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STJ. 4ª T. Alienação fiduciária. Garantia celebrada entre pessoa jurídica e pessoa natural. Regime jurídico do Código Civil. Busca e apreensão de bem móvel prevista no Dec.-lei 911/1969, com redação dada pela Lei 10.931/2004. Legitimidade ativa. Ilegitimidade ativa ad causam. Considerações do Min. Luis Felipe Salomão sobre a necessidade de registro do contrato de alienação fiduciária no cartório competente, para fins de se processar a busca e apreensão. CCB/2002, art. 1.361, e ss. Lei 4.728/1965, art. 66-B. Dec.-lei 911/1969, art. 8º-A.

Postado por Emilio Sabatovski em 06/02/2014
«... 2. A controvérsia, em princípio, ficaria limitada à questão acerca da necessidade de registro do contrato de alienação fiduciária no cartório competente, para fins de se processar a busca e apreensão de bem móvel, em decorrência do inadimplemento do financiamento.

Não obstante, devolvida a matéria das condições da ação em toda sua profundidade ao conhecimento desta Corte Superior, impende salientar que o caso em julgamento versa sobre cláusula de alienação fiduciária inserta em contrato de compra e venda de bens móveis, celebrado entre pessoa natural e outra jurídica, razão pela qual pretendo abordar a questão sob enfoque diverso, perpassando necessariamente pela análise de dois pontos: (i) legitimidade da recorrente para figurar na qualidade de credor fiduciário; e (ii) legitimidade ativa ad causam para demanda visando à busca e apreensão dos bens.

3. A alienação fiduciária em garantia é contrato acessório mediante o qual:


[...] o devedor (fiduciante) transfere ao credor (fiduciário) a propriedade resolúvel e a posse indireta de coisa móvel, dada como garantia do débito, resolvendo-se a obrigação com o adimplemento, ou seja, com o pagamento da dívida garantida, que implica a devolução do bem. (MILHOMENS, Jônatas; ALVES, Geraldo Magela. Manual prático dos contratos. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2005, p. 101)

É bem de se notar que o instituto visa à garantia fiduciária, a qual consubstancia direito real, cujo escopo reside em dar substrato aos contratos de financiamento, dinamizando o crédito direto ao consumidor e promovendo a circulação de riquezas.

Em verdade, o contrato encarta duas figuras jurídicas distintas: (i) a alienação fiduciária em garantia, que é o instrumento contratual que serve de título para a constituição da propriedade fiduciária; e (ii) a propriedade fiduciária, que consubstancia a garantia real da obrigação assumida pelo alienante (devedor fiduciante) em prol do adquirente (credor fiduciário), o qual se converte em proprietário da coisa até a extinção do pacto principal pelo pagamento total do débito.

Nesse sentido o magistério do Ministro José Carlos Moreira Alves:


[...] os autores que se têm ocupado, em nosso país, com a alienação fiduciária em garantia não fazem, com a necessária nitidez, distinção que é indispensável para o estudo sistemático desse instituto jurídico. Dão eles a impressão de que a alienação fiduciária é nova forma de garantia real. E daí nascem os erros inadmissíveis, pois a alienação fiduciária não é modalidade de garantia real, tal qual não o são o contrato de penhor e o contrato de hipoteca. O penhor e a hipoteca é que são espécies de garantia real. (MOREIRA ALVES, José Carlos. Da alienação fiduciária. São Paulo: Editora Saraiva, 1973, p. 32)

Inicialmente introduzido em nosso ordenamento jurídico pela Lei 4.728/1965, que regula o mercado de capitais, o instituto foi definitivamente delineado, tanto sob o prisma substancial quanto sob o processual, pelo Decreto-Lei 911/1969.

Posteriormente, surgiram, ainda, a Lei 9.514/1997, estendendo-o também aos bens imóveis; o Código Civil de 2002; e a Lei 10.931/2004, que introduziu alterações materiais e instrumentais nos diplomas legais que regulamentam a matéria.

