Jurisprudência em Destaque

STJ. 4ª T. Contrato de compra e venda de safra futura de soja. Contrato que também traz benefício ao agricultor. Ferrugem asiática. Doença que acomete as lavouras de soja do Brasil desde 2001, passível de controle pelo agricultor. Resolução do contrato por onerosidade excessiva. Impossibilidade. Oscilação de preço da «commodity». Previsibilidade no panorama contratual. Teoria da imprevisão. Cláusula rebus sic stantibus. Amplas considerações do Min. Luis Felipe Salomão sobre o tema. CCB/2002, arts. 317 e 478.

Postado por Emilio Sabatovski em 22/10/2013
«... 3. A principal questão controvertida consiste em saber se, em havendo contrato de compra e venda de safra futura de soja, é possível, em decorrência de flutuação no preço do produto, insumos de produção e, ainda, ocorrência de doença «ferrugem asiática» na lavoura, invocar a teoria da imprevisão para discutir alegação de onerosidade excessiva, de modo a permitir a alienação da mercadoria a terceiros.

A sentença consignou:


Contestando a ré, às fls. 52/83, afirma que o mercado da soja é uma commoditie, onde o seu preço é livremente negociado e sua cotação mundial é materializada na bolsa de mercadorias de Chicago. Que não induziu o autor a erro, pois realiza a negociação aberta e transparente, sendo que o preço da soja obedece às regras de livre mercado, influenciado por inúmeros fatores.


Esclarece que é fato corriqueiro a flutuação do preço da soja no mercado, tanto que, em meados de fevereiro/março de 2004 a saca alcançou o valor de R$ 46,00 (quarenta e seis reais), entretanto, em abril de 2005 o preço da saca caiu e estava cotado em R$ 26,00 (vinte e seis reais).


Enfatiza que quando o autor vendeu a soja já tinha conhecimento dos custos dos insumos e, se houve elevação do preço após a contratação, não teve impacto na sua lucratividade. Não há que se falar em enriquecimento ilícito, porque a alta do preço não beneficia a ré, de vez que faz a venda antecipada, ou seja, o hedge.


Argumenta que o contrato não é de adesão e seus parâmetros foram livremente pactuados e quando o autor fechou a negociação sabia que o resultado era positivo e reservava lucro que acha razoável.


[...]


Por fim, assevera que as adversidades climáticas e doenças infecciosas na lavoura são uma invenção do autor e, também, são fatores previsíveis na atividade agrícola. E, o pleito de rescisão do contrato baseado na onerosidade excessiva não atende os requisitos previstos no art. 478 do novo Código Civil. A seguir, pugnou pela improcedência dos pedidos contidos na inicial.


[...]


A lide comporta julgamento antecipado, nos termos do art. 330, I, do Código de Processo Civil, haja vista tratar-se de matéria unicamente de direito.


[...]


Verifica-se que a ação foi ajuizada com base na teoria da imprevisão, para discutir a onerosidade excessiva em contrato de compra e venda de soja.


É oportuno destacar que as teorias da imprevisão e da onerosidade excessivas são mecanismos de inegável importância e de relevante contribuição à garantia do equilíbrio contratual. Todavia, para afastar a força vinculante do contrato, com base nas referidas teorias, nos moldes preconizados no art. 478, do Código Civil Brasileiro, faz-se necessária a demonstração cabal e inequívoca da subsunção da situação in concreto às hipóteses ali previstas, ou seja, que o fato que levou à alegada onerosidade excessiva, seja realmente imprevisível e extraordinária; que tanto o prejuízo de uma parte, quanto à extraordinária vantagem da outra, estejam efetivamente configurados.


De referir que, a simples elevação do preço da soja no mercado, ocorrida entre a data do pacto e a data estabelecida para o cumprimento da obrigação, por si só, não é suficiente para o reconhecimento da ocorrência de fato extraordinário nem imprevisível, visto que a flutuação de preço do produto soja, e negociado na «bolsa», é perfeitamente previsível. Assim, trata-se de contrato de risco para ambas as partes, uma vez que pode o preço do grão no momento do cumprimento da obrigação estar mais alto ou abaixo do fixado, não podendo qualquer das partes se insurgir em relação a isso, alegando prejuízo.


Na verdade, nesta espécie de contrato os riscos são previamente calculados pelos contratantes, principalmente pelo produtor que faz antes orçamento de seus custos de produção e o cálculo do lucro, para firmar o contrato. Assim, não pode reclamar prejuízos advindos do preço de flutuação de mercado.


[...]


Registra-se, também, que não pode confundir prejuízo com menor lucratividade, como se tem no caso ora enfocado, em que o aumento ocorrido na cotação da soja no período compreendido entre a celebração do contrato e a data estabelecida para entrega da obrigação revela, não um prejuízo, mas uma margem de lucro menor do que poderia ter recebido o produtor/autor, se deixasse para comercializar sua produção de soja no momento de melhor preço.


No que tange a onerosidade excessiva sustentada pelo autor, em razão da elevação do preço da soja após pré-fixação de seu preço no contrato questionado, também sem sucesso. Tal situação somente configuraria se tivesse comprovado que vendeu, antecipadamente, a sua produção de soja por preço inferior ao seu custo, bem assim abaixo da cotação de mercado na época, pois «aprecia-se a desproporção das prestações segundo os valores vigentes ao tempo em que foi celebrado o negócio jurídico». Inteligência do § 1º do art. 157, do Código Civil/2002. E, neste aspecto, o autor não fez qualquer referência. Ao contrário, quando firmou o contrato, já detinha condições de arcar com o custo de plantio, tanto que plantou e colheu.


Sendo assim, os fatos alegados na peça inaugural não se subsumem nas premissas estabelecidas no art. 478 do Código Civil Brasileiro, de vez que não restaram demonstrados, de forma efetiva, os pretensos prejuízos por onerosidade excessiva em face da teoria da imprevisibilidade, razão pela qual, a resolução do contrato em questão com base no referido instituto, afigura-se-me, totalmente inviável. (fls. 136-138)

O acórdão recorrido, por seu turno, modificando-a, dispôs:


É de se ter presente que a avença entre vendedor e comprador foi formalizada por intermédio de instrumento redigido em impresso padronizado e elaborado pela compradora, a caracterizar o chamado «contrato de adesão» (f. 25/28), onde restou nele estipulado que os vendedores venderiam á adquirente certa quantidade de soja em grãos, para ser entregue na cidade de Edéia-GO, transportada por conta dos vendedores.


