinal, conforme síntese posterior, as categorias predominantes de posse da terra na Amazônia, regra geral, em todos os municípios, são os minifúndios, em número, e as grandes propriedades, em área. Daí deriva situação de iniquidade social e desequilíbrio político que se opõe à cidadania, ao desenvolvimento das forças produtivas e à preservação do meio ambiente. De outra parte, fora do controle e da legitimação pública da posse da terra, os investimentos produtivos privados se retraem pela falta de segurança jurídica. Ao mesmo tempo, as políticas públicas direcionadas para as estratégias do desenvolvimento sustentável perdem capacidade da imposição de cláusulas vinculantes de planejamento territorial, e de indução do uso seletivo e inteligente do capital natural e para políticas inclusivas de vastos segmentos sociais da região que interagem de forma mais harmoniosas com a natureza. Tem-se, configurado, pois, na estrutura fundiária da Amazônia, e no seu entorno institucional, um efetivo e nada trivial desafio a ser superado para a viabilização do MacroZEE. Principalmente no caso da hipótese mais virtuosa deste instrumento que o vincula à transição para um novo padrão de ocupação e integração da Amazônia que concilie a necessária alavancagem do seu desenvolvimento econômico baseado na exploração qualificada do vasto capital natural da região, em parâmetros efetivos de sustentabilidade e de garantida da sua funcionalidade aos desafios globais do clima e da segurança alimentar.

A.2 - Concentração e destinação da terra

- Segundo o IBGE, a superfície territorial da Amazônia Legal é de 521.742.300 de hectares, o equivalente a 61,3% do território nacional;
- os imóveis rurais cadastrados no Sistema Nacional de Cadastro Rural do Incra ocupavam área de 178.169.518 hectares (34% da área total da região), da qual, 46 milhões de hectares não titulados;
- o Incra estima que as terras devolutas na Amazônia alcançam área em torno de 96 milhões de hectares, ou 18.4% da superfície territorial da região;
- fruto de direitos consagrados, em especial na Constituição de 1988, as destinações de terras, pelo Estado, na Amazônia, para finalidades sociais e públicas apresentam o seguinte quadro aproximado:

Destinação

Área (em milhões de hectares)

Terras Indígenas

109,3

Unidades de Conservação

108,0

Terras Quilombolas

0,6

Terras Militares/outras destinaçõesgovernamentais

7,0

- por unidade federada, o quadro aproximado das destinações sociais e públicas de terras é o seguinte:

UF

Unidades de Conservação

Terras Indígenas

Comunidades Quilombolas

AC

5.262

3.259

-

AM

39.128

52.608

-

AP

9.301

4.196

14

RR

4.342

3.353

-

RO

7.275

3.893

-

PA

33.067

16.239

566

MT

4.196

20.827

12

TO

1.594

2.553

-

MA

1.825

2.341

24

a elevada concentração da posse da terra pode ser resumida quando se observa que existem na Amazônia, cadastrados no Incra, 548 imóveis com áreas de 10.000 hectares e mais. Estes imóveis representam 0.1% do número total de imóveis da região, detendo área de 19.342.868 hectares, o equivalente a 10% da área total dos imóveis. No outro extremo, os imóveis com áreas até menos de 100 hectares totalizam 345.482 com área acumulada de 15.351.909 hectares, i.e, correspondem a 63% do número e 8.6% da área cadastradas na Amazônia. Em suma: os 548 imóveis com áreas de 10.000 hectares e mais detêm, cerca de 4 milhões de hectares a mais que o conjunto dos 345.482 imóveis com áreas inferiores a 100 hectares;
corroborando o perfil anterior, os minifúndios representam mais da metade do número de imóveis rurais na Amazônia. Contabilizam 291.800 unidades (53.2% do total), com área agregada de 10.969.90 hectares (6.2% da área total);
no outro extremo, as grandes propriedades somam 32.329 nas estatísticas do Incra, equivalendo a 5.9% do total dos imóveis rurais da Amazônia. Ocupam, todavia, área de 111.341.762 hectares (62.5% da área total), da qual 78% mantida com baixo índice de utilização agrícola.

