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Direito Civil

ARRENDAMENTO MERCANTIL. CONTRATO. ADIMPLEMENTO SUBSTANCIAL

Imagem do usuário Emilio Sabatovski

Advogado/Consultor Jurídico

Escreveu em 26/09/2011 04:09

(Doc. LEGJUR 116.3012.1000.0600) 


STJ. Arrendamento mercantil. Leasing. Contrato. Aquisição de veículo. Pagamento de 31 de 36 parcelas devidas. Resolução do contrato. Ação de reintegração de posse. Descabimento. Medidas desproporcionais diante do débito remanescente. Aplicação da teoria do adimplemento substancial. Cláusula geral do contrato. Princípio da função social do contrato. Princípio da boa-fé objetiva. Precedentes do STJ. CCB/2002, arts. 394, 421, 422 e 475. Lei 6.099/1974. CPC, art. 926.

1. É pela lente das cláusulas gerais previstas no CCB/2002, sobretudo a da boa-fé objetiva e da função social, que deve ser lido o art. 475, segundo o qual [a] parte lesada pelo inadimplemento pode pedir a resolução do contrato, se não preferir exigir-lhe o cumprimento, cabendo, em qualquer dos casos, indenização por perdas e danos. 2. Nessa linha de entendimento, a teoria do substancial adimplemento visa a impedir o uso desequilibrado do direito de resolução por parte do credor, preterindo desfazimentos desnecessários em prol da preservação da avença, com vistas à realização dos princípios da boa-fé e da função social do contrato. 3. No caso em apreço, é de se aplicar a da teoria do adimplemento substancial dos contratos, porquanto o réu pagou: 31 das 36 prestações contratadas, 86%
da obrigação total (contraprestação e VRG parcelado) e mais R$ 10.500,44 de valor residual garantido. O mencionado descumprimento contratual é inapto a ensejar a reintegração de posse pretendida e, consequentemente, a resolução do contrato de arrendamento mercantil, medidas desproporcionais diante do substancial adimplemento da avença. 4. Não se está a afirmar que a dívida não paga desaparece, o que seria um convite a toda sorte de fraudes. Apenas se afirma que o meio de realização do crédito por que optou a instituição financeira não se mostra consentâneo com a extensão do inadimplemento e, de resto, com os ventos do Código Civil de 2002. Pode, certamente, o credor valer-se de meios menos gravosos e proporcionalmente mais adequados à persecução do crédito remanescente, como, por exemplo, a
execução do título. 5. Recurso especial não conhecido.

ÍNTEGRA DO ACÓRDÃO
Esta decisão ficará liberada para quem não é assinante do site LegJur por 30 dias.

REFERÊNCIAS:

Arrendamento mercantil (Jurisprudência)
Leasing (v. Arrendamento mercantil) (Jurisprudência)
Contrato (v. Leasing) (Jurisprudência)
Aquisição de veículo (v. Leasing) (Jurisprudência)
Resolução do contrato (v. Arrendamento mercantil) (Jurisprudência)
Reintegração de posse (v. Arredamento mercantil) (Jurisprudência)
Teoria do adimplemento substancial (Jurisprudência)
Cláusula geral (v. Contrato) (Jurisprudência)
Função social do contrato (Jurisprudência)
Princípio da função social do contrato (Jurisprudência)
Boa-fé objetiva (Jurisprudência)
Princípio da boa-fé objetiva (Jurisprudência)
CCB/2002, art. 394 
CCB/2002, art. 421 
CCB/2002, art. 422 
CCB/2002, art. 475 
Lei 6.099/1974 (Legislação)
CPC, art. 926

COMENTÁRIOS:

A decisão é da 4ª T. do STJ e foi relatada pelo Min. Luis Felipe Salomão (J. em 04/08/2011 - DJe  do dia 05/09/2011). Trata-se de hipótese de aplicação da teoria do adimplemento substancial dos contratos em contrato de arrendamento mercantil («leasing») com fundamentos, entre outros, no princípio da boa-fé objetiva prevista no art. 422 do CCB/2002 e da função social do contrato previsa no art. 421 do CCB.

Trata-se de uma jurisprudência de qualidade, os ministros da 4ª T. do STJ entenderam que o adimplemento de 31 das 36 parcelas e mais o valor residual, caracteriza o adimplemento substancial do contrato, enquanto o Min. João Otávio de Noronha, votou vencido entendendo que «... o adimplemento substancial, para efeito de excluir o direito à resolução, deve assentar-se em hipótese de quase totalidade do cumprimento das obrigações contraídas ou do proveito que se buscava alcançar; deve contrapor-se à importância inadimplida e ser considerado inútil para o credor, situação que, no meu entender, não ocorre nestes autos. ...»