[...]


A leitura das cláusulas do contrato celebrado entre as partes, leva-se a conclusão de que o contrato é de adesão, em que o vendedor, simples produtor rural, aderiu às cláusulas estipuladas pela compradora, grande empresa do ramo.


A segunda conclusão é de que o contrato não é aleatório, pois foi imposta a venda de produto proveniente de safra futura, não havendo, entretanto, sequer uma cláusula que previsse consequências para o caso de não haver produção, ou se a produção fosse em quantidade inferior.


Na verdade, os vendedores ficaram obrigados, não à entrega da produção, mas à entrega de mercadoria, em quantidade estipulada e data certa para a entrega, fixando-se no contrato de adesão o asseguramento das qualidades dos frutos, tal como impostas, e pelas quais somente o vendedor ficou obrigado.


No presente caso, entendo que trata-se de contrato comutativo, de execução diferida, onde a vantagem ou sacrifício de qualquer das partes pode ser avaliada no próprio ato em que o contrato se aperfeiçoou.


Ademais, o fato da possibilidade de haver oscilação no preço do produto, ou do indexador, não muda a situação, para transformar o contrato em aleatório.


Sendo assim, para colocar de uma vez uma pá de cal na questão referente à possibilidade de revisão ou resolução do contrato de compra e venda de produto agrícola entabulado na forma constante dos autos, é que, pelas razões alinhavadas, entendo pela sua possibilidade, devendo julgador, então, perquirir a existência dos pressupostos ensejadores da resolução ou revisão.


Nesta esteira de raciocínio, e entendendo que, embora o produto esteja atrelado a indexador oscilante, podendo, assim, alterar o preço do produto, no momento em que o contrato se aperfeiçoou, não poderiam prever as partes a repentina, inesperada e considerável elevação no preço dos produtos agrícolas, o que provocou uma alteração radical das condições econômicas.


Também é de conhecimento geral, o quanto o produtor rural enfrenta dificuldades para manter sua safra, principalmente em decorrência da política creditícia desfavorável, somado à elevação dos preços dos insumos e o aparecimento em Goiás da chamada «Ferrugem Asiática», onde os produtores tiveram perda significativas.


Em casos tais, pode ser invocada a teoria da imprevisão para manter o equilíbrio entre as partes. Assim, não seria justo o produtor ficar amarrado ao pacto, ante o prejuízo que teria de arcar com o custo de sua produção. Além do mais, cumpre ressaltar, que o contrato deve ter um fim social.


[...]


Destarte, ciente de que o julgador deve estar atento a estes aspectos e baseado no princípio da eqüidade, hei por bem acolher a pretensão do apelante, para que ele não possa sofrer dano de difícil reparação e, principalmente, com o fim precípuo de ver equilibrada a relação contratual. (fls. 192-195)

3.1. A prévia fixação de preço da soja em contrato de compra e venda futura, ainda que com emissão de cédula de produto rural, traz também benefícios ao agricultor, pois fica a salvo de oscilações excessivas de preço, garantindo o lucro e resguardando-se, com considerável segurança, quanto ao cumprimento de despesas referentes aos custos de produção, investimentos ou financiamentos.

Nesse diapasão, vem a calhar as ponderações da eminente Ministra Nancy Adrighi, em seu voto condutor, referente ao REsp. 910.537-GO, em decisão assim ementada:

  • 910.537/STJ (Compra e venda. Direito agrário. Cambial. Contrato de compra e venda de soja. Fechamento futuro do preço, em data a ser escolhida pelo produtor rural. Ausência de abusividade. Emissão de Cédula de Produto Rural - CPR em garantia da operação. Anulação do título, porquanto o adiantamento do preço consubstanciaria requisito fundamental. Reforma da decisão. Reconhecimento da legalidade da CPR. Precedente do STJ. Lei 8.929/1994, art. 9º).



Direito Agrário. Contrato de compra e venda de soja. Fechamento futuro do preço, em data a ser escolhida pelo produtor rural.


Ausência de abusividade. Emissão de Cédula de Produto Rural (CPR) em garantia da operação. Anulação do título, porquanto o adiantamento do preço consubstanciaria requisito fundamental. Reforma da decisão.


Reconhecimento da legalidade da CPR. Precedente.


1 - A Lei 8.929/94 não impõe, como requisito essencial para a emissão de uma Cédula de Produto Rural, o prévio pagamento pela aquisição dos produtos agrícolas nela representados. A emissão desse título pode se dar para financiamento da safra, com o pagamento antecipado do preço, mas também pode ocorrer numa operação de hedge, na qual o agricultor, independentemente do recebimento antecipado do pagamento, pretende apenas se proteger contra os riscos de flutuação de preços no mercado futuro.


2- A Cédula de Produto Rural é um título de crédito e, como tal, é regulada por princípios como o da cartularidade e da literalidade, consubstanciando um título representativo de mercadoria. Para que ela possa desempenhar seu papel de fomento agrícola, é importante que se confira segurança ao negócio, garantindo que, no vencimento da cártula, os produtos por ela representados sejam efetivamente entregues.


3- O pagamento pela safra representada no título pode se dar antecipadamente, parceladamente ou mesmo após a entrega dos produtos. Ele poderá estar disciplinado na própria Cédula de Produto Rural, mediante a inclusão de cláusulas especiais com esse fim, como autoriza o art. 9º da Lei 8.929/94, ou poderá constar de contrato autônomo, em relação ao qual a Cédula de Produto Rural funcionará como mera garantia.


4- Inexiste abusividade na assinatura de promessa de compra e venda envolvendo safra agrícola, com fixação futura de preço. A determinação do preço em data futura não representa condição potestativa na hipótese em que é dado ao agricultor optar pela data na qual a operação será fechada. Referida modalidade de contratação representa importante instrumento à disposição do produtor rural, para planejamento de sua safra, disponibilizando-lhe mecanismos para se precaver contra oscilações excessivas de preço.


