Jurisprudência em Destaque

STJ. 3ª T. Competência internacional. Salvatagem marítima. Competência concorrente da autoridade judiciária brasileira. Ausência de antinomia. Não-configuração de seus requisitos que implica apenas a ausência de exclusividade e não a incompetência da Justiça Brasileira. Considerações do Min. Paulo de Tarso Sanseverino sobre o tema. CPC, art. 88. Lei 7.203/1984, art. 7º.

Postado por Emilio Sabatovski em 21/02/2012
«... A autora, sociedade holandesa de salvatagem marítima, propôs a presente demanda contra os proprietários da carga recuperada do navio liberiano Nedlloyd Recife, que naufragou em águas brasileiras, objetivando impedi-los de retirar suas mercadorias do porto antes de efetuado o pagamento do prêmio a que faz jus em razão do salvamento.

O recurso em tela versa exclusivamente acerca da competência da Justiça Brasileira para processar e julgar a demanda, que fora liminarmente extinta pelo juízo de origem.

A recorrente alega que o acórdão recorrido violou o art. 88 do Código de Processo Civil ao afastar sua aplicação ao caso em comento, bem como violou o art. 7º da Lei 7.203/84, ao aplicá-lo erroneamente, sem atentar ao fato de que tal dispositivo prevê norma de competência exclusiva da Justiça brasileira.

Assiste razão à recorrente, devendo ser reformado o aresto.

Inicialmente, ressalto que, no contrato de salvatagem firmado entre a autora e o capitão da embarcação - representante dos proprietários do armador, dos contêineres e da carga transportada -, foi eleito o foro arbitral de Londres para a fixação da remuneração.

Note-se, contudo, que a eleição de foro pactuada se afigura irrelevante à controvérsia em questão, considerando que, de um lado, não se discute a remuneração pela salvatagem realizada, mas, sim, a possibilidade de se impedir a retirada da carga recuperada, que serve de garantia à autora em caso do não-pagamento de sua remuneração; e considerando que, de outro lado, não se busca por meio da presente demanda a exclusão do foro eleito contratualmente, mas apenas o reconhecimento da competência concorrente da Justiça brasileira.

O ordenamento jurídico brasileiro estabelece de forma expressa as hipóteses nas quais o Poder Judiciário pátrio é competente para analisar e julgar as demandas que envolvam conflitos internacionais de direito privado.

Com efeito, dispõe o art. 88 do Código de Processo Civil:


Art. 88. É competente a autoridade judiciária brasileira quando:


I - o réu, qualquer que seja a sua nacionalidade, estiver domiciliado no Brasil;


II - no Brasil tiver de ser cumprida a obrigação;


III - a ação se originar de fato ocorrido ou de ato praticado no Brasil.


Parágrafo único - Para o fim do disposto no no I, reputa-se domiciliada no Brasil a pessoa jurídica estrangeira que aqui tiver agência, filial ou sucursal.

Tal dispositivo legal prevê a chamada competência internacional concorrente, estabelecendo os casos nos quais a jurisdição brasileira é competente para analisar a demanda, sem prejuízo da competência de órgãos jurisdicionais estrangeiros.

No caso em tela, conforme consignado inclusive no acórdão recorrido, verificou-se a ocorrência de todas as hipóteses previstas no dispositivo legal em questão.

De fato, os réus têm domicílio no Brasil, a obrigação de não-fazer objeto da ação deve ser cumprida em território nacional e, por fim, a salvatagem que deu origem à presente cautelar ocorreu em águas brasileiras.

Sendo assim, e confirmando-se o quanto já afirmado pelo acórdão recorrido, é evidente a competência concorrente da Justiça brasileira para a análise e para o julgamento da presente demanda.

O acórdão recorrido, embora tenha afirmado estar verificada, em princípio, a competência da Justiça brasileira, afastou a aplicação do art. 88 do Código de Processo Civil, por entender que, havendo antinomia com o art. 7º da Lei 7.203/84, este deveria prevalecer, em razão do critério de especialidade.

