Jurisprudência em Destaque

STJ. 2ª T. Servidor público. Administrativo. Agentes da polícia federal. Jornada de trabalho. Regime de plantão (24h de trabalho por 48h de descanso). Adicional noturno. Cabimento. Considerações do Min. Castro Meira sobre o tema. Precedentes do TST. Lei 8.112/1990, art. 75. Súmula 213/STF. CF/88, art. 7º, IX. CLT, art. 73.

Postado por Emilio Sabatovski em 19/07/2013
«... O dispositivo em torno do qual gravita a controvérsia é o art. 75 da Lei 8.112/1990, assim redigido:


Art. 75. O serviço noturno, prestado em horário compreendido entre 22 (vinte e duas) horas de um dia e 5 (cinco) horas do dia seguinte, terá o valor-hora acrescido de 25% (vinte e cinco por cento), computando-se cada hora como cinqüenta e dois minutos e trinta segundos.


Parágrafo único. Em se tratando de serviço extraordinário, o acréscimo de que trata este artigo incidirá sobre a remuneração prevista no art. 73.

Esse dispositivo regulamentou, no plano do serviço público civil da União, o art. 7º, IX, da CF/88, que é claro quando impõe, como direito básico dos trabalhadores urbanos e rurais, a remuneração do trabalho noturno superior à do diurno, verbis:


Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:


IX – remuneração do trabalho noturno superior à do diurno;

Essa norma constitucional é de eficácia plena e, portanto, vigência imediata. Ela determina o pagamento do adicional noturno sem qualquer restrição.

É regra básica de hermenêutica que não cabe ao intérprete restringir onde a lei não restringiu, sobretudo quando a norma interpretada é de estatura constitucional e consagra um direito social dos trabalhadores.

ARNALDO SÜSSEKIND diz que as normas do art. 7º da CF/88 são de ordem pública e, portanto, imperativas e invioláveis pela vontade das partes contratantes da relação trabalhista, verbis:


[...] essas regras cogentes formam a base do contrato de trabalho, uma linha divisória entre a vontade do Estado, manifestada pelos poderes competentes, e a dos contratantes. Estes podem complementar ou suplementar o mínimo de proteção legal; mas sem violar as respectivas normas. Daí decorre o princípio da irrenunciabilidade, atinente ao trabalhador, que é intenso na formação e no curso da relação de emprego e que se não confunde com a transação, quando há res dubia ou res litigiosa no momento ou após a cessação do contrato de trabalho (Comentários à Constituição Brasileira, Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1989, v. 1, p. 332).

Os princípios de hermenêutica constitucional têm por finalidade possibilitar ao intérprete a busca pelo significado mais adequado para as normas constitucionais. Entre as inúmeras regras de hermenêutica constitucional, é possível enumerar quatro perfeitamente aplicáveis ao caso dos autos:

(a) PRINCÍPIO DA UNIDADE DA CONSTITUIÇÃO, pelo qual as normas constitucionais devem ser interpretadas em seu contexto, e não isoladamente, de modo a evitar as antinomias aparentes.

Como lembra JJ Gomes Canotilho, «o Direito Constitucional deve ser interpretado de forma a evitar contradições (antinomias, antagonismos) entre as suas normas e, sobretudo, entre os princípios jurídicos-políticos constitucionalmente estruturantes. [...] o princípio da unidade obriga o intérprete a considerar a Constituição na sua globalidade e procurar harmonizar os espaços de tensão [...] existentes entre as normas constitucionais a concretizar. Daí que o intérprete deva sempre considerar as normas constitucionais, não como normas isoladas e dispersas, mas sim como preceitos integrados num sistema interno unitário de normas e princípios» (Direito Constitucional, 5ª ed, Coimbra: Almedina, 1991, p. 162).

No caso, a regra do art. 7º, IX, da CF/88 consagra um direito social dos trabalhadores, uma das vertentes dos direitos fundamentais, e não pode ser interpretada restritivamente sem olhar o contexto normativo em que se insere.

A regra, que fixa o adicional noturno, tem amparo em dois princípios constitucionais, a saber, o da dignidade da pessoa humana e o da valorização do trabalho, e deve ser interpretada com os olhos sempre atentos a esses valores tão caros ao ordenamento constitucional.

Quem labora no turno da noite precisa de uma compensação financeira relativamente àquele que desempenha as mesmas funções durante o dia, porque o trabalho noturno é mais penoso, mas desgastante, além de impor ao trabalhador que a ele se submete o sacrifício de ter que abdicar, muitas vezes, da via social, do convívio com família e amigos.