Recurso especial conhecido e provido.


(REsp 910537/GO, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 25/05/2010, DJe 07/06/2010)

  • 910.537/STJ (Compra e venda. Direito agrário. Cambial. Contrato de compra e venda de soja. Fechamento futuro do preço, em data a ser escolhida pelo produtor rural. Ausência de abusividade. Emissão de Cédula de Produto Rural - CPR em garantia da operação. Anulação do título, porquanto o adiantamento do preço consubstanciaria requisito fundamental. Reforma da decisão. Reconhecimento da legalidade da CPR. Precedente do STJ. Lei 8.929/1994, art. 9º).


Naquele mencionado precedente, Sua Excelência dispôs:


Contudo, diferentemente do que sustentou o TJ/GO, a variação da média de preços de mercado para uma commodity negociada internacionalmente não pode ser controlada apenas por alguns dos participantes do mercado, ainda que se trate dos principais compradores do produto no mercado nacional. Referido controle só seria possível na hipótese de formação de cartel, cuja ocorrência fora peremptoriamente negada pelo acórdão recorrido (fl. 736).


O motivo é o de que, sendo internacional a cotação de preços do produto, sua variação necessariamente obedecerá às variações mundiais de oferta e demanda. O que influencia tais variações são os mais diversos fatores, como os períodos de supersafra, eventuais pragas que reduzam significativamente a colheita, crises internacionais que inibam o consumo, entre outros. Não raro, a redução singificativa da safra de um país que seja um grande produtor pode impulsionar para cima o preço desse bem em todo o mundo. Já a produção excedente ou a redução mundial do consumo implicará necessariamente a queda geral de preços. Não há, em princípio, um método de controle para essa flutuação. A eventual manutenção de preço baixo pelas principais compradoras nacionais incentivaria a importação direta da commodity pelos produtores, do que decorreria a imediata correção do preço interno.


[...]


Aliás, ao contrário: a possibilidade de redução de colheita, de supersafra, de inibição de consumo e assim por diante produzem uma influência tão forte na variação de preços das commodities que é justamente para mitigar esses riscos que foi criado o sistema de securitização representado pelas Cédulas de Produto Rural (CPR), o que nos leva ao segundo motivo pelo qual o TJ/GO entendeu que se violou o princípio da função social dos contratos.


O acórdão recorrido menciona que «houve a emissão de Cédula de Produto Rural, com cláusula pignoratícia (da colheita futura) e hipotecária (de imóvel rural do recorrente), sem que houvesse o pagamento do preço (contraprestação). Ora, por tratar-se de ato jurídico de graves conseqüências para o produtor rural – que além de não receber apoio financeiro, tem onerado seu patrimônio atual e futuro –, e extremamente benéfico à primeira apelada – que sem despender qualquer soma, obtém um título de crédito relativo à colheita do produtor (...) não há dúvida de que a emissão do referido título decorreu de imposição abusiva da recorrida (...)». Para o TJ/GO, o pagamento do preço pelos produtos relacionados na CPR deve se dar antecipadamente, sendo essa a única forma de esse título servir como instrumento de fomento da produção rural.


Todavia, o pagamento antecipado do preço não é o único meio de fomentar o desenvolvimento do setor agrícola, em benefício da produção. Em julgamento recente (REsp 1.023.083/GO, de minha relatoria, 3ª Turma, julgado em 15/4/2010, ainda não publicado), teci as seguintes considerações acerca do assunto:

  • 1.023.083/STJ (Recurso especial. Agravo regimental no recurso especial. Agravo contra acórdão. Recurso manifestamente incabível. Fungibilidade recursal. Recebimento como embargos de declaração. Inviabilidade. Erro grosseiro. Considerações da Minª. Nancy Andrighi sobre o tema. Precedente do STJ. CPC, arts. 535, 541 e 557, § 1º. Lei 8.038/1990, art. 26).



«O acórdão recorrido determinou a anulação da sentença, com devolução do processo à origem, sob o fundamento de que equivocou-se o ilustre magistrado ao entender que a apelante deve comprovar que pagou pela soja reclamada. Para o TJ/GO, a exigência de adiantamento do numerário para só depois a apelante reclamar a entrega dos grãos seguramente não se coaduna com o propósito do contrato entabulado entre os contendores», à medida que, pelo sistema da CPR, os apelados entregam a mercadoria e, de imediato, recebem o preço respectivo.


O TJ/GO não está isolado na interpretação que deu para o instituto das CPR. Substancial parte da doutrina sustenta que a emissão de tal título de crédito não pressupõe, necessariamente, a antecipação do pagamento pela safra futura. Nesse sentido podem ser citados diversos artigos publicados em revistas especializadas por ARNOLDO WALD («Da desnecessidade de pagamento prévio para a caracterização da Cédula de Produto Rural», in Revista Forense, vol. 374, págs. 3 a 14), HAROLDO MALHEIROS DUCLERC VERÇOSA e NANCY GOMBOSSY DE MELO FRANCO («Crédito e Títulos de Crédito na Economia Moderna: Uma visão focada na Cédula de Produto Rural - CPR», in Revista de Direito Mercantil, vol. 45, nº 141, págs. 96 a 104), RENATO BURANELLO («A Cédula de Produto Rural na Escrituração das Operações Financeiras», in Revista de Direito Mercantil, vol. 45, nº 143, págs. 121 a 126) e IVO WAISBERG («Cédula de Produtor Rural», in Revista de Direito Bancário e do Mercado de Capitais, nº 44, págs. 321 a 334).