Todavia, não se verifica a alegada antinomia entre os dispositivos legais em questão. Muito pelo contrário: eles não somente se encontram em perfeita harmonia, como, inclusive, se complementam.

A antinomia jurídica foi bem delineada pelo ilustre doutrinador Juarez Freitas (FREITAS, Juarez. A Interpretação Sistemática do Direito. 5. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2010, p. 94):


Realizadas tais ilustrações, cumpre sublinhar que as antinomias jurídicas, em sentido tópico-sistemático, reclamam ser pensadas, concomitantemente, como contradições lógicas e axiológicas. Com efeito, o sistema jurídico, assim como se o definiu, está a exigir, ao lado ou à diferença dos significados expostos, uma noção mais rica e complexa do que aquela que o vê, por exemplo, como simples aparato destinado à exclusão de incompatibilidades formais entre as normas.


Dessa maneira, para nossos efeitos, conceituam-se as antinomias jurídicas como incompatibilidades possíveis ou instauradas entre regras, valores ou princípios jurídicos, pertencentes validamente ao mesmo sistema jurídico, tendo de ser vencidas para a preservação da unidade e da coerência do sistema positivo e para que se alcance a máxima efetividade da pluralista teleologia constitucional.

A antinomia, pois, se dá quando duas ou mais normas se afiguram incompatíveis entre si, tanto lógica como axiologicamente, e cuja contradição deve ser sanada a fim de garantir a unicidade do sistema jurídico e a fim de preservar a segurança jurídica.

Note-se que tal incompatibilidade deve ser averiguada de modo criterioso, não sendo possível presumi-la.

Isso é o que se extrai da lição do saudoso mestre Carlos Maximiliano (MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito. 19. ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2001, p. 110):


Não raro, à primeira vista duas expressões se contradizem; porém, se as examinarmos atentamente (subtili animo), descobrimos o nexo oculto que as concilia. É quase sempre possível integrar o sistema jurídico; descobrir a correlação entre as regras aparentemente antinômicas.


Sempre que descobre uma contradição, deve o hermeneuta desconfiar de si; presumir que não compreendeu bem o sentido de cada um dos trechos ao parecer inconciliáveis, sobretudo se ambos se acham no mesmo repositório. Incumbe-lhe preliminarmente fazer tentativa para harmonizar os textos; a este esforço ou arte os Estatutos da Universidade de Coimbra, de 1772, denominavam Terapêutica Jurídica.

No caso em tela, analisando-se atentamente o enunciado normativo do art. 7º da Lei 7.203/84, percebe-se que ele não apresenta qualquer contradição com a redação do art. 88 do Código de Processo Civil.

Senão vejamos:


Art. 7º Quando a assistência e salvamento ocorrerem em águas sob jurisdição nacional e existir envolvimento de embarcação brasileira nessa operação, a competência para julgar questões pertinentes ou decorrentes desse salvamento é da responsabilidade de tribunal brasileiro.


Parágrafo único. Toda cláusula que atribuir jurisdição a um tribunal estrangeiro ou toda cláusula compromissória dando competência a um tribunal arbitral sediado no estrangeiro é nula, desde que a embarcação que foi assistida ou salva, seja de nacionalidade brasileira e a assistência e salvamento sejam prestados em águas sob jurisdição brasileira.

Enquanto o art. 88 do Código de Processo Civil prevê as situações gerais que ensejam a competência internacional concorrente da Justiça brasileira, o dispositivo legal em questão estabelece claramente hipótese específica de competência exclusiva da autoridade judiciária nacional.

De fato, quando o salvamento envolver embarcação brasileira e ocorrer em águas sob jurisdição nacional, eventuais conflitos deverão necessariamente ser analisados pela Justiça brasileira, sendo nulos os pactos de eleição de foro e estando obstado o reconhecimento de decisões proferidas por tribunais estrangeiros acerca da questão.

Saliente-se que a interpretação contrario sensu do art. 7º da Lei 7.203/84 não se dá nos moldes como realizado pelo acórdão recorrido.

