Jurisprudência em Destaque

STJ. 5ª T. Estelionato. Concurso público. Cola eletrônica. Atipicidade da conduta na hipótese. Fatos anteriores à Lei 12.550, de 15/12/2011. Ocorrência. Ordem não concedida. Concessão de «habeas corpus» de ofício. Considerações do Min. Marco Aurélio Bellizze sobre o tema. Precedentes do STJ. CP, arts. 171 e 311-A (da Lei 12.550, de 15/12/2011). CPP, arts. 397, III e 647. CF/88, art. 5º, LXVIII.

Postado por Emilio Sabatovski em 19/07/2013
«... Veja-se o teor do art. 171 do Código Penal:


Art. 171 - Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento:


Pena - reclusão, de um a cinco anos, e multa.

Para que se configure a conduta descrita no citado dispositivo legal, segundo Cezar Roberto Bitencourt, é necessária a presença dos seguintes requisitos fundamentais: «1) emprego de artifício, ardil ou qualquer outro meio fraudulento; 2) induzimento ou manutenção da vítima em erro; 3) obtenção de vantagem patrimonial ilícita em prejuízo alheio (do enganado ou de terceiro)». (Código Penal Comentado. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 772.)

Quanto ao sujeito passivo, Luiz Regis Prado destaca que deve ser «pessoa determinada, uma vez que o delito perpetrado incertam personam insere-se na classificação de crime contra a economia popular ou contra as relações de consumo». (Comentários ao Código Penal. 5. ed.. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p. 581.)

Em relação ao prejuízo, o mesmo autor leciona que este deve ser real e efetivo, e não apenas potencial, além de ser apreciável do ponto de vista patrimonial, valorável economicamente, compreendido o valor como significado econômico (Op. cit., p. 579.)

No caso, embora o paciente tenha utilizado de fraude para tentar a sua aprovação no Concurso de Agente Penitênciário do Estado do Ceará, não há como definir se esta conduta seria apta a significar algum prejuízo de ordem patrimonial, tampouco quem teria suportado o suposto revés, o que impede a configuração do delito em tela.

Com efeito, caso o paciente viesse a integrar o funcionalismo público, mesmo que a aprovação se desse mediante fraude, os únicos prejudicados seriam os demais candidatos ao cargo, já que a remuneração é devida pelo efetivo exercício da função, ou seja, trata-se de uma contraprestação pela mão de obra empregada, não se podendo falar em prejuízo patrimonial para a administração pública ou para a organizadora do certame.

Por tais razões, não há como se subsumir o fato ao tipo penal descrito aos tipos penais que se imputam ao paciente.

Neste sentido, o Supremo Tribunal Federal decidiu, nos autos do Inquérito nº 1.145/PB, no qual entendeu atípica a chamada «cola eletrônica», podendo se extrair do voto proferido os seguintes excertos:


3. O Ministério Público Federal, ao afastar a denúncia por estelionato, reconheceu que essa figura delituosa não restou tipificada. A meu ver, com toda razão, dado que para consumar-se a conduta do artigo 171 do Código Penal é necessária a existência de vítima certa e determinada, conforme decidiu esta Corte no HC 39495, RTJ 24/313; além disso, é imprescindível a existência de prejuízo patrimonial, o que certamente não se verificou, salvo para o próprio denunciado que despendeu quantia em dinheiro na sua frustrada tentativa de obter, por via da fraude, a aprovação no vestibular de sua filha e amigos.


(...)


8. De fato, fraudar vestibular, utilizando-se de cola eletrônica (aparelhos transmissor e receptor), malgrado contenha alto grau de reprovação social, ainda não possui em nosso ordenamento penal qualquer norma sancionadora.

No mesmo sentido, podemos citar os seguintes precedentes desta Corte:


A - HABEAS CORPUS. FRAUDE A VESTIBULAR. COLA ELETRÔNICA. ESTELIONATO. FALSIDADE IDEOLÓGICA. FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTO PÚBLICO. USO DE DOCUMENTO FALSO. FORMAÇÃO DE QUADRILHA. TRANCAMENTO DA AÇÃO. ATIPICIDADE E PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO. ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA.