Para essa parcela da doutrina, a CPR figuraria como um título mediante o qual o produtor poderia não apenas obter financiamento para o plantio, emitindo o papel contra o pagamento imediato do preço, mas também mitigar seus riscos, negociando, a preço presente, a sua safra no mercado futuro. Nesta segunda hipótese, a CPR funcionaria como um título de securitização, emitido em uma operação de hedge, e o preço não precisa necessariamente ser pago de forma antecipada. A importância do negócio estaria, não no financiamento da safra, mas na diluição, para o produtor, do risco inerente à flutuação de preços na época de colheita. Os defensores dessa idéia sustentam, inclusive, que foi justamente para conferir maior utilidade à CPR, servindo a esses dois propósitos entre outros, que o legislador não teria incluído, na Lei 8.929/94, qualquer dispositivo que imponha, como requisito de validade do título, o pagamento antecipado do preço.


Assiste razão a esta parcela da doutrina e, portanto, está correto o raciocínio desenvolvido pelo TJ/GO. Não é possível, tampouco conveniente, restringir a utilidade da CPR à mera obtenção imediata de financiamento em pecúnia. Se a CPR pode desempenhar um papel maior no fomento ao setor agrícola, não há motivos para que, à mingua de disposições legais que o imponham, restringir a sua aplicação.


Não se pode perder de vista que a CPR é um título de crédito e como tal deve ser tratada. O foco, na análise desse instituto, deve estar voltado aos princípios inerentes a tais títulos, notadamente o da cartularidade e o da literalidade. A CPR deve ser entendida como «um título representativo de mercadoria» (WALD, op. cit., pág. 5), de modo que, em princípio, os produtos por ela abrangidos «ficam proibidos de se tornarem objeto de outros negócios jurídicos» (HAROLDO VERÇOSA, op. cit., pág. 101). Para que a CPR possa desempenhar seu importante papel de fomento, é muito importante que o Poder Judiciário confira segurança ao negócio, garantindo que, no vencimento da cártula, os produtos por ela representados sejam efetivamente entregues. Somente fazendo isso se estará garantindo a segurança do investimento e, consequentemente, colaborando para que o capital privado seja atraído para esse fim. Conforme sustenta HAROLDO VERÇOSA, «a riqueza que a CPR representa é o poder de crédito que gera o contrato de compra e venda antecipada de commodities firmado com uma empresa idônea, conhecida por cumprir 100% (cem por cento) de suas avenças. Isso gera riqueza, criação de capital» (op. loc. cit.)


O pagamento pela safra representada no título pode se dar antecipadamente, parceladamente ou mesmo após a entrega dos produtos. Ele poderá estar disciplinado na própria CPR, mediante a inclusão de cláusulas especiais com esse fim, como autoriza o art. 9º da Lei 8.929/94, ou poderá constar de contrato autônomo, em relação ao qual a CPR funcionará como mera garantia. O importante notar, todavia, é que, como bem observado pelo acórdão recorrido, «a Cédula de Produto Rural, por ser título executivo (...), constitui documento suficiente para aparelhar o feito executório», não sendo imposto ao credor «comprovar que adiantou o pagamento do que está sendo executado». Andou bem o TJ/GO, portanto, ao não reconhecer a exigência de comprovação desse pagamento, pelo credor.». (grifos nossos)


Na hipótese dos autos, pelo que se depreende do acórdão recorrido, o pagamento pelos produtos se daria após a respectiva entrega. Nos termos do precedente citado acima, não há qualquer irregularidade nesse procedimento.

3.2. Ademais, a ferrugem asiática na lavoura não é fato extraordinário e imprevisível, visto que, embora reduza a produtividade, é doença que atinge as plantações de soja no Brasil desde 2001, não havendo perspectiva de erradicação a médio prazo, mas sendo possível seu controle pelo agricultor.

É o que bem esclarece a EMBRAPA, em publicação realizada em agosto de 2004, intitulada «Situação da Ferrugem Asiática da Soja no Brasil e na América do Sul», com o objetivo específico de prestar esclarecimentos a respeito dessa doença que acomete as lavouras de soja:


Nos últimos anos, a ferrugem asiática da soja disseminou-se rapidamente por ampla área de exploração dessa cultura na América do Sul. Devido a essa expansão, têm sido observados acentuados prejuízos técnicos e econômicos, que comprometem, sobremaneira, a rentabilidade dos produtores e a economia dos países onde a soja possui destaque dentro do agronegócio.


Diante desse quadro, foi elaborada essa publicação, que visa fornecer importantes informações sobre a ferrugem asiática, tanto no Brasil como na América do Sul. Nessa perspectiva, são apresentadas estimativas sobre os grandes impactos negativos associados à ferrugem.


[...]


Diante da importância dessa doença, buscou-se, principalmente, levantar e analisar dados que demonstrem a sua situação e os impactos técnicos e econômicos a ela associados, desde a safra 2000/01 até a de 2003/04, tanto no Brasil como na América do Sul.


[...]


Após a primeira constatação no Paraguai e no Estado do Paraná, em 2001, a ferrugem asiática espalhou-se rapidamente por todo o Brasil, o Paraguai, a Bolívia e partes da Argentina. O fungo é disseminado exclusivamente pelo vento, sendo impossível sua contenção, uma vez que exista planta de soja infectada e com esporulação.


[...]


Safra 2000/01


A ferrugem asiática foi identificada pela primeira vez no Continente Americano, em março de 2001, na localidade de Pirapó (Itapuá), Paraguai, pelo pesquisador Engº Agrº Wilfrido Morel Paiva (CRIA, Capitan Miranda, Itapuá). Posteriormente, levantamentos realizados no período de 23 a 28 de maio de 2001, mostraram que a doença estava amplamente disseminada no Paraguai e no oeste e norte do Paraná.


Safra 2001/02


Nessa safra, a ferrugem foi constatada nos estados do RS, do PR, de SP, do MS, de GO, de MG e do MT, atingindo cerca de 60% da área brasileira de soja. Os municípios mais atingidos foram: Passo Fundo, Cruz Alta, Ciríaco (distrito de Cruzaltinha) (RS); Ortigueira, Ponta Grossa, Guarapuava (PR); Chapadão do Sul, Costa rica. São Gabriel D Oeste (MS); Chapadão do Céu, Rio verde, Jataí, Mineiros, Portelândia, Santa Rita do Araguaia (GO); e Alto Taquari, Alto Araguaia, Alto Garças (MT).


[...]


