Jurisprudência em Destaque

STJ. 4ª T. Compra e venda. Loteria. Casa lotérica. Credenciamento lotérico. Ação de rescisão de contrato cumulada com perdas e danos e reintegração de posse. Alegado descumprimento de cláusulas contratuais. Constituição do devedor em mora. Interpelação. Exigência. Cláusula resolutiva tácita. Considerações do Min. Luis Felipe Salomão sobre o tema. Precedentes do STJ. CCB, arts. 119, parágrafo único e 960. CPC, arts. 219 e 926.

Postado por Emilio Sabatovski em 19/07/2013
«... 2. Cinge-se a controvérsia em definir se era dispensável a interpelação prévia, com o escopo de os autores ajuizarem ação de «rescisão contratual, cumulada com pedido de perdas e danos e reintegração de posse», relativa a contrato que envolvia direito de exploração de jogos lotéricos permitidos pela Caixa Econômica.

A sentença julgou extinto o processo por ausência da constituição em mora do devedor, sendo reformada em grau de apelação pelos fundamentos ora sintetizados:


«Com efeito. Sem embargo às respeitáveis manifestações do Ministério Público, tanto de primeiro quanto segundo grau, no sentido de que faltou interesse de agir aos autores, em face à ausência de interpelação prévia, a fim de constituir os devedores em mora, entendimento, inclusive, seguido pelo ilustre Juiz singular, como fundamento para extinguir o presente feito sem julgamento do mérito, forçoso é reconhecer que na espécie vertente, a ocorrência da citação válida, constituiu os devedores em mora.


Pois, consoante o ensinamento de Marcelo Abelha Rodrigues:

@EMEOUT1 = a mora pode decorrer do simples vencimento da obrigação, como determina o art. 397 do CC, caso em que será antes da citação válida, como também no momento em que esta se dá (com a citação válida), justamente para as hipóteses não enquadradas no dispositivo (art. 397 do CC/2002; art. 960 do CCB revogado).


De fato. Realmente, o contrato firmado entre as partes, não há previsão de termo certo para o cumprimento das obrigações ilíquidas nele acordadas.


De modo que, possuindo tais características, a rigor, a exigência do cumprimento das referidas obrigações pactuadas, estava a exigir dos credores a interpelação judicial ou extrajudicial dos devedores, a fim de constituí-los em mora.


Todavia, a unanimidade da doutrina e parte majoritária da jurisprudência entende que em se tratando de mora ex persona, como na hipótese em exame, a citação válida constitui o devedor em mora, por força do que estabelece o art. 219, «caput», do Código de Processo Civil.


Nelson Nery Junior, concernente ao tema, leciona que:

@EMEOUT1 = a mora ex persona ocorre quando não houver tempo certo fixado para o cumprimento, ou se a obrigação não for positiva ou líquida. Para constituir-se o credor em mora, nesses casos, é preciso que o credor providencie sua interpelação, notificação (judicial ou extrajudicial), protesto ou citação em ação judicial (CPC 219).


O festejado Silvio de Salvo Venosa, de igual, orienta que:

@EMEOUT1 = para que os ônus da mora sejam exigíveis, há de existir a constituição em mora. Na mora ex re, a situação é automática, com o decurso de prazo. Na mora ex persona, o credor deve tomar a iniciativa de constituir o devedor em mora. Um dos efeitos da citação, no processo, é justamente constituir em mora o devedor (art. 219 CPC).


No mesmo toar é o escólio de Maria Helena Diniz enfatizando que:

@EMEOUT1 = Mora ex persona, se não houver estipulação de termo certo para a execução da relação obrigacional; nesse caso, será imprescindível que o credor tome certas providências necessárias para constituir o devedor em mora, tais como: interpelação judicial ou extrajudicial (RF, 222:177; RT, 463:209, 483:139, 467:171, 438:245, 483:133) (CC, art. 397, Parágrafo único - CPC, arts. 867 e 873), ou citação feita na própria causa principal, pelo credor ajuizada para discutir a relação jurídica (CPC, art. 219, com alteração da Lei n. 89.952/94; RT, 433:177).


Portanto, não há negar-se que os réus, ora apelados, restaram, de fato, constituídos em mora por força do ato citatório válido, nada mais sendo necessário, ante ao que estabelece a inteligência do artigo 219, «caput», do CPC». (pp. 219/222)

3. É importante ressaltar, de início, que tal como noticiado pela doutrina, no nosso sistema civil e processual civil, as regras de constituição válida do devedor em mora variam a depender seja a obrigação constituída a prazo determinado ou indeterminado, ou, ainda, se se cogita de obrigação de fazer, dar, não fazer ou decorrente de ato ilícito.

Por outro lado, conforme os diversos tipos contratuais nos quais estão inseridas as prestações, também pode variar a forma de constituição da mora do devedor, porquanto a lei, em certos casos, impõe requisitos particulares de constituição do devedor em mora (MARTINS-COSTA, Judith. Comentários ao Código Civil, volume V, tomo II. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 243).