A.3 - O uso produtivo e participação da agricultura familiar

Pelos registros do Censo Agropecuário de 2006, o setor produtivo rural na Amazônia mobiliza cerca de 794 mil estabelecimentos agropecuários envolvendo área de 112.7 milhões de hectares;

ainda segundo o IBGE, 86% do número desses estabelecimentos são de agricultores familiares que acumulam o correspondente a 22% da área total dos estabelecimentos agropecuários na Amazônia;
das áreas dos estabelecimentos agropecuários com lavouras permanentes na Amazônia (2.461.385 hectares), a agricultura familiar responde por 49% (1.212.310 hectares). No caso das lavouras temporárias, a agricultura familiar participa com 18% (1.569.665 hectares), da área total de 8.809.665 hectares. A Tabela abaixo detalha essas informações por unidade federada da Amazônia Legal:

UNIDADE DA FEDERAÇÃO

Área com Lavouras Permanentes - Ha

Área com Lavouras Temporárias -Ha

Total

Agricultura familiar

Total

Agricultura familiar

RO Total

254.071

201.912

166.135

80.204

AC Total

63.315

37.155

77.994

51.615

AM Total

335.983

139.700

482.681

218.516

RR Total

50.667

33.531

58.322

20.227

PA Total

1.021.452

571.984

730.742

436.515

AP Total

34.616

20.055

20.549

15.265

TO Total

93.593

26.370

440.970

78.623

MA Total

216.325

86.632

1.290.397

470.905

MT Total

391.363

94.971

5.541.875

197.296

Total geral

2.461.385

1.212.310

8.809.665

1.569.166

Fonte: Censo Agropecuário 2006
- tomando-se o conjunto dos municípios da Amazônia Legal, por unidade federada, nos quais as áreas com lavouras permanentes e lavouras temporárias nos estabelecimentos familiares participam com 50% ou mais das respectivas áreas totais com essas lavouras, obtém-se o seguinte quadro, por unidade federada:

UF

AGRIC. FAMILIAR/LAV.  PERMANENTE

AGRIC. FAMILIAR/LAV.  TEMPORÁRIA

RO

47 MUNICÍPIOS

42 MUNICÍPIOS

ACRE

19 MUNICÍPIOS

19 MUNICÍPIOS

AMAZONAS

39 MUNICÍPIOS

45 MUNICÍPIOS

RORAIMA

14 MUNICÍPIOS

09 MUNICÍPIOS

PARÁ

86 MUNICÍPIOS

105 MUNICÍPIOS

AMAPÁ

12 MUNICÍPIOS

13 MUNICÍPIOS

TOCANTINS

70 MUNICÍPIS

52 MUNICÍPIOS

MARANHÃO

98 MUNICÍPIOS

115 MUNICÍPIOS

MATO GROSSO

40 MUNICÍPIOS

28 MUNICÍPIOS

na Amazônia Legal, a área total com pastagens nos estabelecimentos agropecuários, é de 53.429.222 hectares, dos quais os estabelecimentos familiares participam com 12.015.681 hectares (22.5%);
as áreas com pastagens naturais somam 11.718.850 hectares, com participação de 18% dos estabelecimentos familiares. As áreas com pastagens degradadas alcançam 4.211.455 hectares, com participação de 37% da agricultura familiar. As com pastagens plantadas, em bom estado, somam 37.498.917 hectares, com participação de 24% dos estabelecimentos familiares.

UF

Pastagem natural

pastagem degradada

Pastagem Plantada

Total

Agric. Familiar

Total

Agric. Familiar

Total

Agric. Familiar

RO Total

275.038

90.585

242.726

112.937

4.291.708

1.855.085

AC Total

157.946

78.161

93.928

37.129

786.849

278.345

AM Total

230.521

86.927

50.501

20.100

525.053

175.625

RR Total

401.971

34.583

49.752

17.155

267.669

114.734

PA Total

1.780.567

392.375

1.067.086

345.611

7.975.595

1.904.410

AP Total

222.809

15.417

13.941

1.127

29.810

5.112

TO Total

2.834.301

579.615

648.984

161.083

4.574.037

876.664

MA Total

1.458.576

487.603

453.784

190.464

3.297.183

1.127.803

MT Total

4.357.121

312.679

1.590.753

236.212

15.751.013

2.478.140

Total geral

11.718.850

2.077.945

4.211.455

1.121.818

37.498.917

8.815.918

- tomando-se o conjunto dos municípios da Amazônia Legal, por unidade federada, nos quais as áreas com pastagens nos estabelecimentos familiares participam com 50% ou mais das áreas totais de pastagens nos respectivos municípios, obtém-se o seguinte quadro, por unidade federada:

