Nas ações de reintegração de posse motivadas por inadimplemento de arrendamento mercantil financeiro, quando o produto da soma do Valor Residual Garantido (VRG) quitado com o valor da venda do bem for maior que o total pactuado como VRG na contratação, será direito do arrendatário receber a diferença, cabendo, porém, se estipulado no contrato, o prévio desconto de outras despesas ou encargos contratuais.
A tese fixada pela Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça, sob o rito dos recursos repetitivos, estabelece que, em contratos de arrendamento mercantil financeiro (leasing), ocorrendo a reintegração de posse do bem em razão de inadimplemento do arrendatário, a devolução do VRG antecipadamente pago só é devida se, após a venda do bem retomado, a soma do VRG já pago e do valor obtido com a venda superar o total do VRG pactuado. Caso haja saldo positivo, esse valor excedente deverá ser restituído ao arrendatário, desde que descontadas eventuais despesas ou encargos contratuais previamente estabelecidos. Essa orientação visa preservar o equilíbrio econômico-financeiro do contrato, evitando-se enriquecimento ilícito da arrendadora e, simultaneamente, protegendo sua legítima expectativa de retorno do investimento.
A tese fixada pelo STJ representa um avanço na proteção do equilíbrio contratual e na segurança jurídica das relações envolvendo o leasing financeiro. Ao condicionar o direito à devolução do VRG ao resultado econômico da venda do bem, evita-se tanto o enriquecimento sem causa da arrendadora quanto o incentivo à inadimplência do arrendatário. Tal entendimento fortalece a função social dos contratos, incentiva a observância do pactuado e contribui para a estabilidade do mercado de arrendamento mercantil. Possíveis reflexos futuros incluem a uniformização da jurisprudência sobre o tema, a redução de litígios e a previsibilidade para as partes contratantes.
A decisão do STJ está fundamentada na compreensão sistemática do contrato de leasing, reconhecendo a natureza híbrida do instrumento, que envolve elementos de locação, financiamento e eventual compra e venda. A argumentação central pauta-se na função garantidora do VRG ao arrendador, cuja finalidade é resguardar o valor mínimo a ser recuperado na hipótese de inadimplemento e devolução do bem, circunstância especialmente relevante diante da depreciação acelerada de determinados bens (como veículos e equipamentos de informática).
Ao exigir a apuração do resultado da venda do bem e o confronto desse montante com o VRG já pago, a Corte previne distorções contratuais e assegura tratamento equitativo às partes. Ressalte-se que o VRG não é, simplesmente, adiantamento do preço de compra, mas instrumento de garantia financeira para o arrendador. Sua devolução, portanto, somente se justifica quando, após a liquidação do ativo, houver saldo favorável ao arrendatário.
Do ponto de vista prático, a decisão implica que, após a reintegração de posse e venda do bem, as partes deverão proceder à liquidação de contas, observando-se as cláusulas contratuais relativas a despesas e encargos. A uniformização do entendimento pelo rito dos repetitivos traz segurança jurídica e tende a reduzir a litigiosidade, contribuindo para a previsibilidade e a eficiência das relações negociais.
A decisão ainda reforça a necessidade de cláusulas contratuais claras acerca do VRG e dos procedimentos de devolução, estimulando boas práticas contratuais e a adoção de mecanismos de transparência e equidade.