Jurisprudência em Destaque

STJ. 4ª T. Família. Filiação. Ação declaratória de inexistência de parentesco proposta por irmão cumulada com nulidade de registro de nascimento e invalidade de cláusula testamentária. Existência de paternidade socioafetiva. Exame de DNA. Possibilidade de recusa da filha sem o ônus da presunção em sentido contrário. Proteção à dignidade humana. Preservação de sua personalidade, de seu status jurídico de filha. Amplas considerações do Min. Luis Felipe Salomão sobre o tema. Súmula 301/STJ. CCB/2002, arts. 231, 232 e 1.593. CCB, art. 332.

Postado por Emilio Sabatovski em 06/02/2014
«... 4. A questão principal que remanesce no recurso especial é saber se a recusa da irmã, ora recorrida, em se submeter a teste de DNA, em ação declaratória de inexistência de parentesco proposta pelo irmão, ora recorrente, gera presunção de que aquela não é filha (biológica) de seu pai.

De fato, a sentença afastou a presunção advinda do art. 232 do CC ao fazer o cotejo com as provas carreadas nos autos - reconhecendo a paternidade socioafetiva -, nos seguintes termos:


Desacolhe-se toda essa argumentação do autor, a qual, em princípio, autorizaria a procedência dos pedidos dele, pois é bem-lançada, não se olvida o disposto nos invocados artigos 231 e 232 do Código Civil e existe jurisprudência no sentido da injustificada recusa de se submeter a teste de DNA gerar firme presunção contra os interesses da respectiva parte, máxime em ações de investigação de paternidade.


A propósito desse desacolhimento, registra- se, primeiro, que, no distanciado ano de 1973, Winston Frederick Churchili Guest, o qual antes entendera e expressara ser pai da ré, declarou mediante documento ter sabido ser de Jean Manzon essa paternidade. E aduziu, dessa forma, que Jean não reconhecera essa paternidade nas épocas de nascimento e primeiro registro de Louise, porquanto impedido por lei, haja vista, então, não estar separado judicialmente da esposa.


Winston, então, declarara também ter verificado correspondência do período de gestação da ré por Nicole, a qual «indicava claramente que Jean Manzon era o pai de Louise e que Nicole Marie De Preaulx reconhecia que a situação era realmente essa» (folhas 291).


São ainda expressões (folhas 291) de Winston: «[...]convencido de que ludibriado a ponto de aceitar a afirmação de Nicole Marie De Preaulx, de que eu era o pai de Louise; e, agindo dentro de tal convicção, revoguei a cláusula suplementar ao meu testamento, a que aludi acima, e também revoguei o supramencionado Acordo pelo qual foi criado o Fundo [...]».


Outrossim, confirmando a este magistrado o antes por ela escrito (folhas 287/288), Nicole, entre mais, revelou ser Jean Manzon o pai biológico de Louise e que, em tempos idos, movida de ressentimento («Eu estava disposta a tudo» em razão de haver perdido a minha filha» - folhas 794), declarara «na Justiça que o pai dela era Winston» (folhas 794).


Ademais, sobreleva haver sólida prova de que Jean Manzon devotava amor e desvelo grandiosos por Louise, próprio de quem é digno da paternidade.


Com efeito, para essa ré, Jean Manzon «era meu pai e a minha mãe» (folhas 783).


Para Jean Pierre Desire Mathias Simonnot (folhas 784/785), «Jean «tinha olhos só para a filha, a qual adorava».


Havia «amor total» entre eles. Todas as atenções de Jean eram dedicadas a essa filha [...]Para mim ela é filha do meu amigo[...]»


Até o parto referente ao nascimento de Louise foi acompanhado por Jean Manzon, conforme relato do respectivo médico, Bussâmiara Neme (folhas 786/787).


Por sinal, eram tantos os desvelos desse pai em relação aos interesses e à felicidade dessa filha que, não bastasse a presença constante na escola na qual ela estudava, chegava ao ponto de, pela «imensa preocupação» a cujo respeito informa Marie Elisabehit Knaus Debus (diretora do respectivo estabelecimento, Escola Pueri Domus - folhas 788/789), destacar motorista nas excursões desse colégio pelo Brasil para, sem o conhecimento de Louise, acompanhar o ônibus no qual viajavam as alunas.


Outro demonstrativo do pai extremado que Jean Manzon foi para Louise está no depoimento do advogado Luiz Fernando Mendes de Almeida, o qual, guardião dessa ré à época da demanda entre Nicole e Jean Manzon, revelou, entre mais, acerca do grande empenho deste em impedir que essa filha saísse do Brasil com a mãe, por sinal, obtendo provimento judicial respectivo e, posteriormente, ganho de causa referente à guarda, a qual chegou à Suprema Corte (folhas 710/711).


Esse causídico relatou ainda que Nicole, mãe da ré, lhe dissera ser Jean Manzon o pai desta, Louise.


Importa ser enfatizado acerca da segurança e da idoneidade dessas testemunhas, as quais, assim como o depoimento pessoal de Louise e o informe da mãe desta, infundem convicção de que Jean Manzon foi o pai dessa ré.


Por essas razões, e iterando-se ter sido Jean Manzon pai grandemente devotado a Louise, contra esta não se ajusta a invocada jurisprudência segundo a qual, em ações ligadas ao vínculo paterno-filial, se presuma em contrário a quem se recuse submissão a teste de DNA.


A bem ver, ainda, presentes as supraditas realidades, o caso sob exame dissocia-se dos tratados pelos Tribunais quando um réu, para eximir-se do reconhecimento da paternidade a ele atribuida, recusa-se, com pretextos os mais vários, submeter-se a exame.


Ainda em contrário ao todo sustentado pelo autor, visto quão grandiosos o carinho e o amor a envolver Louise e o pai -aliás, pai e mãe para ela -,não é disparate se admitir que a falta de «coragem» dessa ré para o exame, como informado por Nicole (folhas 795), se verificasse em função da profundeza dos sentimentos dela à memória desse homem.


A propósito, são de registro as seguintes expressões que, com muita emoção e em prantos, nesse ponto (embora a respeito não se fizesse constar do termo relativo a esse depoimento), Nicole, mãe da ré, proferiu em Juízo:


«Não posso admitir exame de DNA.» Para fazer exame de DNA, minha filha tem que ver o cadáver do pai; ela já sofreu bastante, desenterrar o pai que ela amava?» (folhas 795).