Como anotado anteriormente, os autores ajuizaram ação de «rescisão contratual, cumulada com pedido de perdas e danos e reintegração de posse», alegando que firmaram com os réus contrato de compra e venda de credenciamento lotérico, mediante o qual os requerentes transferiram o direito de exploração de casa lotérica aos requeridos. O preço foi integralmente pago. O pedido de resolução da avença decorreu de alegado descumprimento de cláusulas contratuais, notadamente aquela relativa à locação do imóvel aonde encontrava-se o ponto comercial, o qual deveria ser transferido para os adquirentes, e a que previa o pagamento de comissões, sendo pleiteados, ademais, lucros cessantes e reintegração de posse.

3.1. Firmadas tais premissas fáticas, o desate da controvérsia, nesse passo, reside em saber se, à hipótese tratada nos autos, aplica-se o disposto no art. 219 do CPC ou as disposições do art. 960 do Código Civil de 1916.

O preceito substantivo possui o seguinte comando:


Art. 960. O inadimplemento da obrigação, positiva e liquida, no seu termo constitui de pleno direito em mora o devedor.

Não havendo prazo assinado, começa ela desde a interpelação, notificação, ou protesto.

Por outro lado, a norma processual está assim redigida:


Art. 219. A citação válida torna prevento o juízo, induz litispendência e faz litigiosa a coisa; e, ainda quando ordenada por juiz incompetente, constitui em mora o devedor e interrompe a prescrição.

Cogita-se, assim, respectivamente, da mora automática - ex re - ou a mora dependente de prévia interpelação - mora ex persona.

Cumpre salientar que a chamada mora ex re independe de interpelação, porquanto decorre do próprio inadimplemento de obrigação positiva, líquida e com termo implementado, cuja matriz normativa é o art. 960, primeira parte, do Código Civil de 1916. À hipótese, aplica-se o brocardo dies interpellat pro homine (o termo interpela no lugar do credor).

PONTES DE MIRANDA asseverou que «a interpelação tem por fim prevenir ao devedor de que a prestação deve ser feita. Fixa esse ponto, se já não foi fixado; se já foi fixado, a interpelação é supérflua, porque o seu efeito mais importante, a mora, se produziu antes dela, ipso iure» (Tratado de direito privado. Tomo II. 2 ed. Campinas: Bookseller, 2002, p. 519).

A razão de ser é óbvia: sendo o devedor sabedor da data em que deve ser adimplida a obrigação líquida - porque decorre de cláusula contratual - descabe advertência complementar por parte do credor. Com efeito, havendo obrigação líquida e exigível a determinado termo - desde que não seja daquelas em que a própria lei afasta a constituição de mora automática -, o inadimplemento ocorre no vencimento.

Reversamente, inexistindo termo previamente acordado, ou em casos em que a lei preveja providência diversa, a presunção de que o devedor tem ciência da data do vencimento da obrigação não se verifica. Cuida-se aqui da mora in persona, a exigir, para sua constituição, a interpelação judicial ou extrajudicial.

Várias são as hipótese em que a lei exige interpelação para a constituição do devedor em mora, muito embora conste no contrato termo prévio de vencimento das obrigações. Cito, por exemplo, o contrato de financiamento celebrado no âmbito do Sistema Financeiro da Habitação, cuja mora exige duplo aviso, nos termos da Súmula nº 199/STJ; nos contratos de promessa de compra e venda de imóvel, desde a edição do Decreto-Lei 745/69; bem como para a resolução de contratos em geral.

3.2. Na hipótese versada nos autos, por expressa disposição do acórdão, não há contratualmente termo prefixado para o cumprimento das obrigações em testilha, razão pela qual, se houve mora, essa não é ex re, mas ex persona, sendo indispensável a interpelação do devedor, judicial ou extrajudicialmente.

Cumpre analisar se a citação, que é a forma judicial ordinária de constituição do devedor em mora, é bastante.

3.3. Nesse passo, havendo pedido de resolução contratual, como no caso dos autos, a regra aplicável, por especialidade, deve ser a constante no art. 119, § único, do Código Civil de 1916, a cuidar de cláusula resolutiva:


«A condição resolutiva da obrigação pode ser expressa, ou tácita; operando, no primeiro caso, de pleno direito, e por interpelação judicial, no segundo».

Isso porque, sendo o pedido de rescisão contratual fulcrado em mora do devedor, para haver lastro a pretensão, deve a causa de pedir (a mora) preexistir ao pedido, exigência não satisfeita pela citação. Ademais, pretendendo o credor resolver o contrato com escopo na mora do devedor, deverá a este ser oportunizada a purgação, por força mesmo do princípio da manutenção dos contratos.