Verifica-se, pois, que a propriedade fiduciária de bens móveis obedece a regime jurídico dúplice: (i) bens móveis infungíveis, quando o credor fiduciário for pessoa natural ou jurídica, encontra-se regulada pelo Código Civil (arts. 1.361 a 1.368); e (ii) a de bens móveis fungíveis e infungíveis, quando o credor fiduciário for instituição financeira, encarta-se nas disposições do art. 66-B da Lei 4.728/1965, acrescentado pela Lei 10.931/2004, e Decreto-Lei 911/1969.

4. De início, no tocante ao objeto da alienação fiduciária, penso ser interessante a distinção entre bens fungíveis e infungíveis, de modo a evitar eventual dúvida quanto ao enquadramento do caso concreto na respectiva lei de regência.

Como se sabe, bens fungíveis são aqueles que podem ser substituídos por outros do mesmo gênero, qualidade e quantidade; enquanto os bens infungíveis são aqueles insuscetíveis de substituição, dada sua individuação e especificidade.

Notadamente, a infungibilidade - diversamente da fungibilidade - pode ser objeto de convenção das partes, que podem, assim, individualizar o bem por ocasião da celebração do contrato de compra e venda - quer pela exteriorização de marcas, sinais ou número de série, quer por alguma outra forma vislumbrada pelo credor -, em cujo interesse se dá a medida.

Em outras palavras, a infungibilidade de um bem é fruto de sua individuação.

Nesse sentido, Sílvio de Salvo Venosa:


A vontade das partes não pode tornar fungíveis coisas infungíveis, por faltar praticidade material. No entanto, a infungibilidade pode resultar de acordo de vontades ou das condições especiais da coisa, à qual, sendo fungível por natureza, se poderá atribuir o caráter de infungível.


[...]


A fungibilidade é qualidade da própria coisa. Haverá situações em que apenas o caso concreto poderá classificar o objeto. Uma garrafa de vinho raro, de determinada vindima, da qual restam pouquíssimos exemplares, será infungível, enquanto o vinho, de maneira geral, é fungível. (VENOSA, Sílvio de Salvo. Código Civil Interpretado. São Paulo: Editora Atlas, 2010, p. 95)

Assim, no caso concreto, a afetação de geladeira, aparelho de TV e fogão a gás - indicados como bens objeto do contrato de compra e venda/alienação fiduciária celebrado entre as partes (fl. 35) -, tem o condão de torná-los bens infungíveis, passíveis de enquadramento, em linha de princípio, tanto no regime jurídico do Código Civil quanto no do Decreto-Lei 911/1969.

5. No que tange à legitimidade para pactuação da alienação fiduciária, verifica-se que, na gênese do instituto, predominava o entendimento de que apenas as instituições financeiras eram autorizadas a receber a propriedade fiduciária de bens móveis corpóreos como garantia, sob o fundamento de que sua introdução no direito pátrio deu-se por meio de lei especial disciplinadora do mercado de capitais (Lei 4.728/1965) .

O Decreto-Lei 911/1969 alterou a redação do art. 66 da referida lei e também instituiu a tutela jurisdicional atinente às relações intersubjetivas decorrentes da criação do novel negócio jurídico, mormente ante o objetivo constante da exposição de motivos, qual seja: «dar maiores garantias às operações feitas pelas financeiras, assegurando o andamento rápido dos processos, sem prejuízo da defesa, em ação própria, dos legítimos interesses dos devedores»

E, consoante lição do renomado Ministro Moreira Alves, o Decreto-Lei 911/1969, «ao disciplinar a ação de busca e apreensão, restringiu de tal forma a defesa do réu que tornou evidente a inaplicabilidade do instituto nas relações entre particulares». uma vez que tais medidas coibitivas do direito de defesa quebrou «[...] o equilíbrio entre os interesses do credor e do devedor, dando-se tal prevalência àquele que, para não se chegar à iniqüidade, facilitando-se, inclusive, a usura, é mister se interprete restritivamente o termo credor utilizado genericamente, no referido Decreto-lei. (MOREIRA ALVES, José Carlos. Op. Cit., p. 101-102).