1 - Paciente denunciado por estelionato, falsificação de documento público, falsidade ideológica, uso de documento falso e formação de quadrilha, (artigos 171, § 3º, 297, 299, 304 e 288, todos do Código Penal), em concurso material.


2 - Fraudar vestibular, utilizando-se de cola eletrônica (aparelhos transmissor e receptor), malgrado contenha alto grau de reprovação social, ainda não possui em nosso ordenamento penal qualquer norma sancionadora (INQ 1145/STF).


3 - Writ concedido para reconhecer a atipicidade da cola eletrônica e trancar a ação penal no que diz respeito às condutas tipificadas nos artigos 171, § 3º e 299 do Código Penal, mantida a persecução penal em relação as demais condutas típicas e autônomas.


4 - Exordial acusatória que descreve a prática de reiteradas e diversas condutas criminosas, que, em tese, adequam-se perfeitamente aos crimes de falsificação de documento público, uso de documento falso e formação de quadrilha, apontando o paciente como chefe da organização criminosa.


5 - Denúncia que preenche todos os requisitos do art. 41 do CPP, descrevendo, com os elementos indispensáveis, a prática, em tese, dos delitos que menciona, com suas circunstâncias, permitindo ao acusado o conhecimento do que lhe é imputado, viabilizada, assim, a ampla defesa, inexistindo qualquer motivo para o trancamento da ação penal.


6 - O princípio da consunção pressupõe a existência de um nexo de dependência das condutas ilícitas, para que se verifique a possibilidade de absorção daquela menos grave pela mais danosa. (REsp 890.515/ES, Relator o Ministro GILSON DIPP, DJU de 4/6/2007). Sendo a cola eletrônica conduta atípica, não pode ela absorver outras condutas típicas e autônomas, afastado, assim, o princípio da consunção.


7 - Habeas corpus parcialmente concedido. (HC 39.592/PI, Relator o Ministro HAROLDO RODRIGUES (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/CE), DJe 14/12/2009.)


B - PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. ARTS. 288, 299 E 171 C/C 69, TODOS DO CP. COLA ELETRÔNICA. ATIPICIDADE DA CONDUTA. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL.


I - O trancamento de ação por falta de justa causa, na via estreita do writ, somente é viável desde que se comprove, de plano, a atipicidade da conduta, a incidência de causa de extinção da punibilidade ou ausência de indícios de autoria ou de prova sobre a materialidade do delito (Precedentes).


II - (...). Peça acusatória que descreve a suposta conduta de facilitação do uso de cola eletrônica em concurso vestibular (utilização de escuta eletrônica pelo qual alguns candidatos - entre outros, a filha do denunciado - teriam recebido as respostas das questões da prova do vestibular de professores contratados para tal fim). 4. O Ministério Público Federal (MPF) manifestou-se pela configuração da conduta delitiva como falsidade ideológica (CP, art. 299) e não mais como estelionato. 5. A tese vencedora, sistematizada no voto do Min. Gilmar Mendes, apresentou os seguintes elementos: i) impossibilidade de enquadramento da conduta do denunciado no delito de falsidade ideológica, mesmo sob a modalidade de inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, com o fim de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante; ii) embora seja evidente que a declaração fora obtida por meio reprovável, não há como classificar o ato declaratório como falso; iii) o tipo penal constitui importante mecanismo de garantia do acusado. Não é possível abranger como criminosas condutas que não tenham pertinência em relação à conformação estrita do enunciado penal. Não se pode pretender a aplicação da analogia para abarcar hipótese não mencionada no dispositivo legal (analogia in malam partem). Deve-se adotar o fundamento constitucional do princípio da legalidade na esfera penal. Por mais reprovável que seja a lamentável prática da «cola eletrônica», a persecução penal não pode ser legitimamente instaurada sem o atendimento mínimo dos direitos e garantias constitucionais vigentes em nosso Estado Democrático de Direito. (...) 7. Denúncia rejeitada, por maioria, por reconhecimento da atipicidade da conduta descrita nos autos como «cola eletrônica» (STF, Inq 1145/PA, Tribunal Pleno, Rel. Orig.: Maurício Corrêa, Rel. p/ acórdão: Gilmar Mendes, DJU de 04/04/08).