Somente nos municípios de Chapadão do Sul e Costa Rica (MS) e Chapadão do Céu (GO), com cerca de 220.000 ha de soja, houve perdas de 30% da produção (59,3 mil toneladas) ou o equivalente a US$13,00 milhões (US$220,50/t). Em Cruzaltinha (Distrito de Ciriaco) (RS), foi determinada redução de rendimento de 46% (1.383 kg/ha), entre áreas com fungicida (3.015 kg/ha) e sem fungicida (1.632 kg/ha).


Com base em relatos, levantamentos de perdas e comparações com dados de área de produção da CONAB (junho de 2003), no Brasil, a ferrugem causou perdas de grãos estimadas em 569,2 mil toneladas ou o equivalente a US$125,5 milhões (US$220,50/t). Nessa safra, os agricultores estavam totalmente despreparados contra a ferrugem e a maioria das aplicações de fungicidas foi feita tardiamente.


[...]


Safra 2003/04


Essa safra teve como antecedente uma safra (2002/03) com ocorrência severa da ferrugem, causada por uma nova raça de P. pachyrhizi e pela presença contínua de inóculo na entressafra, em lavouras «safrinhas», irrigadas ou não, nos Cerrados (BA, GO, MA, MG, MT, SP e TO). Apesar da presença contínua de inóculo nos Cerrados, o início da safra caracterizou-se por chuvas irregulares e temperaturas elevadas, o que provavelmente, não favoreceu a explosão da ferrugem como seria de se esperar. Além disso, a experiência das perdas na safra anterior deixou os produtores de prontidão e «armados», nas áreas atingidas, para o controle químico. Lavouras e cultivares precoces, semeadas de meados de setembro a início de outubro, irrigadas por pivô central ou sem irrigação (Lucas do Rio Verde, Sorriso, Primavera do Leste, MT), colhidas do início a meados de janeiro, em geral, foram pulverizadas até duas vezes.


[...]


A limitada fonte de resistência genética, associada à variabilidade do fungo e à possível presença contínua de inóculos em sojas «safrinha» ou guaxas na entressafra, no curto e médio prazos, tornam difícil a solução por meio do melhoramento genético. No momento, a forma mais eficiente de controle é químico, porém, seu uso eficaz e econômico depende da observância de alguns pontos principais:


[...]


Considerações finais


A convivência com a ferrugem asiática, sem que ocorram danos significativos a cada safra e custos desnecessários com o controle químico, irá exigir a combinação de várias estratégias, entre as quais destacam-se o desenvolvimento de cultivares resistentes ou mais tolerantes, a rotação de culturas e as eliminações do cultivo de «safrinha» e das plantas guaxas.


[...]


Apesar do grande prejuízo observado nas áreas atingidas pela ferrugem, nota-se que, nas lavouras bem administradas e onde o controle da doença foi eficiente, houve aumento significativo da produtividade, em relação aos anos anteriores à ocorrência da ferrugem. Além de melhorar o manejo da lavoura, com maiores cuidados na adubação, na semeadura e nos demais tratos culturais, o controle da ferrugem está propiciando o controle de outras doenças da parte aérea Essas doenças, quando não controladas, são responsáveis por perdas significativas.


A cada safra, a Embrapa Soja, por meio da internet, está disponibilizando informações instantâneas sobre a ocorrência da ferrugem no Brasil, as metodologias de identificação e os procedimentos para o controle da doença.


[...]


Diversas outras instituições, de vários estados (Bahia, Goiás, Mato Grosso, e outros), estão conectadas ao sistema de alerta e podem ser contatadas para informações atualizadas. Todos os produtores e técnicos devem, constantemente, buscar informações sobre a ferrugem e o modo de controle, junto aos órgãos de pesquisa, cooperativas e órgãos de assistência técnica. (Disponível em: . Acesso em: 26 de fevereiro de 2012)

É digno de realce, ainda, que a publicação também informa que, especialmente em relação a safra 2003/04, a doença em Goiás não chegou a ser tão severa quanto nos anos anteriores, pois «a experiência das perdas na safra anterior deixou os produtores de prontidão e armados, nas áreas atingidas, para o controle químico».

Desse modo, conforme reiterados julgados da Terceira Turma desta Corte, em contratos de compra e venda de safra futura de soja, a ferrugem asiática não acarreta, por si só, onerosidade excessiva, pois não é fato extraordinário e imprevisível, tal qual estabelecido pelo artigo 478 do Código Civil:


Civil. Recurso especial. Ação revisional de contratos de compra e venda de safra futura de soja. Ocorrência de praga na lavoura, conhecida como ferrugem asiática. Onerosidade excessiva. Pedido formulado no sentido de se obter complementação do preço da saca de soja, de acordo com a cotação do produto em bolsa que se verificou no dia do vencimento dos contratos. Impossibilidade.


[...]


- Ademais, nos termos de precedentes do STJ, a ocorrência de ferrugem asiática não é fato extraordinário e imprevisível conforme exigido pelo art. 478 do CC/02.


Recurso especial ao qual se nega provimento.


(REsp 977.007/GO, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 24/11/2009, DJe 02/12/2009)

  • 977.007/STJ (Civil. Recurso especial. Ação revisional de contratos de compra e venda de safra futura de soja. Ocorrência de praga na lavoura, conhecida como ferrugem asiática. Onerosidade excessiva. Pedido formulado no sentido de se obter complementação do preço da saca de soja, de acordo com a cotação do produto em bolsa que se verificou no dia do vencimento dos contratos. Impossibilidade).



Civil. Recurso especial. Ação revisional de contratos de compra e venda de safra futura de soja. Ocorrência de praga na lavoura, conhecida como ferrugem asiática. Onerosidade excessiva. Pedido formulado no sentido de se obter complementação do preço da saca de soja, de acordo com a cotação do produto em bolsa que se verificou no dia do vencimento dos contratos. Impossibilidade. Direito Agrário. Contrato de compra e venda de soja. Fechamento futuro do preço, em data a ser escolhida pelo produtor rural. Ausência de abusividade. Emissão de Cédula de Produto Rural (CPR) em garantia da operação. Anulação do título, porquanto o adiantamento do preço consubstanciaria requisito fundamental. Reforma da decisão.