O fato de o trabalhador submeter-se ao regime de plantão não altera esse panorama, pelo menos não completamente. Nos dias em que dobra a jornada, sofre ele com o desgaste inerente ao trabalho noturno, obrigado, literalmente, a trocar o dia pela noite, bem como se vê privado de vivenciar uma dia a dia «normal", já que a vida dos homens urbanos rege-se pelo horário comercial das empresas. Assim, torna-se difícil a um trabalhador noturno, daí não excetuados os plantonistas, atos corriqueiros do cotidiano, como, por exemplo, levar os filhos ao colégio, praticar esportes, ter um lazer em geral.

Esses sacrifícios, por imposição constitucional, devem ser compensados com o adicional noturno, não havendo incompatibilidade alguma com o trabalho executado em regime de plantões.

Dito de outra forma, a dignidade da pessoa humana e a valorização do trabalho são princípios que estão a exigir do intérprete uma exegese não restritiva da regra do art. 7º, IX, da CF/88, para que se estabeleça um discrímen financeiro entre o trabalho diurno e o noturno, como forma de compensá-los.

(B) PRINCÍPIO DA INTERPRETAÇÃO CONFORME A CONSTITUIÇÃO, que obriga o intérprete a buscar o sentido e o alcance da norma dentro da própria Constituição, sobretudo nos seus princípios e valores estruturantes.

Tomando de referência o que se disse quanto ao princípio antecedente, a norma do art. 7º, IX, da CF/88 não pode ser interpretada de modo a aviltar os princípios da dignidade da pessoa humana e da valorização do trabalho. Assim, o labor noturno deve ser, em qualquer circunstância, compensado financeiramente em relação ao diurno, como forma de valorizá-lo socialmente e de garantir ao trabalhador que o presta uma compensação mais digna, pelo menos, quando comparada ao trabalhador que exerce as mesmas funções sob a luz do sol.

(C) PRINCÍPIO DA MÁXIMA EFETIVIDADE DA NORMA CONSTITUCIONAL, segundo o qual, na interpretação das normas constitucionais, deve-se atribuir-lhes o sentido que lhes empreste maior eficácia. Trata-se de princípio hermenêutico muito utilizado na interpretação dos direitos fundamentais.

É por essa razão que as normas que instituem direitos e garantias fundamentais, como é o caso, não devem ser interpretadas restritivamente, mas de modo extensivo, apto a permitir a maior amplitude normativa possível.

Também por esse motivo, não deve a norma do art. 7º, IX, da CF/88 ser interpretada de modo a amesquinhar, ou reduzir significativamente, seu campo de aplicação.

(D) PRINCÍPIO DO EFEITO INTEGRADOR, para o qual, na interpretação constitucional, deve-se dar prioridade à exegese que favoreça a integração social e possibilite o reforço da unidade política.

Assim, não deve a norma ser interpretada de maneira casuísta, nem de modo a afastar sua aplicação a casos específicos não previstos, e nem desejados, pela Constituição.

Esses quatro princípios, vocacionados à interpretação constitucional, mostram-nos o caminho a seguir quando nos deparamos com a exegese de normas que consagram direitos e garantias fundamentais, como os direitos sociais, por exemplo, que devem ser interpretados: (a) sempre com olhos atentos nos princípios que os norteiam; e (b) procurando a maior efetividade e eficácia normativa, de onde vem a impossibilidade de serem interpretados restritivamente.

O Supremo Tribunal Federal, antes da Constituição Federal de 1988, é bem verdade, chegou a sumular a questão, como se observa da Súmula 213/STF, verbis: «É devido o adicional de serviço noturno, ainda que sujeito o empregado ao regime de revezamento".

O verbete sumular foi editado sob o império da Constituição Federal de 1946, que no art. 157, III, previa o seguinte:


Art. 157 - A legislação do trabalho e a da previdência social obedecerão nos seguintes preceitos, além de outros que visem a melhoria da condição dos trabalhadores:


III - salário do trabalho noturno superior ao do diurno;

Portanto, ressalvada pequena alteração gráfica, a regra constitucional existente à época em que editada a Súmula 213/STF era a mesma que vige na atual Constituição (art. 7º, IX, da CF/88).

Assim, não há porque recusar eficácia e aplicabilidade ao enunciado da Súmula 213/STF. Embora editada antes da CF/88, permanece válida a interpretação nela consagrada, pois não houve alteração semântica do texto constitucional quanto ao adicional noturno.

A norma do art. 7º, IX, da CF/88 aplica-se aos servidores públicos por determinação expressa do art. 39, § 3º, da CF/88, verbis:


Art. 39. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituirão conselho de política de administração e remuneração de pessoal, integrado por servidores designados pelos respectivos Poderes.