RO

22 dos 52 municípios pesquisados

AC

14 dos 22 municípios

AM

30 dos 62 municípios

RR

4 dos 15 municípios

PA

29 dos 143 municípios

AP

2 de 16 municípios

TO

15 de 139 municípios

MA

56 de 170 municípios

MT

4 de 139 municípios

- as matas e/ou florestas naturais destinadas à APP e RL apresentam área de 25.932.281 hectares, sendo de 16% a participação da agricultura familiar; b) as matas e/ou florestas naturais, exclusive APP e ASA (áreas de sist. agroflorestais), somam 15.377.335 hectares, com 27% de participação da agricultura familiar; c) as matas e/ou florestas plantadas acumulam área de 339.615 hectares com a agricultura familiar participando de 13%; d) no total, estas áreas somam 2.332.265 hectares com a agricultura familiar participando com 39%.

UF

Matas e/ou flor. Nat. dest. à APP ou RL

Matas e/ou florestas - naturais (exclusive APPe ASA)

Matas e/ou florestas - florestas plantadas

Sistemas agroflorestais

Total

Agricultura familiar

Total

Agricultura familiar

Total

Agricultura familiar

Total

Agricultura familiar

RO Total

1.852.554

526.893

946.175

320.742

18.667

6.143

48.937

21.149

AC Total

1.173.449

471.342

950.833

436.102

7.684

2.165

79.003

47.454

AM Total

711.721

261.127

1.048.336

480.241

16.225

2.561

61.350

27.938

RR Total

456.334

296.421

302.191

99.841

2.565

278

40.480

9.415

PA Total

4.170.583

1.056.859

4.201.198

1.604.918

61.939

15.575

571.519

273.697

AP Total

243.579

30.331

141.309

34.434

96.245

136

18.355

1.767

TO Total

2.867.156

404.096

1.698.619

317.156

41.828

8.894

424.295

94.100

MA Total

1.142.043

314.999

1.423.049

535.603

36.786

3.974

743.596

388.624

MT Total

13.314.962

860.878

4.665.625

393.278

57.676

4.258

344.730

46.800

Total geral

25.932.381

4.222.946

15.377.335

4.222.315

339.615

43.984

2.332.265

910.944

Fonte: IBGE

A.4 - O uso da terra e o nexo ambiental

- Considerando os dados anteriores, uma leitura geral do uso da terra com o correspondente nexo ambiental pode ser obtida com a estimativa das áreas convertidas e não convertidas em estabelecimentos agropecuários, pois permitem quantificar os ativos ambientais, representados por fragmentos de ecossistemas naturais conservados e expressos em Área Não Convertida e os passivos ambientais representados pela Área Convertida;
- a taxa de conversão em estabelecimentos agropecuários da Amazônia Legal, em 2006, gira em torno dos 51% ou 58 milhões de hectares;
- a Área Não Convertida corresponde a mais de 56 milhões de hectares, de grande importância econômica e ainda de importância ecológica. Esta área não convertida supostamente corresponderia às Áreas de Proteção Permanente e às Reservas Legais;
- do ponto de vista dos ativos ambientais, isto é da Taxa de Não Conversão, o Estado do Amapá lidera com 71,70%, seguido por Roraima com 70,97% e Amazonas com 56,52% - estados situados na Amazonas Ocidental, dentro do Bioma Amazônia e com forte presença de floresta ombrófila densa. A exceção, nesta sub-região amazônica, é o Estado de Rondônia, com baixa taxa de não conversão, 37,50%;
- do ponto de vista dos passivos ambientais, o ranking entre estados é liderado por Rondônia com a maior taxa de conversão, 62,50% seguido pelos Estados do Maranhão, 59,33%; e Mato Grosso, 52,54% - com taxas acima da média da região. Registre-se que nestes três estados há presença do bioma Cerrado (em Mato Grosso também o bioma Pantanal), com restrições legais diferenciadas para conversão;
- do lado das áreas convertidas destacam-se as pastagens plantadas que participam com 37,18% da área total dos estabelecimentos agropecuários da região, contra apenas 11,04% das lavouras;
- do lado das áreas não convertidas destacam-se, conforme resumo acima: (i) as Matas Naturais com 37% da área total dos estabelecimentos agropecuários da Amazônia Legal, correspondentes a 41.3 milhões de hectares; (ii) são relevantes também os 10,49% das Pastagens Naturais, correspondentes a 11,8 milhões de hectares porque suportam uma parte da pecuária bovina e evitam ou retardam o avanço da conversão de cobertura vegetal natural.