Reconhecimento da legalidade da CPR. Precedentes.


- Nos termos de precedentes do STJ, a ocorrência de ferrugem asiática não é fato extraordinário e imprevisível conforme exigido pelo art. 478 do CC/02.


[...]


Recurso especial conhecido e provido.


(REsp 858.785/GO, Rel. Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS, Rel. p/ Acórdão Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 08/06/2010, DJe 03/08/2010)

  • 858.785/STJ (Civil. Recurso especial. Ação revisional de contratos de compra e venda de safra futura de soja. Ocorrência de praga na lavoura, conhecida como ferrugem asiática. Onerosidade excessiva. Pedido formulado no sentido de se obter complementação do preço da saca de soja, de acordo com a cotação do produto em bolsa que se verificou no dia do vencimento dos contratos. Impossibilidade).


3.3. Nessa esteira, para ensejar a aplicação da teoria da imprevisão - a qual, de regra, possui o condão de extinguir ou reformular o contrato por onerosidade excessiva - é imprescindível a existência, ainda que implícita, da cláusula rebus sic stantibus, que permite a inexecução de contrato comutativo - de trato sucessivo ou de execução diferida -, se as bases fáticas sobre as quais se ergueu a avença alterarem-se, posteriormente, em razão de acontecimentos extraordinários, desconexos com os riscos ínsitos à prestação subjacente.

Tais características, como se percebe da transcrição do acórdão recorrido, não se verificam na hipótese ora examinada.

O produto vendido pelo autor - soja -, cuja entrega foi diferida a um curto espaço de tempo, possui cotação em bolsa de valores e a flutuação do preço , até mesmo diária, é inerente ao negócio jurídico entabulado, envolvendo «commodity, que é sujeito à cotação internacional.

Com efeito, nesse particular, a variação do preço da saca da soja ocorrida após a celebração do contrato não se consubstancia acontecimento extraordinário e imprevisível, inapto, portanto, à revisão da obrigação, com fundamento em alteração das bases contratuais.

Desse modo, a título de reforço de argumentação, caso a cotação da soja estivesse, na mesma proporção, em patamar inferior ao negociado, o que era igualmente previsível quando da pactuação, também não caberia à ré a alegação de desequilíbrio material do contrato

Vale transcrição, quanto ao ponto, do magistério de Caio Mário da Silva Pereira, para quem «nunca haverá lugar para a aplicação da teoria da imprevisão naqueles casos em que a onerosidade excessiva provém da álea normal e não do acontecimento imprevisto, como ainda nos contratos aleatórios, em que o ganho e a perda não podem estar sujeitos a um gabarito determinado» (Instituições de direito civil. 11 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003, v. III, p. 167).

Nesse diapasão, a respeito do artigo 478 do Código Civil, dispositivo tido por violado, leciona Nelson Rosenvald, com propriedade, que a resolução contratual pela onerosidade excessiva reclama a superveniência de evento extraordinário, que não era possível às partes antever, não sendo suficiente alterações que se inserem nos riscos ordinários das partes:


A resolução contratual pela onerosidade excessiva requer a coexistência de três pressupostos:


a) Estipulação de um contrato de duração. Trata-se de contrato de execução continuada ou diferida no tempo. Na execução sucessiva as prestações se fracionam em periodicidade regular (v.g., arrendamento mercantil, empreitada, promessa de compra e venda).


[...]


b) Superveniência de acontecimento extraordinário que gere onerosidade excessiva para uma das partes. O contrato iniciou com respeito ao sinalagma genético, porém uma situação de desequilíbrio econômico irrompeu, transformando drasticamente o panorama contratual.


Perceba-se que não se trata de pequenas alterações - que já se inserem nos riscos ordinários das partes - afinal em toda relação obrigacional pequenas perdas são naturais e se inserem na álea ordinária das partes. O fundamental é que o fato superveniente remeta um dos contratantes ao chamado limite do sacrifício, que corresponde a um brutal rompimento da equivalência originária do pacto.


[...]


c) O acontecimento extraordinário será qualificado por sua imprevisibilidade. A teoria da imprevisão é de cunho subjetivo, na medida em que a admissão da resolução contratual é condicionada à demonstração de que ao tempo da contratação havia total impossibilidade de as partes anteverem o evento extraordinário que conduziria uma delas à onerosidade excessiva, frustrando a justa expectativa no êxito do programa contratual.


[...]


Porém, o artigo em comento vai além da teoria da imprevisão. Para a resolução contratual exige-se que o fato superveniente acarrete não só enorme desvantagem para uma das partes como ainda extrema vantagem para a outra. A inclusão desse conceito jurídico indeterminado dificulta a aplicação do modelo jurídico, pois não é raro que a desgraça de uma das partes não corresponda ao enriquecimento injustificado da outra. (PELUSO, Cezar (Org.). Código Civil Comentado. 4 ed. Barueri: Manole, 2010, p.s 538-539)

A respeito do mesmo dispositivo também vem a calhar o enunciado 366 da IV Jornada de Direito Civil promovido pelo Conselho da Justiça Federal, a respeito do qual anota Flávio Tartuce:


A primeira tem relação com o Enunciado 366 do CJF/STJ prevendo que «o fato extraordinário e imprevisível causador da onerosidade excessiva é aquele que não está coberto objetivamente pelos riscos próprios da contratação». Segundo o autor do enunciado, o advogado e professor Paulo Roque khouri: «O regime da onerosidade excessiva superveniente não pode ser acionado diante de uma simples oscilação econômica para mais ou para menso do valor da prestação. Essa oscilação encontra-se coberta pelos riscos próprios da contratação compreendida pelos riscos próprios do contrato». (TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p. 536)

Por outro lado, não se verifica nem sequer a onerosidade excessiva alegada pelo autor, pois a venda antecipada da soja garante a aferição de lucros razoáveis, previamente identificáveis, tornando o contrato infenso a quedas abruptas no preço do produto.