Logo, reitera-se, essa recusa ao exame, no caso sob apreciação, não pode ser considerada conforme a das tantas hipóteses nas quais certos imputados pais o fazem.


Por sinal, o artigo 232 do Código Civil não impõe ou prescreve que essa recusa supra a prova do que se pretenda obter com o exame.


Esse dispositivo, sim, prevê que a recusa à perícia médica ordenada pelo juiz poderá suprir a prova que se pretenda obter com o exame respectivo.


Com efeito, e embora expresse ser regra operar-se a prova contra a parte que assim se conduza, o douto Silvio de Salvo Venosa, do alto também da vitoriosa experiência como magistrado, considera o seguinte:


«Muito cuidado, no entanto, é exigido do juiz nesses casos, pois há sempre forte carga emocional nesses processos» (DIREITO CIVIL, Atlas, volume 1, segunda edição, 2002, página 543). (fls. 1078-1089) (original sem grifo)

O Tribunal de origem, apesar de repudiar a recusa da recorrida em realizar o exame genético, também afastou a presunção por reconhecer provada a filiação afetiva, acrescendo quanto ao ponto que:


A recusa perpetrada, assim, não pode ser levada em favor da apelada, conclusão uníssona na doutrina e na jurisprudência, conforme, aliás, menciona a Súmula 301 do Superior Tribunal de justiça, aplicável com o devido amoldamento: «Em ação investigatória, a recusa do suposto pai a submeter-se ao exame de DNA induz presunção juris tantum de paternidade». A matéria também vem regrada atualmente pelos artigos 231 e 232 do Código Civil.


[...]


No entanto, embora haja dúvida concreta sobre a paternidade biológica da recorrida, ficou bem evidente nos autos que Jean Manzon nutria por Louise um verdadeiro amor de pai e para esta ele «era meu pai e minha mãe»


[...]


Por sua vez, as fotografias acostadas às fls. 844/852 também demonstram que «pai» e «filha» mantiveram contato ao longo de suas vidas. Toda essa ligação afetiva, aliás, sequer foi negada nos autos pelo legítimo filho de Manzon [...]


Também a propositura da ação de busca e apreensão (fls. 122/139) da então menor Louise denota a vigília e o sentido protetor de Jean Manzon.


Por tudo isso, não se pode ignorar o intenso e sincero sentimento nutrido pelo «pai» Jean Manzon à «filha» Louise, independentemente da realidade biológica quanto à paternidade da recorrida.


[...]


Toda essa ligação emocional e afetiva justifica inclusive o desejo de Manzon em amparar financeiramente a recorrida após sua morte, o que não pode ser ignorado, ou desrespeitado por aqueles que interpretam suas disposições de última vontade.


Não foi por outra razão queo testamenteiro em sua contestação registrou que: «o testador deixou bem clara a condição da ré como sua filha e seu desejo de ceder e transferir seus bens e direitos àquela, tanto na condição de herdeira necessária de seu legado, quanto na condição de herdeira testamentária ao receber parcela da parte disponível dos bens deixados por seu conforme estabelecido por ele no testamento» (fl. 617).


Em outras palavras, todas essas assertivas levam à conclusão de que o falecido, ainda que soubesse que não era o pai biológico da apelada, quis nomeá-la como sua legítima herdeira, inexistindo no ato vício de erro essencial capaz de inquinar sua validade. (fl. 1199-1203)

Diante desse contexto fático é que se analisará a aventada violação aos artigos 231 e 232 do CC/2002, bem como à Súmula 301 do STJ, que assim dispõem:


Art. 231. Aquele que se nega a submeter-se a exame médico necessário não poderá aproveitar-se de sua recusa.


Art. 232. A recusa à perícia médica ordenada pelo juiz poderá suprir a prova que se pretendia obter com o exame.


Súmula 301 - Em ação investigatória, a recusa do suposto pai a submeter-se ao exame de DNA induz presunção juris tantum de paternidade.

5. Quanto à espécie de perícia prevista nos dispositivos de lei, malgrado se possa admitir que a gênese do enunciado traga a marca de tentar solucionar os problemas decorrentes da recusa do pai em se submeter a teste de DNA, especialmente nas ações de investigação de paternidade, o fato é que o preceito não se dirige somente a tal hipótese, mas a qualquer perícia médica determinada pelo juiz, não ficando restrita sua aplicação ao âmbito do direito de família.

No tocante ao alcance das regras enunciadas verifica-se, de plano, como salientado pela sentença e pelo acórdão recorrido, que a sua produção não vincula o juiz, haja vista que, assim como os outros meios de prova, é livre o magistrado para formar sua convicção com os elementos ou fatos provados nos autos (art. 436 do CPC), ou seja, a recusa traz apenas mais um indício dentre os elementos de prova para a formação do livre convencimento motivado do julgador, nos termos do art. 93 da CF e 131 do CPC.

É que, pelo disposto no art. 231 do CC, não poderá a parte se valer da sua negativa injustificada para realização do exame e, posteriormente, aventar a insuficiência da prova em seu benefício, sendo que o art. 232 veio a estabelecer presunção judicial pela recusa, necessariamente a ser cotejada com os demais meios de prova produzidos na causa.

Humberto Theodoro Júnior salienta que «a norma simplesmente admite a possibilidade de se ter como ocorrente tal suprimento: a recusa à perícia médica[...] poderá suprir a prova que se pretendia obter com o exame, diz o art. 232. Não há no provimento legal uma autoritária e definitiva substituição da perícia pela imposição de veracidade do fato não averiguado. A norma pressupõe, por isso, um juízo complementar do magistrado para concluir sobre a possibilidade, ou não, de operar o suprimento probatório autorizado, mas não imposto por lei» (Comentários ao novo código civil, Volume III, Tomo II, 3ª edição, Editora Forense, 2005, p. 574).

Conforme leciona Antônio Carlos Mathias Coltro, do vocábulo «poderá». previsto no artigo «decorre clara percepção sobre não estar o julgador obrigado a considerar a recusa como forma de suprir a ausência do exame». O mesmo autor complementa: «Como escrito pelo Professor Barbosa Moreira, em análise ao art. 232, deixa-se ao julgador certa margem de flexibilidade: para ela aponta o emprego da locução poderá suprir, que conduz a interpretação diferente daquela que caberia se a lei dissesse suprirá». («A investigação de paternidade, a recusa ao DNA e os arts. 231 e 232 do CC/2002» - Aspectos Controvertidos do Novo Código Civil: Escritos em Homenagem ao Ministro José Carlos Moreira Alves, Editora Revista dos Tribunais, 2003, p. 52-53).