III - In casu, com a ressalva pessoal do relator, verifica-se de plano a atipicidade da conduta da paciente. Recurso provido. (RHC 22.898/RS, Relator o Ministro FELIX FISCHER, DJe 04/08/2008.)

Cabe ressaltar que eventual conclusão em sentido contrário, como a que chegou o Tribunal de origem, significaria ofensa frontal ao princípio da legalidade estrita, previsto no inciso XXXIX do art. 5º da Constituição Federal e no art. 1º do Código Penal. Tal postulado tem por objetivo impedir o cometimento de arbitrariedades pelo Estado em desfavor dos cidadãos, limitando a tutela penal apenas àquelas condutas previamente definidas na lei, não sendo permitido o emprego da analogia para ampliar o âmbito de incidência da norma incriminadora.

Por fim, ressalte-se que a Lei 12.550, de 15 de dezembro de 2011, acrescentou ao Título X (Dos crimes contra a fé pública) da parte especial do Código Penal, o Capítulo V, denominado Das fraudes em certames de Interesse público, com o seguinte teor:


Fraudes em certames de interesse público


Art. 311-A. Utilizar ou divulgar, indevidamente, com o fim de beneficiar a si ou a outrem, ou de comprometer a credibilidade do certame, conteúdo sigiloso de:


I - concurso público;


II - avaliação ou exame públicos;


III - processo seletivo para ingresso no ensino superior; ou


IV - exame ou processo seletivo previstos em lei:


Pena - reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.


§ 1º Nas mesmas penas incorre quem permite ou facilita, por qualquer meio, o acesso de pessoas não autorizadas às informações mencionadas no «caput».


§ 2º Se da ação ou omissão resulta dano à administração pública:


Pena - reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e multa.


§ 3º Aumenta-se a pena de 1/3 (um terço) se o fato é cometido por funcionário público.

A inovação legislativa revela que à época dos fatos narrados na denúncia (6/11/2011) não havia norma penal na qual pudesse ser enquadrada a conduta daquele que utiliza ou divulga informação sigilosa para lograr aprovação em concurso público – até então somente tida por reprovável –, o que levou o legislador a inserir no Código Penal uma nova figura típica com o fim de, a partir de sua vigência, punir os responsáveis pela sua prática.

Ante o exposto, não conheço da impetração. Concedo, contudo, habeas corpus de ofício para reconhecer a atipicidade do fato, nos termos do art. 397, inciso III, do Código de Processo Penal. ...» (Min. Marco Aurélio Bellizze).»

Doc. LegJur (134.3833.2000.2100) - Íntegra: Click aqui


Referência(s):
▪ Estelionato (v. ▪ Cola eletrônica) (Jurisprudência)
▪ Concurso público (v. ▪ Cola eletrônica) (Jurisprudência)
▪ Cola eletrônica (v. ▪ Estelionato) (Jurisprudência)
▪ Atipicidade (v. ▪ Cola eletrônica) (Jurisprudência)
▪ Atipicidade da conduta (v. ▪ Cola eletrônica) (Jurisprudência)
▪ Constrangimento ilegal (v. ▪ «Habeas corpus») (Jurisprudência)
▪ «Habeas corpus» de ofício (Jurisprudência)
Lei 12.550/2011 (Legislação)
▪ CP, art. 171
▪ CP, art. 311-A
▪ CPP, art. 397, III
▪ CPP, art. 647
▪ CF/88, art. 5º, LXVIII
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