Em realidade, não se pode falar em onerosidade excessiva, tampouco em prejuízo para o vendedor, mas tão somente em percepção de lucro aquém daquele que teria, caso a venda viesse a se aperfeiçoar em momento futuro:


DIREITO CIVIL E COMERCIAL. COMPRA DE SAFRA FUTURA DE SOJA. ELEVAÇÃO DO PREÇO DO PRODUTO. TEORIA DA IMPREVISÃO. INAPLICABILIDADE. ONEROSIDADE EXCESSIVA. INOCORRÊNCIA.


1. A cláusula rebus sic stantibus permite a inexecução de contrato comutativo - de trato sucessivo ou de execução diferida - se as bases fáticas sobre as quais se ergueu a avença alterarem-se, posteriormente, em razão de acontecimentos extraordinários, desconexos com os riscos ínsitos à prestação subjacente.


2. Nesse passo, em regra, é inaplicável a contrato de compra futura de soja a teoria da imprevisão, porquanto o produto vendido, cuja entrega foi diferida a um curto espaço de tempo, possui cotação em bolsa de valores e a flutuação diária do preço é inerente ao negócio entabulado.


3. A variação do preço da saca da soja ocorrida após a celebração do contrato não se consubstancia acontecimento extraordinário e imprevisível, inapto, portanto, à revisão da obrigação com fundamento em alteração das bases contratuais.


4. Ademais, a venda antecipada da soja garante a aferição de lucros razoáveis, previamente identificáveis, tornando o contrato infenso a quedas abruptas no preço do produto. Em realidade, não se pode falar em onerosidade excessiva, tampouco em prejuízo para o vendedor, mas tão-somente em percepção de um lucro aquém daquele que teria, caso a venda se aperfeiçoasse em momento futuro.


5. Recurso especial conhecido e provido.


(REsp 849.228/GO, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 03/08/2010, DJe 12/08/2010)

  • 849.228/STJ (Direito civil e comercial. Compra de safra futura de soja. Elevação do preço do produto. Teoria da imprevisão. Inaplicabilidade. Onerosidade excessiva. Inocorrência).



Civil. Recurso especial. Ação revisional de contratos de compra e venda de safra futura de soja. Ocorrência de praga na lavoura, conhecida como ferrugem asiática. Onerosidade excessiva. Pedido formulado no sentido de se obter complementação do preço da saca de soja, de acordo com a cotação do produto em bolsa que se verificou no dia do vencimento dos contratos. Impossibilidade.


- A soja é uma commodity, ou seja, um bem básico com qualidades uniformes. É natural que tal produto seja comercializado a prazo diferido, pois no ato da contratação, o agricultor é motivado pela expectativa de alta produtividade do setor, o que, em tese, conduz à queda dos preços; e, em contrapartida, ele sabe da possibilidade de alta na cotação do dólar, circunstância que é absolutamente previsível neste ramo e leva à alta do valor da saca. Em suma, trata-se de um contrato cuja finalidade econômica é minimizar o risco de prejuízo das partes, tendo como contrapeso um estreitamento das margens de lucro.


- Apesar de tais expectativas de natureza subjetiva, em essência tal contrato é comutativo, nos termos dos precedentes do STJ. A negociação é influenciada pelas leituras que as partes fazem acerca dos riscos futuros, mas as prestações são certas. Assim, o fundamento para a constatação, ainda que em tese, da ocorrência de onerosidade excessiva deve estar fundado na alteração inaceitável da comutatividade e não na quebra das expectativas pré-contratuais meramente subjetivas. As prestações são sempre definidas pelo exercício da autonomia de vontade das partes, de modo que a álea a considerar é aquela baseada nos limites aceitáveis do equilíbrio contratual e não nas valorações de interesses precedentes à contratação.


- Não obstante a literalidade do art. 478 do CC/02 - que indica apenas a possibilidade de rescisão contratual - é possível reconhecer onerosidade excessiva também para revisar a avença, como determina o CDC, desde que respeitados, obviamente, os requisitos específicos estipulados na Lei civil. Há que se dar valor ao princípio da conservação dos negócios jurídicos que foi expressamente adotado em diversos outros dispositivos do CC/02, como no parágrafo único do art. 157 e no art. 170.


- Na presente hipótese, porém, mesmo admitida a revisão, o pedido formulado não guarda qualquer relação com a ocorrência de onerosidade excessiva. O recorrente não pretende retomar o equilíbrio das prestações, mas transformar o contrato de compra e venda futura em um contrato à vista e com isso suprir eventuais discrepâncias entre suas expectativas subjetivas e o resultado apresentado em termos de lucratividade.


- Ademais, nos termos de precedentes do STJ, a ocorrência de ferrugem asiática não é fato extraordinário e imprevisível conforme exigido pelo art. 478 do CC/02.


Recurso especial ao qual se nega provimento.


(REsp 977.007/GO, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 24/11/2009, DJe 02/12/2009)

  • 977.007/STJ (Civil. Recurso especial. Ação revisional de contratos de compra e venda de safra futura de soja. Ocorrência de praga na lavoura, conhecida como ferrugem asiática. Onerosidade excessiva. Pedido formulado no sentido de se obter complementação do preço da saca de soja, de acordo com a cotação do produto em bolsa que se verificou no dia do vencimento dos contratos. Impossibilidade).



AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL - SUSTENTAÇÃO ORAL EM SEDE DE AGRAVO INTERNO - AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL - CONTRATO DE COMPRA E VENDA DE SOJA - ENTREGA FUTURA - PREÇO PRÉ-FIXADO - OSCILAÇÃO DO PREÇO DE MERCADO - COTAÇÃO DO DÓLAR - FATO IMPREVISÍVEL OU EXTRAORDINÁRIO - NULIDADE CONTRATUAL - INADMISSIBILIDADE - PRECEDENTES - RECURSO IMPROVIDO.


[...]


3. Segundo entendimento desta eg. Corte, o contrato de safra de grãos é de risco e a oscilação do valor do produto no mercado não pode ser considerado fato imprevisível ou extraordinário.