Há ainda parte da doutrina que defende a inocuidade de tal preceito. É a opinião, por exemplo, de Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald, quando registram:


«Pois bem, a leitura crítica e minuciosa do art. 232 do Código Civil permite concluir que não há uma presunção legal criada pela norma para a hipótese de recusa em submeter-se a exame médico, mas, tão-somente, uma presunção judicial, conduzindo à fácil conclusão da inutilidade do art. 232 do Código Civil, por repetir o óbvio ululante, que é o livre convencimento motivado, decorrente do art. 131 do Código de Processo Civil e da própria Constituição da República. Salta aos olhos, pois, a desnecessidade do dispositivo legal. Ora, se o magistrado é livre e soberano na análise das provas produzidas, é inútil afirmar, como faz o artigo supracitado, que a recusa em submeter-se à prova pericial poderá ser considerada no ato de julgar. Por óbvio, a recusa na realização de exame médico – assim como todas as demais provas, indícios e presunções – será considerada, conjuntamente, pelo julgador no momento do veredito. Ou seja, o especioso artigo apenas está afirmando que o juiz é livre (como se já não fosse) para apreciar a prova, podendo, inclusive, considerar a recusa da parte em submeter-se à perícia médica em seu desfavor, juntamente com outros indicativos probatórios». (Direito das famílias. Salvador: Editora Juspodivm, 2013, p. 752).

6. Nessa toada, o ponto em discórdia é justamente saber se deveria incidir a presunção prevista no art. 232 do CC e pela Súmula 301 do STJ.

Convém explicitar que, tratando-se especificamente do exame de DNA e a presunção advinda de sua recusa, deve-se examinar a questão sobre duas vertentes:

i) se a negativa é do suposto pai ao exame de DNA ou

ii) se a recusa partiu do filho;

Em quaisquer delas, além das nuances de cada caso em concreto (dilemas, histórias, provas e sua ausência), deverá haver uma ponderação dos interesses em disputa, harmonizando-os por meio da proporcionalidade ou razoabilidade, sempre se dando prevalência para aquele que conferir maior projeção à dignidade humana, haja vista ser «o principal critério substantivo na direção da ponderação de interesses constitucionais» (SARMENTO, Daniel. A ponderação de interesses na constituição federal. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2003, pg. 74).

Confira-se:


O princípio da dignidade da pessoa humana cumpre uma dupla função, a de ser parte (variável) integrando, em regra, o conteúdo dos direitos fundamentais, servindo como importante elemento de proteção dos direitos contra medidas restritivas, além de justificar a imposição de restrições a direitos fundamentais, atuando como elemento limitador destes direitos, o que se adequa às questões atinentes à realização da prova pericial no DNA para estabelecimento do vínculo genético, quando ocorrer recusa do investigado em fornecer o material genético.


(FEIJÓ, Adriana Maria de Vasconcelos. A prova pericial no DNA e o direito à identidade genética. Caxias do Sul: Plenum, 2007, p.133)

6.1. Seguindo essa linha de raciocínio, em relação à negativa do pai, o entendimento jurisprudencial do STJ foi definido na Súmula 301, que dispõe: «Em ação investigatória, a recusa do suposto pai a submeter-se ao exame de DNA induz presunção juris tantum de paternidade».

A doutrina, ao comentar a referida súmula, esclarece que:


O verbete contém uma presunção relativa, onde a lei afirma o fato ou ato como verdadeiro, mas aceita prova contrária, oposta à presunção absoluta em que ele é tido expressamente como certo e inquestionável.


Já o dispositivo invocado é de completa inocuidade quando se adote a persuasão motivada, como reconhece a doutrina; ou seja, as provas são relativas, não têm prestígio antecipado; submetem-se apenas à consciência do magistrado, que as examina sem apriorismos, obrigado à fundamentação.


Acrescente-se que a regra estabelece uma faculdade; representa demasia ou alusão inútil, eis que o julgamento deve se agasalhar no contexto global dos autos e não somente em componente pontual.


Desde logo se vê que a súmula tem endereço determinado, aludindo ao suposto pai, o que não enseja uma interpretação extensiva, e não cabe engatar hipótese não prevista, notadamente quando se cuidam direitos indisponíveis


(GIORGIS, José Carlos Teixeira, A recusa dos parentes ao exame do DNA, Advocacia Dinâmica, ano 27, 2007, p. 837-838)

Além de se tratar de presunção relativa, afirma-se também ser indispensável que a recusa tenha sido do pai em ação específica de investigação de paternidade, malgrado a jurisprudência venha paulatinamente ampliando esse espectro, ao entendimento de que «a presunção de paternidade enunciada pela Súmula 301/STJ não está circunscrita à pessoa do investigado, devendo alcançar, quando em conformidade com o contexto probatório dos autos, os réus que opõem injusta recusa à realização do exame» (REsp 1253504/MS, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 13/12/2011, DJe 01/02/2012).

  • 1.253.504/STJ (Processo civil. Ação de declaração de relação avoenga. Súmula 301/STJ. Litisconsórcio passivo necessário. Citação do avô registral. Edital. Recurso especial provido).


A referida presunção advém, valendo-me da lição de Tepedino, porque «o conhecimento da ascendência biológica tem por objetivo não só estabelecer a paternidade, direito fundamental à pessoa humana, como também possibilitar que a pessoa conheça a sua identidade genética, seja como uma aspiração psicológica, seja para prevenir eventuais doenças hereditárias. Neste caso, o exercício do direito à integridade física do investigado, embora garantido constitucionalmente, torna-se abusivo se servir de escusa para eximir a comprovação, acima de qualquer dúvida, de vínculo genético, a fundamentar adequadamente as responsabilidades decorrentes da relação de paternidade«(TEPEDINO, Gustavo. Código civil interpretado conforme a constituição da república - 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2007, p. 493-494)

Dessarte, entendeu por bem se dar prevalência à dignidade da pessoa humana do filho, em seu direito à descoberta da identidade genética e regularização do seu status familiae, em detrimento do direito do pai investigado a não submissão à perícia médica, devendo, por isso, serem refutados quaisquer óbices de natureza processual ao referido direito fundamental.