Transcrevo, nesse sentido, o preciso magistério de EGAS DIRCEU MONIZ DE ARAGÃO, ao comentar o art. 219 do CPC:


«(...) se a mora do réu constitui o fundamento do direito em que o autor assenta o seu pedido, deverá ela preexistir ao ingresso em juízo e à própria citação inicial, uma vez que não poderia o autor fundar a sua pretensão em fato ainda não ocorrido. Assim, a constituição em mora pela citação inicial operaria apenas com relação aos casos em que a ação proposta pelo autor não se funda na existência da mora do réu - pois em tal caso esta há de preceder ao ajuizamento» (Comentários ao Código de Processo Civil. 9ª ed. Rio de Janeiro: Forense, nº 236, pp. 180/181).

Com efeito, sendo pressuposta nos contratos sinalagmáticos a existência de cláusula resolutiva tácita, que permite à parte lesada pelo inadimplemento requerer a resolução do contrato, aplicável seria o art. 119, Parágrafo único - 2ª parte, do Código Civil de 1916, a exigir, para a resolução contratual, a interpelação prévia com o escopo de constituir o devedor em mora, cuja ausência não é suprida pela citação.

No mesmo sentido tem-se posicionado a jurisprudência da Corte:


(...)


4. «A lei civil considera o devedor em mora, nos casos de inadimplemento da obrigação, no seu termo, sem dependência de outras formalidades (art. 960 do antigo CCB), sendo necessária interpelação antecedente apenas nos casos em que o autor opte pela rescisão do pacto contratual, o que não se verifica no presente caso, pois a recorrida apenas pretende a indenização pelas perdas e danos, mesmo porque a jurisprudência vem entendendo que a citação vale como interpelação judicial».


(...)


(REsp 734520/MG, Rel. Ministro HÉLIO QUAGLIA BARBOSA, QUARTA TURMA, julgado em 21/06/2007, DJ 15/10/2007 p. 279)


___


DIREITO CIVIL. COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA. MORA DO PROMITENTE VENDEDOR. INAPLICABILIDADE DO ART. 1º DO DECRETO-LEI 745/69. INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA. IMPOSSIBILIDADE. CLÁUSULA RESOLUTIVA TÁCITA. CONTRATOS BILATERAIS. PRESENÇA. CÓDIGO CIVIL, ARTS. 1.092, Parágrafo único - E 119, Parágrafo único - EXIGÊNCIA DE INTERPELAÇÃO PRÉVIA. CARACTERIZAÇÃO DA MORA. NÃO CONFIGURAÇÃO DE PRAZO CERTO. MORA EX PERSONA. CASO CONCRETO. RECURSO DESACOLHIDO.


(...)


II - A cláusula resolutiva tácita pressupõe-se presente em todos os contratos bilaterais, independentemente de estar expressa, o que significa que qualquer das partes pode requerer a resolução do contrato diante do inadimplemento da outra.


III - A resolução do contrato, pela via prevista no art. 1.092, Parágrafo único - CC, depende de prévia interpelação judicial do devedor, nos termos do art. 119, Parágrafo único - do mesmo diploma, a fim de convocá-lo ao cumprimento da obrigação.


IV - Uma vez constatada a inexistência de prazo certo para o cumprimento da obrigação, a configuração da mora não prescinde da prévia interpelação do devedor.


V - A citação inicial somente se presta a constituir mora nos casos em que a ação não se funda na mora do réu, hipótese em que esta deve preceder ao ajuizamento.


(REsp 159661/MS, Rel. Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, QUARTA TURMA, julgado em 09/11/1999, DJ 14/02/2000 p. 35)


___

Com efeito, tendo os autores deduzido pedido de rescisão contratual, por inexistir interpelação prévia ao ajuizamento da ação, deve esta ser extinta sem resolução de mérito, circunstância que exige a reforma do acórdão. Por outro lado, os demais pedidos, por serem acessórios ao principal, segue a sorte deste.

4. Diante do exposto, dou provimento ao recurso especial para, restabelecendo a sentença, inclusive nos consectários legais, extinguir o feito sem resolução de mérito ...» (Min. Luis Felipe Salomão).»

Doc. LegJur (134.3833.2000.3400) - Íntegra: Click aqui


Referência(s):
▪ Compra e venda (Jurisprudência)
▪ Loteria (Jurisprudência)
▪ Casa lotérica (Jurisprudência)
▪ Credenciamento lotérico (v. ▪ Casa lotérica) (Jurisprudência)
▪ Ação de rescisão de contrato (v. ▪ Compra e venda) (Jurisprudência)
▪ Perdas e danos (v. ▪ Compra e venda) (Jurisprudência)
▪ Reintegração de posse (v. ▪ Compra e venda) (Jurisprudência)
▪ Mora (Jurisprudência)
▪ Constituição do devedor em mora (v. ▪ Interpelação) (Jurisprudência)
▪ Interpelação (v. ▪ Mora) (Jurisprudência)
▪ Cláusula resolutiva tácita (Jurisprudência)
▪ CCB, art. 119, parágrafo único
▪ CCB, art. 960
▪ CPC, art. 219
▪ CPC, art. 926
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