Jurisprudência em Destaque

TJRJ. 15ª Ccív. Responsabilidade civil. Dano moral. Consumidor. Ação indenizatória. Apelante que teve negado contrato de financiamento com base em restrição cadastral interna do banco, ora segundo apelado. Dívida decorrente de relação jurídica inexistente e que foi cedida ao ora primeiro apelado. Apelante que teve frustrada sua legítima expectativa de acesso ao crédito. Verba fixada em R$ 2.000,00. Considerações do Des. Fernando Cerqueira Chagas sobre o tema. CF/88, art. 5º, V e X. CCB/2002, arts. 186 e 927.

Postado por Emilio Sabatovski em 02/09/2013
«... Não há dúvida quanto à inexistência da relação jurídica entre as partes, conforme decidido pelo magistrado de primeiro grau, tanto que os réus não se insurgiram em face do decisum restando incontroversa a falha na prestação do serviço decorrente do fortuito interno.

Cinge-se a questão trazida a exame no presente apelo em analisar se a conduta do primeiro réu, ora segundo apelado, em não conceder o financiamento pleiteado pela autora, ora apelante, com base em restrições cadastrais internas originadas em dívida decorrente de relação contratual inexistente reclama indenização.

Norteadoras são as valiosas as palavras de Antônio Jeová Santos:


«Já que o espírito que conduziu o legislador à entrega do Código Civil de 2002 foi romper com o individualismo predominante nos fins do século XIX e grande parte do século XX, nada como atribuir ao contrato a sua verdadeira feição que é condicionar a liberdade de contratar à sua função social.


Até por coerência com este postulado, o contrato deve ser encarado como um elemento de circulação de riqueza e de prosperidade, mas que essa riqueza e prosperidade não sejam atingidas com o menosprezo da dignidade humana, espoliando a pessoa natural em todos os passos da contratação que, em si mesmo, são todos os passos da vida em comunidade». (in: Função Social do Contrato, 2ª ed., Editora Método, fl. 102).

As relações contratuais se desenvolveram apoiadas na autonomia da vontade absoluta e onipotente donde não se cansava de repetir, como um verdadeiro mantra, que o contrato faz lei entre as partes, ou seja, era a lei privada.

Ocorre que a medida em que as relações sociais foram se aperfeiçoando e se sofisticando diante dos avanços tecnológicos, sociais e industriais, o sistema econômico foi ganhando contornos e musculatura que alçaram sociedades empresárias a terem cada vez mais maior poder econômico em relação aos trabalhadores, que posteriormente foram travestidos de consumidores, potenciais geradores de lucro.

Diante dessa nova realidade social, novas necessidades surgiram ou foram criadas e com elas novos contratos destinados a satisfazê-las também nasceram (ex. contratos firmados pela rede mundial de computadores), revelando-se necessária e pertinente a adequação das normas legais e uma nova reflexão do pensamento jurídico sobre essa nova realidade, seus pilares e suas consequências sobre o destinatário do sistema jurídico, ou seja, o homem.

É como explicita Roscoe Pound:


«os juristas começaram a pensar nas necessidades, desejos ou expectativas humanas mais que nas vontades dos homens; a acreditar no que eles tinham a fazer, que não era simplesmente igualar ou harmonizar as vontades, mas a satisfação das necessidades; que tinham que sopesar ou equilibrar e conciliar as demandas ou necessidades, desejos ou expectativas, como até então haviam equilibrado ou conciliado as vontades; começaram a pensar na finalidade do direito, não como um máximo de possibilidades de assegurar seus direitos, mas com o máximo de satisfação das necessidades. Daí que, durante certo tempo, pensaram nos assuntos de ética, de teoria do direito e de política, como problemas principalmente de valoração, como o de encontrar os critérios do valor relativo aos interesses.». (in Introducción a la filosofía del derecho. Buenos Aires: TEA, 1972. P. 61-62).

Em sintonia com os novos tempos, o Código Civil de 2002 rompeu com o individualismo ainda bastante influente no Codex de 1916, passando a informar as relações contratuais como princípio fundamental e da sociabilidade, ao lado da eticidade e da operabilidade. Não se pode esquecer de mencionar que o CDC, inspirado por essa nova realidade, já havia trazido para o edifício normativo pátrio essa nova concepção.