Em outros termos, «a intimidade do pai não é mais forte que o direito do filho de ter assegurado, como conseqüência da atitude paterna menos digna, o seu direito à cidadania ampla e à própria dignidade pessoal decorrente do reconhecimento» (MARTINS, Ives Gandra da Silva. O exame do DNA como meio de prova: aspectos constitucionais. In: Leite, Eduardo de Oliveira (Coord.). Grandes temas da atualidade. DNA como meio de prova da filiação. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 128).

É sabido, também, que a Lei 12.004/2009, baseando-se na orientação jurisprudencial desta Corte, acrescentou o art. 2º-A ao texto da Lei 8.560/1992, trazendo uma presunção legal relativa, fazendo constar da redação de seu parágrafo único, especificamente quanto à ação de investigação de paternidade, que «a recusa do réu em se submeter ao exame de código genético - DNA gerará a presunção da paternidade, a ser apreciada em conjunto com o contexto probatório».

Aliás, o direito do filho de reconhecer sua origem é relevante, tanto que a Suprema Corte reconheceu a possibilidade de relativização da coisa julgada, com base no teste de DNA, em hipóteses desse jaez, senão vejamos:


EMENTA RECURSO EXTRAORDINÁRIO. DIREITO PROCESSUAL CIVIL E CONSTITUCIONAL. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE DECLARADA EXTINTA, COM FUNDAMENTO EM COISA JULGADA, EM RAZÃO DA EXISTÊNCIA DE ANTERIOR DEMANDA EM QUE NÃO FOI POSSÍVEL A REALIZAÇÃO DE EXAME DE DNA, POR SER O AUTOR BENEFICÁRIO DA JUSTIÇA GRATUITA E POR NÃO TER O ESTADO PROVIDENCIADO A SUA REALIZAÇÃO. REPROPOSITURA DA AÇÃO. POSSIBILIDADE, EM RESPEITO À PREVALÊNCIA DO DIREITO FUNDAMENTAL À BUSCA DA IDENTIDADE GENÉTICA DO SER, COMO EMANAÇÃO DE SEU DIREITO DE PERSONALIDADE. 1. É dotada de repercussão geral a matéria atinente à possibilidade da repropositura de ação de investigação de paternidade, quando anterior demanda idêntica, entre as mesmas partes, foi julgada improcedente, por falta de provas, em razão da parte interessada não dispor de condições econômicas para realizar o exame de DNA e o Estado não ter custeado a produção dessa prova. 2. Deve ser relativizada a coisa julgada estabelecida em ações de investigação de paternidade em que não foi possível determinar-se a efetiva existência de vínculo genético a unir as partes, em decorrência da não realização do exame de DNA, meio de prova que pode fornecer segurança quase absoluta quanto à existência de tal vínculo. 3. Não devem ser impostos óbices de natureza processual ao exercício do direito fundamental à busca da identidade genética, como natural emanação do direito de personalidade de um ser, de forma a tornar-se igualmente efetivo o direito à igualdade entre os filhos, inclusive de qualificações, bem assim o princípio da paternidade responsável. 4. Hipótese em que não há disputa de paternidade de cunho biológico, em confronto com outra, de cunho afetivo. Busca-se o reconhecimento de paternidade com relação a pessoa identificada. 5. Recursos extraordinários conhecidos e providos.


(RE 363889, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, julgado em 02/06/2011, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-238 DIVULG 15-12-2011 PUBLIC 16-12-2011)

  • 363.889/STF (Família. Filiação. Investigação de paternidade. Paternidade responsável. Parentesco. Recurso extraordinário. Repercussão geral reconhecida. Exame DNA. Legitimidade ativa. Investigação da identidade genética com a finalidade de constituição de parentesco. Repropositura da ação. Coisa julgada. Relatividade. Relativismo. Relativização. Trata-se de investigação de paternidade declarada extinta, com fundamento em coisa julgada, em razão da existência de anterior demanda em que não foi possível a realização de exame de DNA, por ser o autor beneficiário da justiça gratuita e por não ter o Estado providenciado a sua realização. Repropositura da ação. Possibilidade, em respeito à prevalência do direito fundamental à busca da identidade genética do ser, como emanação de seu direito de personalidade. Amplas considerações sobre o tema no corpo do acórdão. Precedentes do STF e STJ. CPC, art. 468, 472 e 543-B. Lei 8.560/1992, art. 1º. e ss. CF/88, arts. 1º, III e 226, § 6º).


6.2. Por outro lado, na perspectiva do filho, o preceito deve ser analisado com mais acuidade, haja vista que os motivos ensejadores da recusa do suposto genitor - na ação investigatória - são muitas vezes diversos quando ocorre a negatória de paternidade ou qualquer outra ação de impugnação de paternidade.

Nesse sentido, a recusa do filho em se submeter ao exame de DNA permite dois ângulos de visão: i) a do filho sem paternidade estabelecida; e ii) aquele com paternidade fixada (SOUZA, Vanessa Ribeiro Corrêa Sampaio. Reconstruindo a paternidade: A recusa do filho ao exame de DNA, Campos dos Goytacazes: Editora Faculdade de Direito de Campos, 2005).

Assim como em todos os casos envolvendo exame de DNA para fins de filiação, a recusa ao exame pelo filho que ainda não tem a paternidade estabelecida deve ocorrer com ponderação, até porque muitas vezes quem deu causa à situação foi o próprio genitor que se omitiu no momento da elaboração do registro, além do que é possível se deparar com filhos em situações muito distintas, como por exemplo concebidos menores ou já maiores e capazes.

Desta feita, do mesmo modo como entendido na investigação de paternidade, deve-se conferir ao pai o direito potestativo de ver reconhecido seu vínculo de paternidade com o fim de constituição da família, nada impedindo, porém, que o suposto descendente recuse a submeter-se ao exame pericial. O caso será então interpretado à luz do art. 232 do CC e demais meios de prova.

De fato, nessa situação, será permitida a interpretação de que a recusa do filho ao exame de DNA possa gerar uma presunção relativa em relação ao pai, dando prevalência à instituição da família, na forma do preceito constitucional .