Nessa linha de entendimento, é forçoso concluir que esse diploma legal preservou como sujeito ativo da alienação fiduciária o credor fiduciário, o qual, segundo o magistério de Cristiano Chaves de Farias:


[...] tratava-se da pessoa jurídica concedente do empréstimo, sendo esta instituição financeira também conhecida como credor, adquirente ou possuidor indireto. Invariavelmente, na forma de sociedade anônima, privada ou de economia mista, autorizada pelo Banco Central, ou administradoras de consórcios regularmente constituídas. (FARIAS, Cristiano Chaves de. Direitos reais. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2009, p. 381)

No mesmo sentido, Márcio Calil de Assumpção:


Exatamente pelos contornos céleres e eficientes do Decreto-Lei 911/69, e diante do entendimento pretoriano no sentido de que a alienação fiduciária poderia gerar desigualdades entre credores e devedores, se aplicada a quaisquer pessoas físicas e/ou jurídicas indiscriminadamente, acabou por ficar essa garantia restringida no âmbito do mercado financeiro e de capitais, mercado esse submetido à fiscalização do Poder Público. (ASSUMPÇÃO, Márcio Calil de. Ação de busca e apreensão; alienação fiduciária. São Paulo: Editora Atlas, 2006, p. 163)

A jurisprudência do Pretório Excelso erigiu-se nesse mesmo sentido:


ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA EM GARANTIA. FIRMOU-SE A JURISPRUDÊNCIA DO S.T.F. NO SENTIDO DE QUE SOMENTE AS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS E OS CONSÓRCIOS AUTORIZADOS DE AUTOMOVEIS É QUE PODEM UTILIZAR-SE DO INSTITUTO DA ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA EM GARANTIA. ADMITE A DOUTRINA QUE AS ENTIDADES ESTATAIS OU PARA-ESTATAIS SÃO IGUALMENTE LEGITIMADAS PARA RECEBER TAL TIPO DE GARANTIA, COMO RESULTA DO ART. 5. DO DECRETO-Lei 911-69. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. (RE 111219, Relator(a): Min. ALDIR PASSARINHO, Segunda Turma, julgado em 10/12/1987, DJ 18-03-1988 PP-05571 EMENT VOL-01494-03 PP-00532)

Nessa linha evolutiva, vale mencionar o precedente do STF, de relatoria do Ministro Thompson Flores, que assentou a possibilidade de os consórcios utilizarem esse negócio jurídico, em virtude da existência de lei específica nesse sentido:


A legitimidade da utilização da alienação fiduciária pelos consórcios advém de imposição normativa constante do art. 7 da Lei 5.768/71, e dos desdobramentos que se lhe seguiram (D.79.951, art. 40- redação dada pelo D. 72.411/73; instruções normativas 31, de 21.08.72 e 55, de 13.09.72, da Secretaria da Receita Federal e Portaria 446 do Ministro da Fazenda).


A garantia real (propriedade fiduciária) decorrente da alienação fiduciária em garantia pode ser utilizada nas operações de consórcio, que se situam no terreno do sistema financeiro nacional, e que se realizam sob fiscalização do Poder Público, da mesma forma como ocorre com as operações celebradas pelas financeiras em sentido estrito. (RE 92736, Relator(a): Min. THOMPSON FLORES, Primeira Turma, julgado em 24/06/1980, DJ 12-08-1980 PP-05789 EMENT VOL-01178-03 PP-01098)

Seguindo a mesma lógica, verifica-se a existência de legislação especial autorizando a pactuação da propriedade fiduciária em outros casos específicos, tais como: o Decreto 62.789/1968, franqueando a contratação da alienação fiduciária em garantia do pagamento de débitos perante a previdência social; a Lei 6.729/1979, permitindo sua utilização pelos consórcios; e a Lei 8.929/1994, admitindo a garantia fiduciária das obrigações oriundas de Cédula de Produto Rural.