A questão suscita para o debate relevantes questões de direito constitucional e até filosóficas, senão vejamos:

O sistema da livre iniciativa que nasceu com a Revolução Francesa de 1789, cuja Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão/1789. (aprovada, em 26/08/1789, pela Assembleia Nacional da França) é a base institucional de todas as democracias do mundo e é o sistema que permitiu em dois séculos produzir tanta riqueza e desenvolvimento jamais imaginados. E o que é mais importante não há alternativa viável para ele. Este modelo é o que normalmente chamamos capitalismo, dado que o capital (dinheiro) é que oxigena e dá vida ao sistema. A nossa Constituição Federal/88 o adotou, então, vamos vivê-lo e cumpri-lo.

Pois bem, a livre iniciativa está assentada em dois pilares fundamentais, um é o lucro e o outro é o risco, neste modelo, o lucro e o risco, são diretamente proporcionais, ou seja, quem assume mais risco, também assume a possibilidade de mais lucros, quem quer menos risco faz e paga seguro, transfere para a seguradora uma parcela maior do risco, nesta hipótese, o lucro será mais certo porém menor. Em suma, mais risco mais lucro, menos risco menos lucro.

Nos países mais ricos e desenvolvidos esta é uma questão natural e nenhum empreendedor a questiona, ao contrário, reconhece que sem eles não haveria riquezas nem desenvolvimento, e por aqui como é? por aqui entendemos natural o lucro ser nosso e os riscos serem distribuídos aos outros, que tanto podem ser do consumidor ou do contribuinte, tanto faz. Esta é a causa fundamental do nosso país, ainda, possuir um capitalismo oscilante, improdutivo e instável. Estas circunstâncias precisam sempre serem levadas em conta.

Há muito tempo, qualquer empreendedor, ou empresa, sérios sabem que a verdadeiro caminho para o sucesso do empreendimento e do almejado lucro reside numa incondicional, séria e duradoura parceria entre o fornecer do produto ou serviço e seu consumidor. A saúde do fornecedor e um é tão importante quanto a saúde do consumidor esta é a premissa fundamental. Esta relação precisa ser segura, transparente e sobretudo de confiança.

Ora, um compromisso de longo prazo, que pode ser de qualquer natureza, inclusive financeira, a álea (risco) é uma condição necessária e o inadimplemento involuntário parcial ou total é uma possibilidade que ocorre normalmente, tanto isto é verdadeiro que o seu custo, revelado estatisticamente, está embutido em todos os contratos, inclusive os adimplidos. É da natureza do mundo dos negócios e não há nada de errado nisto.

Há presunção de que, os atos negociais são sérios e legítimos e que a intenção de quem contrata é cumpri-lo. Se dolo houver, a seara é outra, podendo ser a criminal.

Se há um negócio jurídico válido, eficaz, sério e se houve momentaneamente uma impossibilidade, provavelmente transitória, de cumprimento de uma obrigação por um dos contratantes, esta é uma questão que não reclama a jurisdição e sim um entendimento entre as partes, senão vejamos: a atividade fundamental de uma instituição financeira é a circulação do dinheiro que é o combustível que oxigena e faz funcionar a economia, sendo o empréstimo de dinheiro o cotidiano de uma instituição bancária. Neste sentido, eventual parcela, ou parcelas, inadimplidas muito bem podem ser deixadas para o final do contrato ou serem quitados mais adiante quando o contratante puder solvê-la e, é natural que o banco nesta hipótese possa exigir uma remuneração justa pelo retardo (não extorsiva), pela apropriação temporária do capital. As dificuldades pelo adimplemento de uma obrigação é uma questão que se resolve entre as partes, daí a necessidade da mais absoluta transparência, tanto do consumidor quando da instituição credora.

O sistema da livre iniciativa está aos poucos tomando forma em nosso país, principalmente pela inserção da nossa economia no mercado global e a chegada de empresas estrangeiras. Os bancos estrangeiros que aportaram por aqui são um excelente exemplo. O falido Bamerindus era sem dúvida o maior cliente da Justiça Brasileira, inclusive da Justiça do Trabalho. O HSBC que adquiriu os ativos do mencionado banco, aos poucos foi resolvendo as pendências, hoje é uma instituição séria e pode ser chamada de Banco, e por óbvio não é mais cliente assíduo da jurisdição. Hoje, se uma pessoa adentra em uma agência do HSBC, ela é considerada uma consumidora, ela é um cliente que precisa ser servido e respeitado e que pode usar dos serviços disponibilizados pela instituição. No antigo Bamerindus esta pessoa seria apenas uma
vítima a ser extorquida, não precisamos nem dizer que a jurisdição tem sua parcela de culpa nisso.