Iluminadas são as palavras de Antonio Jeová Santos sobre o tema:


«A verdade é que o direito dos contratos tende a se humanizar e a se socializar, seja no que tange aos contratos mais modestos e frequentes, seja ainda na imensa oferta especulativa em que o comércio e a indústria se enfrentam com as poderosas coalizões, amálgamas, holdings, trusts, cartéis, empresas multinacionais ou transnacionais.


A transformação que sofre o contrato é a que se concretiza com a realidade da tendência de socialização, vale dizer, a ter um aspecto social, no sentido de que os direitos e os deveres devem ser exercidos funcionalmente, sem desviarem-se dos fins econômicos, dos fins éticos e dos fins sociais que o ordenamento legal tem em conta. O direito contratual sofre uma modificação que tende a fustigar os atos de exploração e de iniquidade; os atos que sejam abusivos e anti funcionais, são as palavras flamejantes de Spota.


(…) a função social do contrato obriga a todos do mundo jurídico a harmonizar o direito com a vontade de lucrar muito e mais como é próprio do sistema capitalista. Além de enxergar o contrato como instrumento jurídico, terá de observar que ele tem forte conteúdo de justiça e de utilidade.


Junto a esta consideração jurídica, de cariz estritamente de direito privado, o caráter social do contrato deve predominar sobre o individual. O contrato deixa de ser considerado um tema particular, interessante somente para as partes contratantes. Na vida econômica e social, o contrato não afeta somente interesses dos que nele intervêm, mas se transforma numa instituição social. (…)


Santos Briz expõe sobre a finalidade da função social que é a busca intermitente da proteção da parte débil em relação ao contratante mais poderoso.».(in Função Social do Contrato – Lesão e Imprevisão no CC/2002 e no CDC. 2ª ed. – São Paulo: Ed. Método, 2004, pp 116/117 e 126/127).

Na realidade, tanto a propriedade quanto o contrato, inicialmente se manifestaram com pesado cunho individualista e absolutista. Avançando a humanidade, o estudo e a própria experiência empírica demonstraram que os dois sobreditos institutos jurídicos foram formados para que o homem satisfaça uma necessidade econômica, de recreação ou de bem-estar, possuindo estreita conexão com os direitos fundamentais do homem.

Não por outra razão que Duguit sustentava que:


«a propriedade não tem uma função social; a sociedade é, por ela mesma, a função social. Na evolução do direito privado, é observada a substituição dos direitos individuais por deveres para com a sociedade, que são «funções». para com ela. (…)


Todo indivíduo tem a obrigação de cumprir na sociedade uma certa função em razão direta do lugar que nela ocupa. O possuidor da riqueza, pelo só fato da riqueza, pode executar um certo trabalho que só ele pode realizar. Só ele pode aumentar a riqueza geral fazendo valer o capital que possui. A propriedade não é, pois, o direito subjetivo do proprietário; é a função social do possuidor da riqueza. Mais adiante, Duguit faz afirmação que recebeu várias objeções. Diz ele que «o direito positivo não protege o pretenso direito subjetivo do proprietário; garante, porém, a liberdade do possuidor de uma riqueza para cumprir a função social que lhe incumbe pelo fato mesmo desta posse, e por isso é que eu posso dizer que a propriedade se socializa». (Idem. p. 121).

É sob essa perspectiva que se verifica a ocorrência, no caso presente, do ilícito a ser indenizado uma vez que, inexistente a relação contratual que teria dado causa à restrição cadastral, ainda que esta tenha sido apenas internamente anotada pelo segundo apelado, não sendo encaminhada para os bancos cadastrais de amplo acesso (SPC e SERASA), é fato que a apelante teve frustrada sua legítima expectativa de acesso ao crédito.

Se é certo que a instituição financeira não está imediatamente obrigada a contratar com todos que a buscam com a finalidade de financiar necessidades e sonhos, posto que não podem ser afastadas as avaliações de risco, de capacidade de pagamento e do bom nome dos pretensos tomadores de empréstimo, não se pode olvidar que os tempos atuais não mais agasalham rígidos postulados de cunho eminentemente individualista que desconectam os contratos de sua função social.

O que efetivamente se está resguardando é a função social do contrato como instrumento de acesso ao crédito daquele que não o tem imediatamente materializado em papel-moeda, ou o que o valha.