Contudo, não bastará a presunção para a caracterização, pois, como bem adverte Vanessa Sampaio:


É totalmente imprescindível que existam outras provas acerca da filiação, funcionando a recusa como um adminículo probatório que venha corroborar o conjunto existente nos autos. Algumas razões podem ser elencadas: para justificar esta interpretação: a primeira delas diz respeito à incerteza quanto aos resultados dos exames de DNA realizados no Brasil, pois se a própria perícia gera dúvidas, a fortiori, a sua não realização não poderia gerar de maneira peremptória a procedência do pedido; em segundo lugar, o suposto filho não deu causa ao seu estado - seja de inexistência de paternidade ou de ser formalmente filho de outrem que o registrou - de forma que para a mudança desse quadro as provas devem ser convincentes, devendo o repúdio à perícia ser analisado no contexto probatório; e, além disso, interessa a ambas as partes que o vínculo filial, ausente o exame de DNA, esteja fundamentado em bases sólidas, devendo, caso contrário, preponderar a manutenção do status quo diante de uma nova relação parental cercada de incertezas. (op. cit., p. 145-146)

A par disso, a complexidade é exarcebada quando a recusa ao DNA dá-se por filho com paternidade fixada, hipótese consentânea com o presente recurso especial, em que o irmão (ora recorrente) pretende ver declarada a inexistência de parentesco com a irmã e, por conseguinte, anulado o registro de nascimento dela, ao argumento de que elanão seria filha biológica de seu pai, J.M.

É bem de ver que, a depender do caso, deverá se reconhecer o direito à recusa do filho por ser de sua vontade a prevalência na manutenção do vínculo da paternidade socioafetiva, se houver, constituída em detrimento da paternidade de sangue.

Novamente Vanessa Sampaio:


No entanto, quando se busca a desconstituição do vínculo, a aplicação do art. 232 merece ser apreciada com maior cautela, sob pena de não serem consideradas as mudanças propostas pela Constituição, atendendo-se somente aos interesses paternos, em um sentido bastante próximo àquele desenvolvido durante grande parte do século XX, quando ao chefe de família cabia a direção de seu destino, independentemente da vontade dos filhos e da repercussão que tais atitudes poderiam acarretar-lhes. O direito conferido ao pai para o fim de desconstituir a filiação, fixada voluntariamente ou por meio do matrimônio, não pode ser considerado tão forte de modo a afastar a importância que deve ser prestada ao interesse do filho, eis que este será terrivelmente prejudicado pelo afastamento de seu estado jurídico, em uma evidente afronta à proteção constitucional que lhe foi conferida. Assim, é inconcebível que a prole venha a sofrer as consequências negativas pelo exercício de seu próprio direito à integridade física e psíquica - manifestado concretamente nos autos através de sua recusa ao exame de DNA - vez que sua vontade é continuar sendo filho de quem sempre fora, mantendo, portanto, a sua identidade e a sua história.


(SOUZA, Vanessa Ribeiro Corrêa Sampaio. op. cit., p. 150, 155, 163 e 167).

Deveras, a manutenção da família é direito de todos e deve receber respaldo do Judiciário, sendo que, na ótica do filho em questão, o seu âmbito familiar já se encontrava constituído.

Registro que a posição ora explicitada em nada confronta com o precedente firmado por esta Quarta Turma no Resp. 786.312, em que fiquei vencido, pois, é bem de ver, aquela hipótese era bastante diferente da que ora se examina; Naquele caso era a mãe que se recusava a levar o filho menor para exame, havia nos autos prova extrajudicial - consistente em um laudo afastando a paternidade - e inexistia qualquer alegação de socioafetividade.

7. Nessa perspectiva, com base no contexto fático trazido aos autos, é que se irá extrair a melhor exegese quanto à recusa da filha no caso ora em julgamento.

Tenho que, por qualquer ângulo de visão, não pode ocorrer a pretendida presunção diante da omissão da ré, pois esta presunção testilha com os fatos apurados pelas instâncias ordinárias.

Com efeito, conforme estabelecido pela sentença e pelo acórdão recorrido, dessume-seque J.M. sempre foi «pai e mãe» de L.C.A.P.M., foi quem lhe deu amor, cuidado, afeto, abrigou, ensinou, criou, respeitou, recebeu e deu carinho, esperanças e sonhos por mais de vinte anos, restando configurado um tratamento de mão-dupla como pai e filha.

Além disso, verifica-se que J.M. manifestou espontaneamente o desejo de apor seu nome no registro de L.C.A.P.M. na condição de pai, ato de vontade perfeito e acabado, gerando nela uma estado de filiação acobertado pela irrevogabilidade, incondicionalidade e indivisibilidade (art. 1.610 e 1.613 do CC).

Não se pode esquecer que «o reconhecimento espontâneo da paternidade somente pode ser desfeito quando demonstrado vício de consentimento, isto é, para que haja possibilidade de anulação do registro de nascimento de menor cuja paternidade foi reconhecida, é necessária prova robusta no sentido de que o «pai registral». foi de fato, por exemplo, induzido a erro, ou ainda, que tenha sido coagido a tanto» (REsp 1022763/RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 18/12/2008, DJe 03/02/2009), o que, definitivamente, não ocorreu no presente caso.

  • 1.022.763/STJ (Família. Filiação. Criança e Adolescente. Ação negatória de paternidade. Vício de consentimento não comprovado. Prova pericial. Exame de DNA. Indeferimento. Cerceamento de defesa. Ausência. CCB/2002, art. 1.596. CPC, art. 420).


Além do mais, J.M. «lutou» arduamente com a mãe de L.C.A.P.M. pela posse e guarda de sua filha, em diversos litígios, um deles veio a bater às portas do STF, tendo o pai obtido ganho de causa em acórdão assim ementado (fls. 62-94):


Guarda de filha menor atribuída ao pai, a quem foi imposto o ônus de prover, por metade, as despesas da mãe, por ocasião de suas visitas à filha no Brasil. Alegação de afronta ao art. 153, §2º, da C. Federal. Matéria não prequestionada. Outrossim, a medida tomada pela decisão assentou na aferição de elementos de prova, sem negar princípio legal. Recurso extraordinário não conhecido.


(Min. Thompson Flores, 17/4/1979)

O acórdão registra, também, que J.M. desejou amparar financeiramente a recorrida após a sua morte, deixando, na condição de herdeira testamentária, boa parcela de sua parte disponível da herança.

Portanto, J.M. supriu sua filha de todas as necessidades, materiais e emocionais, dando concretude à paternidade responsável almejada pela Carta Magna em seu art. 229, formando a base familiar para que a recorrida viesse a construir sua vida.