Nunca podemos esquecer que a jurisdição não é um departamento privilegiado de cobrança, ou um local onde, gratuitamente o empreender pode reduzir seus riscos e aumentar seus lucros. São os governos e as empresas mal geridas que mais se aproveitam dela, a jurisdição, para este fim.

Não podemos esquecer que o exercício da advocacia não significa simplesmente ficar entulhando a jurisdição. Quando a advocacia é requisitada não é para fazer petições, mas, colaborar decisivamente para que todos possam cumprir seus compromissos de acordo com suas necessidades e possibilidade, não deixa de ser uma forma de arbitragem consensual.

Há mais, uma das primeiras lições que é ensinado ao aluno na faculdade de direito é que uma obrigação precisa ser conduzida para que ela chegue ao seu termo naturalmente e que a lide é uma pretensão resistida, o que legitimaria a intervenção da jurisdição, isto nos levar a pensar, será que é resistida uma pretensão quando um dos contratantes pretende cumprir sua obrigação, apenas está transitoriamente impossibilitado de fazer no dia aprazado? A resposta é não. Isto quer dizer que a resolução ou o rompimento violento de um contrato exigiria no mínimo uma prova segura que ele não mais existe como tal, o que por óbvio houve tentativas sérias anteriores para dar a ele, o contrato, a possibilidade de chegar naturalmente ao seu fim. O simples inadimplemento não é suficiente para justificar a intervenção da jurisdição, pois descumpre a premissa básica de acesso à jurisdição que é a existência de lide e outra premissa fundamental do direito das obrigações que todos os contratos precisam fluir naturalmente para o seu termo.

Nesse sentido a questão não é saber se houve, ou não, substancial adimplemento do contrato, mas se havia ou não possibilidade deste contrato chegar, com boa vontade, ao fim natural dele, e esta questão restou omissa e silenciosa na presente hipótese.

Convém lembrar, que normalmente as teorias criadas no seio da jurisdição quase sempre lhes falta consistência lógica. Esta também não é melhor, já que que a maioria da turma entendeu que houve adimplemento substancial do contrato, porém um ministro não, o que por si só deixa um eterno rastro de dúvida, cuja aplicação resta prejudicada, porque o seu verdadeiro alcance fica obscurecido.

Esta é uma circunstância, que se levada a sério, por certo diminuiria muito nossa compulsão para requisitar a intervenção da jurisdição para qualquer coisa e sem dúvida valorizaria sobremaneira a atividade do Judiciário e da Advocacia. Salienta-se que não há Advocacia se ela não pode ajudar as pessoas a resolverem rapidamente seus problemas. A jurisdição não é uma opção viável para isto.

O advogado, como todos, precisa viver, pois também tem a si e a sua família para cuidar, e para tanto precisa ser produtivo, oferecer soluções de menor custo para seus constituintes, receber rapidamente pelos serviços prestados e não ficar na dependência eterna e incerta de pífios honorários normalmente fixadas para a sucumbência. Aqui está a verdadeira legitimidade pela cobrança dos honorários. Isto quer dizer que a verdadeira jurisdição quem presta é o advogado, pois ele foi escolhido pelo constituinte em razão da confiança, enquanto o magistrado é escolhido por sorteio, e ele não pode materialmente prestar o auxílio para as partes na mesma extensão e flexibilidade que o advogado. Eternizar os conflitos é descumprir compromisso fundamental da advocacia e da jurisdição.

Não podemos esquecer que não é próprio da atividade bancária fazer buscas e apreensões e leilões que só trazem prejuízos para todos, inclusive para eles. A circulação eficiente do dinheiro, isto sim.

O compromisso para conduzir uma obrigação contratual até o seu termo é de todas as partes envolvidas. A advocacia e a jurisdição não podem ser usadas como escudos para o seu não cumprimento.

Ao profissional do direito, esta decisão significa um importante precedente e uma lembrança que a hermenêutica existe e que existem valores que devem sempre serem lembrados, relembrados e aplicados, principalmente quando se deparar com injustiças ou com outras circunstâncias que revelem discriminações ou ofendam a racionalidade e o bom senso.

Ao estudante de direito, esta decisão tem um significado ainda maior, ele deve ler esta decisão com carinho, já que, além de precedente, ela é um importante instrumento de puro cunho doutrinário e didático. Ela também lembra ao estudante que a lei não é uma literalidade. A jurisprudência de qualidade é a mais qualificada das doutrinas.

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Fique aqui, desenvolva-se e cresça conosco.

Curitiba, 02/09/2011.

Emilio Sabatovski