O segundo apelado, detentor do capital, em razão de falhas internas, portanto agindo com culpa, negou abusivamente, o crédito pretendido pela autora, ora apelante, partindo de premissa inverídica, qual seja, a existência de empréstimo inadimplido contraído consigo pela autora, ora recorrente, frustrando a lídima expectativa da consumidora apelante em contrair uma obrigação e de ter acesso ao crédito por ela almejado.

Do eventual conflito entre o exercício do direito da instituição financeira de conceder crédito a quem desejar e o do direito do consumidor de ter acesso ao capital é que se investiga a ocorrência do abuso, que consiste exatamente em encobrir a aparência do exercício regular de um direito. O abuso de direito apresenta-se quando o seu titular exerce os poderes que lhe foram outorgados pelo ordenamento jurídico - direito subjetivo - para ultrapassar os limites da satisfação dos seus interesses, desviando seu destino social.

Conforme esclarece Heloísa Carpena:


«O fim – social ou econômico – de um certo direito subjetivo não é estranho à sua estrutura, mas elemento de sua própria natureza. É no interior do próprio direito que o abuso surge, manifestada sua disparidade com o sentido teleológico em que se funda o direito subjetivo.


Exercer legitimamente um direito não é apenas se ater à sua estrutura formal, mas sim cumprir o fundamento axiológico normativo que constitui este mesmo direito, que justifica seu reconhecimento como tal pelo ordenamento e segundo o qual se irá aferir a validade do ato de exercício. A teoria do abuso do direito passa então a rever o próprio conceito de direito subjetivo, relativizando-o.


O fundamento axiológico a que se refere constitui o limite do direito subjetivo, limite este perfeitamente determinável, tanto quanto aquele definido por sua estrutura formal.


No abuso, o comportamento do sujeito só aparentemente constitui exercício do direito, ultrapassando-o exatamente por violar seu sentido e seu fundamento objetivo. A qualificação deste comportamento não prescinde do fundamento próprio do direito e é alcançada em contemplação às razões pelas quais o ordenamento reconhece ao sujeito a titularidade desse mesmo direito. Desatendido este fundamento, penetra-se no plano da abusividade.». (in: Abuso do direito nos contratos de consumo – Rio de Janeiro: Renovar, 2001, pp. 55-56).

Deste modo, não prevalece o raciocínio de que poderia a autora, ora recorrente, buscar o financiamento por ela desejado em outra instituição financeira uma vez que nada, a princípio, impedir-lhe-ia de fazê-lo, posto não ter havido negativação de seu nome em bancos públicos restritivos de crédito.

Em tempos de desenfreada competição entre os bancos, antes não tão acostumados à ferrenha disputa por clientes, as condições de taxas de juros, quantidade de prestações e condições de contratação oferecidas aos consumidores variam com inusitada frequência, razão pela qual, a frustração da contratação com a instituição eleita pela autora, ora recorrente, nos moldes do caso presente, toleu a liberdade de contratar não da instituição financeira, mas da autora, ora recorrente.

Pode-se dizer ter havido ofensa ao direito subjetivo da apelante de buscar o crédito junto à instituição financeira que oferecia, sob sua ótica, naquele momento, melhores condições; negativa esta que se baseou em restrição cadastral indevida, surgida de fortuito interno, em relação a qual a autora, ora recorrente, nada podia fazer haja vista a impossibilidade de produção de prova negativa do fato, ou seja, provar que não contratou, configurando-se o abuso do direito por parte do banco, ora segundo apelado, surgindo o dever de indenizar. ...» (Des. Fernando Cerqueira Chagas).»

Doc. LegJur (135.5583.2000.0500) - Íntegra: Click aqui


Referência(s):
▪ Responsabilidade civil (Jurisprudência)
▪ Dano moral (Jurisprudência)
▪ Consumidor (v. ▪ Dano moral) (Jurisprudência)
▪ Ação indenizatória (v. ▪ Dano moral) (Jurisprudência)
▪ Contrato de financiamento (v. ▪ Consumidor) (Jurisprudência)
▪ Banco (v. ▪ Consumidor) (Jurisprudência)
▪ Restrição cadastral interna do banco (v. ▪ Dano moral) (Jurisprudência)
▪ Legítima expectativa de acesso ao crédito (v. ▪ Consumidor) (Jurisprudência)
▪ CF/88, art. 5º, V e X
▪ CCB/2002, art. 186
▪ CCB/2002, art. 927
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