Dessarte, até a edição do novo Código Civil, somente as instituições financeiras - em sentido amplo - e as entidades estatais e paraestatais estavam legitimadas à celebração de contrato de alienação fiduciária, sendo certo que apenas as operações previstas especificamente em lei poderiam ser garantidas pela propriedade fiduciária.

Isso porque, consoante cediço, os direitos reais somente podem ser criados por lei, jamais pela vontade das partes.

O Código Civil de 2002 estendeu o campo material de aplicação dessa garantia real às pessoas jurídicas e naturais indistintamente, uma vez que não impôs nenhuma restrição à pessoa do credor, consoante se dessume da leitura atenta dos arts. 1.361 a 1.368.

Cristiano Chaves corrobora esse entendimento:


[...] o art. 1.361 do Código Civil não explicita a natureza do credor em favor do qual o devedor transfere o bem, possibilitando-se, agora, a universalização do modelo do negócio fiduciário, pela extensão da posição de credor às pessoas naturais. (FARIAS, Cristiano Chaves de. Op. Cit., p. 381)

Na mesma linha, o Ministro Cesar Peluso:


Antes da vigência do Código Civil de 2002, grassava na doutrina séria divergência sobre a possibilidade de pessoas jurídicas - ou naturais - que não instituições financeiras, pudessem figurar como credoras fiduciárias. A tendência majoritária era no sentido de reservar o instituto somente às instituições financeiras e entidades equiparadas, como consórcios [...]. Agora não mais. Abre o Código Civil a possibilidade de qualquer credor, pessoa jurídica ou natural, usar a propriedade fiduciária para garantir o adimplemento de obrigações. (Coordenador: Cezar Peluso. Código Civil comentado: doutrina e jurisprudência. São Paulo: Manole, p. 1.404)

6. No caso concreto, não foi anexado o contrato de compra e venda/alienação fiduciária, mas sim o instrumento de confissão de dívida em que reiterado o gravame oriundo da alienação fiduciária e no qual consta como credora a ora recorrente, sem nenhuma menção à figura de outra entidade como agente financiador (fl. 12):


Por este instrumento particular de confissão de dívida, o (a) Senhor (a) Lurdes Taborda, inscrito (a) no CPF/MF sob o número 00000011987006, residente e domiciliado (a) na Rua Palmeiras, 262, Centro, Tucunduva, RS, confessa ser devedor (a) da empresa Lojas Becker Ltda., pessoa jurídica de direito privado, inscrita no CNPJ/MF sob o número 04.415.928/0001-98, com matriz estabelecida na Rua Cel. Jorge Frantz, 535, em Cerro Largo-RS [...]

Some-se a isso que a ora recorrente intentou a presente demanda em nome próprio, pleiteando direito seu, de modo que ressoa inequívoca a inexistência de participação de instituição financeira na operação de financiamento.

Nessa linha de intelecção, à luz dos diplomas legais adrede analisados, forçoso concluir que o caso em julgamento não se encarta na hipótese legal prevista no Decreto-Lei 911/1969, que confere legitimidade apenas às entidades financeiras lato sensu, enquadrando-se, portanto, na hipótese prevista no Código Civil. ...» (Min. Luis Felipe Salomão).

Doc. LegJur (138.4814.5000.0000) - Íntegra: Click aqui


Referência(s):
▪ Alienação fiduciária (Jurisprudência)
▪ Pessoa jurídica (v. ▪ Alienação fiduciária) (Jurisprudência)
▪ Pessoa natural (v. ▪ Alienação fiduciária) (Jurisprudência)
▪ Regime jurídico (v. ▪ Alienação fiduciária) (Jurisprudência)
▪ Busca e apreensão (v. ▪ Alienação fiduciária) (Jurisprudência)
▪ Legitimidade ativa (Jurisprudência)
▪ Ilegitimidade ativa ad causam (v. ▪ Alienação fiduciária) (Jurisprudência)
Lei 10.931/2004 (Legislação)
▪ CCB/2002, art. 1.361, e ss.
Lei 4.728/1965, art. 66-B (Legislação)
Dec.-lei 911/1969, art. 8º-A (Legislação)
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