Com efeito, caso não configurados os requisitos para sua aplicação, isto é, quando a embarcação não for brasileira e/ou quando o salvamento não tiver ocorrido em território nacional, a conclusão que se deve chegar não é de que a Justiça brasileira é incompetente, mas, sim, que sua competência não é exclusiva.

Na hipótese em comento, conquanto a salvatagem tenha ocorrido em águas nacionais, a embarcação é de nacionalidade liberiana.

Sendo assim, uma vez inexistente o suporte fático necessário à incidência do art. 7º da Lei 7.203/84, não há competência exclusiva.

A autoridade judiciária nacional é evidentemente competente para a análise e julgamento da demanda, por força do disposto no art. 88 do Código de Processo Civil, sendo que a não-configuração dos requisitos do art. 7º da Lei 7.203/84 apenas implica a ausência de exclusividade na competência.

Disso decorre que a competência concorrente da autoridade judiciária brasileira para o julgamento da presente demanda não pode ser afastada pela não-aplicação do art. 7º da Lei 7.203/84.

Ressalto que o acórdão recorrido, ao reconhecer a incompetência da Justiça brasileira para analisar a presente demanda, negou à autora o seu direito de acesso à jurisdição, considerando que o foro de Londres, a toda evidência, não teria jurisdição para julgar ação cautelar em que se pretende impedir a retirada de mercadorias de porto localizado em território brasileiro.

Por oportuno, cito comentários de Nádia de Araújo acerca de julgados desta Corte Superior sobre a matéria em questão (ARAÚJO, Nádia de. Direito Internacional Privado: teoria e prática brasileira. 4. ed. atual. e ampl. Rio de Janeiro: Editora Renovar, 2008, p. 225):


O CPC dividiu a competência internacional entre concorrente, (art. 88) e exclusiva (art. 89), resultando do exame dessas regras as hipóteses em que a justiça brasileira se declarará competente. O STJ afirmou bastar a ocorrência de qualquer das hipóteses desses artigos para fixar-se a competência da autoridade judiciária brasileira. Em uma ação de nulidade de contrato internacional, o réu pleiteava a incompetência da justiça brasileira por força do art. 9º da LICC e art. 88, III, do CPC. O STJ decidiu que, por ser o domicílio do réu no Brasil, deu-se a hipótese do art. 88, I, do CPC.


(...)


Em outra ocasião, o STJ entendeu que prevalecia o direito à jurisdição brasileira, diante da existência de domicílio do réu no Brasil, ainda que não se pudesse chamar ao processo os demais devedores. Isso porque permitir declaração de incompetência da justiça brasileira atentaria contra o princípio constitucional de garantia da jurisdição, e obrigaria o suposto lesado a demandar no estrangeiro, quando o Estado brasileiro assegura seu poder de julgar todas as causas contra o réu, brasileiro ou não, aqui domiciliado. Declarou o ministro Cláudio Santos, no corpo do voto, que isso equivaleria a negar a própria soberania do país.

O acórdão recorrido, portanto, violou tanto a regra do art. 88 do Código de Processo Civil, bem como a norma do art. 7º da Lei 7.203/84, razão pela qual deve ser reformado.

Por fim, ressalto que o pólo passivo da ação deve ser retificado na origem nos termos da decisão de fls. 934-938, sendo que as alegações de ilegitimidade devem ser suscitadas perante aquele juízo.

Ante o exposto, dou provimento ao recurso especial para reconhecer a competência concorrente da autoridade judiciária brasileira para processar e julgar a presente demanda. ...» (Min. Paulo de Tarso Sanseverino).»

Doc. LegJur (121.1135.4000.2300) - Íntegra: Click aqui


Referências:
Competência (Jurisprudência)
Competência internacional (Jurisprudência)
Salvatagem marítima (Jurisprudência)
Competência concorrente (Jurisprudência)
Autoridade judiciária brasileira (v. Competência internacional ) (Jurisprudência)
Justiça Brasileira (v. Competência internacional ) (Jurisprudência)
CPC, art. 88
(Legislação)
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