§ 3º Aplica-se aos servidores ocupantes de cargo público o disposto no art. 7º, IV, VII, VIII, IX, XII, XIII, XV, XVI, XVII, XVIII, XIX, XX, XXII e XXX, podendo a lei estabelecer requisitos diferenciados de admissão quando a natureza do cargo o exigir.

Portanto, a norma do art. 75 da Lei 8.112/1990 decorre, diretamente, do art. 7º, IX, da CF/88, não podendo ser dada a esse dispositivo interpretação diversa da norma constitucional.

Além desse normativo, há no ordenamento jurídico o art. 73 da CLT, que regulamenta o adicional noturno para os trabalhadores da iniciativa privada, verbis:


Art. 73. Salvo nos casos de revezamento semanal ou quinzenal, o trabalho noturno terá remuneração superior a do diurno e, para esse efeito, sua remuneração terá um acréscimo de 20 % (vinte por cento), pelo menos, sobre a hora diurna.


§ 1º A hora do trabalho noturno será computada como de 52 minutos e 30 segundos.


§ 2º Considera-se noturno, para os efeitos deste artigo, o trabalho executado entre as 22 horas de um dia e as 5 horas do dia seguinte.


§ 3º O acréscimo, a que se refere o presente artigo, em se tratando de empresas que não mantêm, pela natureza de suas atividades, trabalho noturno habitual, será feito, tendo em vista os quantitativos pagos por trabalhos diurnos de natureza semelhante. Em relação às empresas cujo trabalho noturno decorra da natureza de suas atividades, o aumento será calculado sobre o salário mínimo geral vigente na região, não sendo devido quando exceder desse limite, já acrescido da percentagem.


§ 4º Nos horários mistos, assim entendidos os que abrangem períodos diurnos e noturnos, aplica-se às horas de trabalho noturno o disposto neste artigo e seus parágrafos.


§ 5º Às prorrogações do trabalho noturno aplica-se o disposto neste capítulo.

O Tribunal Superior do Trabalho, ao examinar o art. 73 da CLT, tem decidido que o adicional noturno é perfeitamente compatível com o regime de plantões. E essa Corte foi além: concluiu que o trabalhador plantonista faz jus ao adicional, também, quando realizar o trabalho em continuação após as cinco horas da manhã.

Assim, além de reconhecer ao trabalhador plantonista o direito ao adicional, estendeu esse direito às horas em que o trabalho é executado, em continuação, após as cinco da manhã.

Vale a pena conferir, a título exemplificativo, o seguinte julgado:


ESCALA 12 X 36. HORA NOTURNA REDUZIDA. PRORROGAÇÃO DA JORNADA. ADICIONAL NOTURNO.


O artigo 73, § 1º, da CLT, que prevê a redução ficta da hora noturna, tem por objetivo assegurar a higidez física e mental do trabalhador. Nesse contexto, mesmo diante da escala de 12 X 36, não pode ser desconsiderada a redução da hora noturna fixada em lei. Da mesma forma, esta Corte já consolidou o seu entendimento , por intermédio da Orientação Jurisprudencial 388 da SBDI-1, no sentido de que o empregado submetido à jornada de 12 horas de trabalho por 36 de descanso, que compreenda a totalidade do período noturno, tem direito ao adicional noturno, relativo às horas trabalhadas após as 5 horas da manhã.


Não conhecido (Processo TST-RR-48200-69.2009.5.03.0016, 5ª Turma).

A interpretação dada pela Corte Trabalhista é, sem dúvida, a que melhor se afina e harmoniza com o sentido e o alcance desejado pelo constituinte para o art. 7º, IX, da CF/88 e, por tabela, com a correta exegese do art. 75 da lei 8.112/1990.

Por essas razões, entendo que o aresto recorrido deve ser mantido. ...» (Min. Castro Meira).»

Doc. LegJur (134.0225.0000.4400) - Íntegra: Click aqui


Referência(s):
▪ Servidor público (Jurisprudência)
▪ Administrativo (Jurisprudência)
▪ Agentes da polícia federal (v. ▪ Jornada de trabalho) (Jurisprudência)
▪ Jornada de trabalho (v. ▪ Servidor público) (Jurisprudência)
▪ Regime de plantão (v. ▪ Servidor público) (Jurisprudência)
▪ Plantão (v. ▪ Servidor público) (Jurisprudência)
▪ Adicional noturno (v. ▪ Servidor público) (Jurisprudência)
Lei 8.112/1990, art. 75 (Legislação)
▪  Súmula 213/STF (Trabalhista. Adicional noturno. Regime de revezamento. Verba devida. CLT, art. 73).
▪ CF/88, art. 7º, IX
▪ CLT, art. 73
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