4. Recurso improvido.


(AgRg no REsp 775.124/GO, Rel. Ministro MASSAMI UYEDA, TERCEIRA TURMA, julgado em 01/06/2010, DJe 18/06/2010)


CIVIL E PROCESSO CIVIL. COMPRA DE SAFRA FUTURA DE SOJA. CIRCUNSTÂNCIAS DO CASO CONCRETO. CONTRATO ALEGADO COMUTATIVO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. ACÓRDÃO IMPROCEDENTE.


[...]


IV - No caso concreto, os autores buscam a resolução do contrato por onerosidade excessiva e não pelo inadimplemento de alguma contraprestação a que se obrigou a parte contrária. Dessa forma, a expressão interpelação judicial» contida no artigo 474 do Código de Processo Civil deve ser compreendida como a própria propositura da ação judicial, não havendo sentido exigir uma interpelação judicial prévia (procedimento de jurisdição voluntária) para a constituição de uma mora que não se verificou. Incidência da Súmula 284/STF.


V - «A compra e venda de safra futura, a preço certo, obriga as partes se o fato que alterou o valor do produto agrícola (sua cotação no mercado internacional) não era imprevisível.» (REsp 722130/GO, Rel. Ministro ARI PARGENDLER, TERCEIRA TURMA, DJ 20/02/2006);


VI - Recurso Especial provido, cancelada a imposição da multa do artigo 538 do Código de Processo Civil.


(REsp 835.498/GO, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em 18/05/2010, DJe 01/06/2010)

  • 835.498/STJ (Civil e processo civil. Compra de safra futura de soja. Circunstâncias do caso concreto. Contrato alegado comutativo. Recurso especial provido. Acórdão improcedente).



CIVIL E PROCESSUAL. SOJA. COMPRA E VENDA FUTURA. VALOR PREVIAMENTE ESTABELECIDO. AÇÃO DE RESCISÃO CONTRATUAL. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. VIOLAÇÃO AO ART. 535 DO CPC. INOCORRÊNCIA. VARIAÇÃO PARA MAIOR DO PREÇO DE MERCADO DO GRÃO. IRRELEVÂNCIA. ONEROSIDADE EXCESSIVA OU DESEQUILÍBRIO NAS CLÁUSULAS. INEXISTÊNCIA.


[...]


II. A variação da cotação do preço de mercado da soja não tem efeito sobre o contrato de compra e venda anteriormente firmado, para entrega futura do produto, pois ausentes a onerosidade excessiva ou cláusulas desproporcionais.


III. Precedentes das Turmas da Seção de Direito Privado do STJ.


IV. Recurso especial conhecido em parte e, nessa extensão, provido.


(REsp 679.135/GO, Rel. Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, QUARTA TURMA, julgado em 15/12/2009, DJe 08/02/2010)

  • 679.135/STJ (Agravo regimental. Impugnação parcial dos fundamentos da decisão agravada. Súmulas 182/STJ e 283/STF).



CIVIL. CONTRATO. VENDA. SAFRA FUTURA. SOJA. COTAÇÃO. MUDANÇA. ALTERAÇÃO E RESOLUÇÃO DA AVENÇA. IMPOSSIBILIDADE. ONEROSIDADE OU VANTAGEM EXCESSIVA NÃO COMPROVADAS. SÚMULA 7/STJ. DISSÍDIO PRETORIANO. DEFICIÊNCIA.


1 - A venda de safra futura, a preço certo, há de ser cumprida pelas partes contratantes. Alterações previsíveis na cotação do produto (soja) não rendem ensejo à modificação da avença ou à sua resolução.


Precedentes deste Tribunal.


[...]


4 - Agravo regimental desprovido.


(AgRg no Ag 1132522/MT, Rel. Ministro FERNANDO GONÇALVES, QUARTA TURMA, julgado em 20/10/2009, DJe 09/11/2009)


AGRAVO REGIMENTAL. COMPRA E VENDA. SOJA. PREÇO FIXO. ENTREGA FUTURA. ONEROSIDADE EXCESSIVA. BOA-FÉ OBJETIVA.


- «Nos contratos agrícolas de venda para entrega futura, o risco é inerente ao negócio. Nele não se cogita em imprevisão» (REsp 783.520/HUMBERTO).


(AgRg no REsp 884.066/GO, Rel. Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS, TERCEIRA TURMA, julgado em 06/12/2007, DJ 18/12/2007, p. 270)

Fica límpido que o entendimento perfilhado pela Corte de origem de que as partes não poderiam prever a alteração do preço da saca da soja que, segundo exposto na inicial, veio a ser negociada ao valor unitário de US$ 10,24 (dez dólares americanos e vinte e quatro centavos), mas acabou atingindo a cotação de US$ 16,00 (dezesseis doláres americanos), o que justificaria o desequilíbrio contratual a permitir a invocação da teoria da imprevisão, é contrário à remansosa jurisprudência desta Corte.

Com efeito, o reconhecimento da violação ao artigo 478 do Código Civil se impõe, sendo necessário o restabelecimento do decidido na sentença, conservando o negócio jurídico firmado pelas partes, visto que ressai límpida a sua higidez.

4. Diante do exposto, dou parcial provimento ao recurso especial para julgar improcedentes os pedidos formulados na inicial, restabelecendo a sentença em todos os seus consectários, inclusive os ônus sucumbenciais. ...» (Min. Luis Felipe Salomão).»

Doc. LegJur (137.0451.3000.2200) - Íntegra: Click aqui


Referência(s):
▪ Compra e venda (v. ▪ Soja) (Jurisprudência)
▪ Contrato de compra e venda (Jurisprudência)
▪ Safra futura (v. ▪ Soja) (Jurisprudência)
▪ Safra futura de soja (v. ▪ Soja) (Jurisprudência)
▪ Agricultor (v. ▪ Safra futura) (Jurisprudência)
▪ Ferrugem asiática (v. ▪ Soja) (Jurisprudência)
▪ Onerosidade excessiva (v. ▪ Safra futura) (Jurisprudência)
▪ Oscilação de preço da «commodity» (v. ▪ Soja) (Jurisprudência)
▪ Teoria da imprevisão (Jurisprudência)
▪ Cláusula rebus sic statibus (Jurisprudência)
▪ CCB/2002, art. 317
▪ CCB/2002, art. 478
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