Diante desse contexto, a meu juízo parece claro que a recusa, na hipótese, não enseja presunção contraria ao estado de filiação, principalmente por ser necessário, em um juízo de proporcionalidade e razoabilidade na proteção de status personae, ponderar-se a dignidade «compreendida como atributo inalienável da pessoa humana, que não pode dela dispor em suas relações de ordem privada» (SARMENTO, Daniel. op.cit., p. 72).

Deveras, o estado de filiação de L.C.A.P.M. é «direito personalíssimo, indisponível e imprescritível, podendo ser exercido sem qualquer restrição» (art. 27 do ECA).

Como bem assinalado pela doutrina:


Impõe-se, nessa tocada, um aperfeiçoamento dos instrumentos de averiguação e de reconhecimento da filiação, por conta das diretrizes constitucionais, afirmando a primazia dos interesses superiores da pessoa humana, como verdadeiro exercício da cidadania. Isto porque a cidadania, concebida como elemento essencial, concreto e real, para servir de centro nevrálgico das mudanças paradigmáticas da Ciência Jurídica, será a ponte, a ligação com o porvir, com os avanços de todas as naturezas, com as conquistas do homem que se consolidam, permitindo um Direito mais sensível, aberto e poroso aos novos elementos que se descortinem na sociedade. Um Direito mais real, humano e, por conseguinte, justo.


(ROSENVALD, Nelson e FARIAS, Cristiano Chaves de. Direito das famílias. Salvador: Editora Juspodivm, 2013, p. 634).

Em outros termos, não é necessário mais nenhum tipo de exame para que a recorrida descubra a verdade real sobre a sua ascendência, uma vez que essa verdade já existe e está sedimentada em seu coração, na alma de seu falecido pai e é conhecida por todos de seu convívio social.

A próposito, Zeno Veloso é certeiro:


Em suma, paradoxalmente, nas vésperas de um novo milênio, a poderosíssima prova do DNA, em muitos casos, pode não ter importância nenhuma, pode não ter qualquer serventia, pode não interessar coisa alguma, porque a verdade que se busca e se quer revelar e prestigiar, nos aludidos casos, não é a verdade do sangue, mas a verdade que brota exuberante dos sentimentos, dos brados da alma e dos apelos do coração.


(A sacralização do DNA na investigação de paternidade. In: Leite, Eduardo de Oliveira. op.cit., p. 389)

Assim, penso que, no caso ora em julgamento, a recusa da recorrida em se submeter ao exame de DNA foi plenamente justificável pelas circunstâncias constantes dos autos, não havendo qualquer presunção negativa diante de seu comportamento. Isto porque, no conflito entre o interesse patrimonial do recorrente para reconhecimento da verdade biológica e a dignidade da recorrida em preservar sua personalidade - sua intimidade, identidade, seu status jurídico de filha -, bem como em respeito a memória e existência do falecido pai, deverá se dar primazia aos últimos.

8. Ainda que assim não fosse, isto é, mesmo que se tirasse a presunção relativa pela negativa da recorrida em se submeter ao DNA, nenhuma consequencia prática nem jurídica poderia advir daí.

Com efeito, e de maneira mais enfática, caso mesmo o exame de DNA de L.C.A.P.M. tivesse resultado negativo para a paternidade de J.M., não reconhecendo sua descendência biológica, ainda assim não seria possível se rescindir o vínculo jurídico de filiação.

De fato, segundo a moldura fática do caso, o estado de filiação advindo da afetividade deverá prevalecer, uma vez consolidado na convivência familiar.

O STJ sedimentou o entendimento de que «em conformidade com os princípios do Código Civil de 2002 e da Constituição Federal de 1988, o êxito em ação negatória de paternidade depende da demonstração, a um só tempo, da inexistência de origem biológica e também de que não tenha sido constituído o estado de filiação, fortemente marcado pelas relações socioafetivas e edificado na convivência familiar. Vale dizer que a pretensão voltada à impugnação da paternidade não pode prosperar, quando fundada apenas na origem genética, mas em aberto conflito com a paternidade socioafetiva. (REsp 1059214/RS, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 16/02/2012, DJe 12/03/2012).

  • 1.059.214/STJ (Família. Filiação. Ação negatória de paternidade. Exame de DNA negativo. Reconhecimento de paternidade socioafetiva. Improcedência do pedido. Considerações do Min. Luis Felipe Salomão sobre o tema. Precedentes do STJ. Lei 6.015/1973, art. 113. CCB/2002, arts. 167 e 1.601).


Vale dizer que a pretensão voltada à impugnação da paternidade não pode prosperar quando fundada apenas na origem genética, mas em aberto conflito com a paternidade socioafetiva.

Esse é o magistério de Paulo Lôbo:


Em outras palavras, para que possa ser impugnada a paternidade independentemente do tempo de seu exercício, terá o marido da mãe que provar não ser o genitor, no sentido biológico (por exemplo, o resultado de exame de DNA) e, por esta razão, não ter sido constituído o estado de filiação, de natureza socioafetiva; e se foi o próprio declarante perante o registro de nascimento, comprovar que teria agido induzido em erro ou em razão de dolo ou coação.


A Constituição rompeu com os fundamentos da filiação na origem biológica e na legitimidade, quando igualou os filhos de qualquer origem, inclusive os gerados por outros pais. Do mesmo modo, o Código Civil de 2002 girou completamente da legitimidade e de sua presunção, em torno da qual a legislação anterior estabeleceu os requisitos da filiação, para a paternidade de qualquer origem, não a radicando mais e exclusivamente na origem genética. Portanto, a origem genética, por si só, não é suficiente para atribuir ou negar a paternidade, por força da interpretação sistemática do Código Civil e de sua conformidade com a Constituição. (LÔBO, Paulo. Famílias. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 224)

Na mesma linha de entendimento leciona Luiz Edson Fachin (Comentários ao novo código civil, vol. XVIII. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 107-115) e Maria Berenice Dias (Manual de direito das famílias. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006, p. 307).

Também no mesmo sentido é o seguinte precedente da Terceira Turma:


RECONHECIMENTO DE FILIAÇÃO. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE. INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO SANGÜÍNEA ENTRE AS PARTES. IRRELEVÂNCIA DIANTE DO VÍNCULO SÓCIO-AFETIVO.