A.5– A correlação entre posse e uso da terra

É relevante, para as finalidades do MacroZEE, apreender a correlação entre a posse (imóveis) e o uso da terra, neste caso, com base nos estabelecimentos por grupos de municípios de cada unidade federada da Amazônia Legal. A síntese é a seguinte:

- em 72 municípios da região há a concentração extrema (relação entre área da ‘grande propriedade’ sobre área total dos imóveis, acima de 0.8). Nestes as áreas de pastagens são dominantes em 61; as de lavouras permanentes em 5; e as áreas com lavouras temporárias, em 6 municípios;
- em 121 municípios da região há alta concentração da terra (relação entre área da ‘grande propriedade’ sobre área total dos imóveis, de 0.65 < 0.8). Nestes as áreas de pastagens são dominantes em 101; as de lavouras permanentes em 5; e as áreas com lavouras temporárias, em 15 municípios;
- em 123 municípios da região há forte concentração da terra (relação entre área da ‘grande propriedade’ sobre área total dos imóveis, de 0.5 a < 0.65). Nestes as áreas de pastagens são dominantes em 107; as de lavouras permanentes em 4; e as áreas com lavouras temporárias, em 22 municípios;
- em 88 municípios da região há média concentração da terra (relação entre área da ‘grande propriedade’ sobre área total dos imóveis, de 0.4 < 0.5). Nestes as áreas de pastagens são dominantes em 77; as de lavouras permanentes em 2; e as áreas com lavouras temporárias, em 8 municípios;
- em 69 municípios predominam as áreas dos minifúndios. Nestes, as áreas com pastagens dominam em 47 municípios; lavouras permanentes em 2 municípios; e lavouras temporárias, em 8 municípios.

A superação dos problemas fundiários (e agrários) da Amazônia constitui iniciativa política sem a qual será difícil, senão impossível, a resolução dos temas sociais e ambientais nas áreas rurais da região. As circunstâncias de incertezas e desorganização na estrutura fundiária na Amazônia tendem, ainda, a impor ineficácia aos instrumentos de planejamento que visem estimular as decisões de investimentos compatíveis com as potencialidades econômicas da região, ora amplificadas nos âmbitos interno e externo. Consciente desse desafio, o Governo Federal deflagrou o Programa Terra Legal, uma ação estratégica de regularização fundiária na Amazônia com metas ao redor de 67 milhões de hectares. Contudo, a dimensão e as complexidades desse tema na Amazônia ultrapassam o alcance deste programa, exigindo a vinculação da regularização fundiária com uma política agrícola diferenciada para a região, compatível com as características e estratégias propostas para cada Unidade Territorial.

As estratégias do MacroZEE avançam nessa direção, indicando as formas de apropriação, uso da terra e dos recursos naturais mais adequadas para cada Unidade Territorial. O reconhecimento das territorialidades dos povos e comunidades tradicionais, o fortalecimento das políticas de apoio a agricultura familiar, as restrições a conversão de novas áreas e a modernização das atividades agropecuárias em termos de ganhos de produtividade e sustentabilidade ambiental, são algumas das soluções indicadas.

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