- Merece reforma o acórdão que, ao julgar embargos de declaração, impõe multa com amparo no art. 538, par. único, CPC se o recurso não apresenta caráter modificativo e se foi interposto com expressa finalidade de prequestionar. Inteligência daSúmula 98, STJ.


- O reconhecimento de paternidade é válido se reflete a existência duradoura do vínculo sócio-afetivo entre pais e filhos. A ausência de vínculo biológico é fato que por si só não revela a falsidade da declaração de vontade consubstanciada no ato do reconhecimento. A relação sócio-afetiva é fato que não pode ser, e não é, desconhecido pelo Direito. Inexistência de nulidade do assento lançado em registro civil.


- O STJ vem dando prioridade ao critério biológico para o reconhecimento da filiação naquelas circunstâncias em que há dissenso familiar, onde a relação sócio-afetiva desapareceu ou nunca existiu. Não se pode impor os deveres de cuidado, de carinho e de sustento a alguém que, não sendo o pai biológico, também não deseja ser pai sócio-afetivo. A contrario sensu, se o afeto persiste de forma que pais e filhos constroem uma relação de mútuo auxílio, respeito e amparo, é acertado desconsiderar o vínculo meramente sanguíneo, para reconhecer a existência de filiação jurídica.


Recurso conhecido e provido.


(REsp 878.941/DF, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 21/08/2007, DJ 17/09/2007, p. 267)

  • 878.941/STJ (Filiação. Família. Reconhecimento de filiação. Ação declaratória de nulidade. Inexistência de relação sangüínea entre as partes. Irrelevância diante do vínculo sócio-afetivo. Considerações da Minª. Nancy Andrighi sobre o tema. CCB/2002, art. 1.596).


Foi exatamente nesse sentido que julgou o acórdão recorrido, ou seja, apesar de repudiar a atitude da filha pela recusa do exame referente ao vínculo genético, negou provimento ao apelo do recorrente por entender comprovada a sólida afetividade para fins de reconhecimento de filiação da recorrida.

Aliás, para se concluir de maneira diversa seria indispensável o reexame do suporte fático-probatório dos autos, o que é vedado pelo teor da Súmula 7/STJ: «A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial».

Nesse sentido é a jurisprudência desta Corte, senão vejamos:


Direito civil e processual civil. Família. Ação de investigação de paternidade post mortem. Exame de DNA. Recusa injustificada. Presunção relativa de paternidade. Provas testemunhal e documental suficientes para formar o convencimento do TJ/SE. Prova emprestada. Pedido deduzido por litisconsorte recorrente. Conversão do julgamento em diligência para produção da prova pericial outrora recusada.


- A declaração de paternidade reafirmada no acórdão impugnado, com base na análise do quadro fático e probatório do processo, notadamente na prova testemunhal e documental, reforçada pela presunção decorrente da negativa de submissão ao exame de DNA, não pode ser desconstituída em sede de recurso especial, porque vedado o reexame dos elementos da prova produzida em sua plenitude no processo, dada a finalidade da modalidade recursal eleita.


- Muito embora a presunção de paternidade que surge da recusa de se submeter ao exame pericial pelo método de DNA não seja absoluta, admitindo, portanto, prova em contrário, subjaz do acórdão recorrido a minudente análise do vasto conjunto probatório, a testificar favoravelmente ao pedido formulado na inicial pelo investigante, e que é suficiente para a procedência do pedido.


- Considerados, além da prova emprestada – recebida na hipótese como documental porquanto oriunda de processo investigatório anterior em que foi devidamente observado o contraditório –, outros elementos fáticos e probatórios condicionantes e formadores do Juízo de convencimento e consequente conclusão do julgado, a apreciação da matéria acarretaria a incursão no campo das provas e fatos do processo, o que atrai o óbice da Súmula 7 do STJ.


- Ainda que fosse possível a análise do pedido deduzido por litisconsorte recorrente, no sentido de converter o julgamento em diligência para a realização da perícia genética que outrora foi recusada injustificadamente, tendo em vista a preclusão consumativa que atinge o recurso especial em sua interposição, certo é que o exame de DNA só pode aproveitar à parte que não deu causa ao obstáculo para sua realização na fase instrutória.


- Se o quadro probatório do processo testifica a paternidade, não há porque retardar ainda mais a entrega da prestação jurisdicional, notadamente em se tratando de direito subjetivo pretendido por pessoa que se viu privada material e afetivamente de ter um pai, ao longo de 66 anos de uma vida, na qual enfrentou toda a sorte de dificuldades inerentes ao ocaso da dignidade humana.


Recurso especial conhecido, mas não provido.


(REsp 1046105/SE, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 01/09/2009, DJe 16/10/2009)

  • 1.046.105/STJ (Família. Filiação. Investigação de paternidade. Post mortem. Exame de DNA. Recusa injustificada. Presunção relativa de paternidade. Provas testemunhal e documental suficientes para formar o convencimento do TJSE. Prova emprestada. Pedido deduzido por litisconsorte recorrente. Conversão do julgamento em diligência para produção da prova pericial outrora recusada. CCB/2002, art. 1.604).


Portando, o exame de DNA em questão serviria, por via transversa, tão somente para investigar a ancestralidade da recorrida, não tendo mais nenhuma utilidade para o caso em apreço.

Ocorre que «o direito de investigação da origem genética é personalíssimo, somente podendo ser exercido diretamente pelo titular, após a aquisição da plena capacidade jurídica, salvo em casos excepcionais reconhecidos judicialmente. Bem por isso, inclusive, o Ministério Público não tem legitimidade para a propositura desta demanda«(ROSENVALD, Nelson e FARIAS, Cristiano Chaves de. op.cit., p. 719).

Com efeito, a causa de pedir na investigação de paternidade é o estado de filiação, sendo que o objeto da tutela na investigação da ascendência genética é assegurar o direito de personalidade da pessoa de tomar conhecimento de sua história por uma necessidade psicológica da investigada.

Ao contrário, a recorrida acabou por demonstrar que não quer ter seu código genético revelado de forma violenta e agressiva, questionando sobre o seu status de filho, que é emanação do seu direito de personalidade, após 50 anos de vida.

Por isso que já destacava o Min. Menezes Direito que «os precedentes da Corte mostram que é necessário, em matéria de direito de família, oferecer temperamento para a admissão da legitimidade ativa de terceiros com o objetivo de anular o assento de nascimento, considerando a realidade dos autos e a necessidade de proteger situações familiares reconhecidas e consolidadas.» (REsp 215.249/MG, Rel. Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, TERCEIRA TURMA, julgado em 03/10/2002, DJ 02/12/2002).

  • 215.249/STJ (Ação de anulação de registro. Legitimação ativa. Precedentes da Corte).


9. Por fim, quanto à violação ao art. 1.593 do CC pela suposta inexistência de previsão legal da socioafetividade como relação de parentesco, está mais que consagrado pela jurisprudência e pela doutrina quanto à sua possibilidade, tendo a Constituição e o Código Civil (mais precisamente o artigo supostamente vulnerado) previsto outras hipóteses de estabelecimento do vínculo parental distintas da vinculação genética.

De fato, «a filiação socioafetiva, que encontra alicerce no art. 227, § 6º, da CF/88, envolve não apenas a adoção, como também «parentescos de outra origem», conforme introduzido pelo art. 1.593 do CC/02, além daqueles decorrentes da consanguinidade oriunda da ordem natural, de modo a contemplar a socioafetividade surgida como elemento de ordem cultural» (REsp 1000356/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 25/05/2010, DJe 07/06/2010).



Nessa ordem de ideias, são os seguintes enunciados das Jornadas de Direito Civil:


103 – Art. 1.593: o Código Civil reconhece, no art. 1.593, outras espécies de parentesco civil além daquele decorrente da adoção, acolhendo, assim, a noção de que há também parentesco civil no vínculo parental proveniente quer das técnicas de reprodução assistida heteróloga relativamente ao pai (ou mãe) que não contribuiu com seu material fecundante, quer da paternidade sócio-afetiva, fundada na posse do estado de filho.


256 - Art. 1.593: A posse do estado de filho (parentalidade socioafetiva) constitui modalidade de parentesco civil.


519 – Art. 1.593: O reconhecimento judicial do vínculo de parentesco em virtude de socioafetividade deve ocorrer a partir da relação entre pai(s) e filho(s), com base na posse do estado de filho, para que produza efeitos pessoais e patrimoniais.

10. Diante do exposto, nego provimento ao recurso especial. ...» (Min. Luis Felipe Salomão).»

Doc. LegJur (140.2604.2000.0000) - Íntegra: Click aqui


Referência(s):
▪ Família (Jurisprudência)
▪ Filiação (Jurisprudência)
▪ Parentesco (Jurisprudência)
▪ Ação declaratória de inexistência de parentesco (v. ▪ Parentesco) (Jurisprudência)
▪ Irmão (v. ▪ Parentesco) (Jurisprudência)
▪ Registro de nascimento (v. ▪ Filiação) (Jurisprudência)
▪ Testamento (Jurisprudência)
▪ Cláusula testamentária (v. ▪ Testamento) (Jurisprudência)
▪ Paternidade (Jurisprudência)
▪ Paternidade socioafetiva (v. ▪ Paternidade) (Jurisprudência)
▪ Exame de DNA (v. ▪ Paternidade) (Jurisprudência)
▪ Dignidade humana (Jurisprudência)
▪  Súmula 301/STJ (Família. Filiação. Investigação de paternidade. Exame DNA. Recusa do suposto pai. Presunção «juris tantum». CPC, arts. 332, 333, II e 334, IV).
▪ CCB/2002, art. 231
▪ CCB/2002, art. 232
▪ CCB/2002, art. 1.593
▪ CCB, art. 332
▪  1.253.504/STJ (Processo civil. Ação de declaração de relação avoenga. Súmula 301/STJ. Litisconsórcio passivo necessário. Citação do avô registral. Edital. Recurso especial provido).
▪  1.059.214/STJ (Família. Filiação. Ação negatória de paternidade. Exame de DNA negativo. Reconhecimento de paternidade socioafetiva. Improcedência do pedido. Precedentes do STJ. Lei 6.015/1973, art. 113. CCB/2002, arts. 167 e 1.601).
▪  1.046.105/STJ (Família. Filiação. Investigação de paternidade. Post mortem. Exame de DNA. Recusa injustificada. Presunção relativa de paternidade. Provas testemunhal e documental suficientes para formar o convencimento do TJSE. Prova emprestada. Pedido deduzido por litisconsorte recorrente. Conversão do julgamento em diligência para produção da prova pericial outrora recusada. CCB/2002, art. 1.604).
▪  1.022.763/STJ (Família. Filiação. Criança e Adolescente. Ação negatória de paternidade. Vício de consentimento não comprovado. Prova pericial. Exame de DNA. Indeferimento. Cerceamento de defesa. Ausência. CCB/2002, art. 1.596. CPC, art. 420).
▪  1.000.356/STJ (Família. Filiação. Adoção a brasileira. Registro público. Ação de anulação de registro de nascimento. Ausência de vício de consentimento. Maternidade socioafetiva. Situação consolidada. Preponderância da preservação da estabilidade familiar. CF/88, art. 227, § 6º. CCB/2002, arts. 1.593 e 1.604. ECA, arts. 39 e 165. CCB, art. 348).
▪  363.889/STF (Família. Filiação. Investigação de paternidade. Paternidade responsável. Parentesco. Recurso extraordinário. Repercussão geral reconhecida. Exame DNA. Legitimidade ativa. Investigação da identidade genética com a finalidade de constituição de parentesco. Repropositura da ação. Coisa julgada. Relatividade. Relativismo. Relativização. Trata-se de investigação de paternidade declarada extinta, com fundamento em coisa julgada, em razão da existência de anterior demanda em que não foi possível a realização de exame de DNA, por ser o autor beneficiário da justiça gratuita e por não ter o Estado providenciado a sua realização. Repropositura da ação. Possibilidade, em respeito à prevalência do direito fundamental à busca da identidade genética do ser, como emanação de seu direito de personalidade. Amplas considerações sobre o tema no corpo do acórdão. Precedentes do STF e STJ. CPC, art. 468, 472 e 543-B. Lei 8.560/1992, art. 1º. e ss. CF/88, arts. 1º, III e 226, § 6º).
▪  878.941/STJ (Filiação. Família. Reconhecimento de filiação. Ação declaratória de nulidade. Inexistência de relação sangüínea entre as partes. Irrelevância diante do vínculo sócio-afetivo. Considerações da Minª. Nancy Andrighi sobre o tema. CCB/2002, art. 1.596).
▪  215.249/STJ (Ação de anulação de registro. Legitimação ativa. Precedentes da Corte).
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