Jurisprudência em Destaque

STJ. 3ª T. Compromisso de compra e venda. Promessa de compra e venda de bem declarado território indígena antes do cumprimento de obrigação a cargo do vendedor. Teoria da imprevisão. Contrato diferido não caracterizado. Considerações do Min. Sidnei Beneti sobre o tema. CCB/2002, arts. 248 e 478.

Postado por Emilio Sabatovski em 19/07/2013
«... 5.- No mérito, destacando-se que jamais houve a transmissão da posse à Ré, ora Recorrente, volte-se à síntese inicial:

a) Em 7.12.2005, foi celebrado o compromisso de compra e venda (e-STJ, fls. 6);

b) Em 19.7.2007 o INCRA publicou a identificação da área como Terra Indígena (TI-Porquinhos dos Canela-Apãnjekra (Acórdão, e-STJ fls. 398);

c) Em 1º.8.2007 informou-se expropriatória movida pelos Autores, ora Recorridos (Acórdão, E-STJ, fls. 398, fls. 49 num original);

d) Em 5.9.2007, transitou em julgado e foi matriculada sentença julgando procedente ação de usucapião (e-STJ fls. 7);

e) Em 6.3.2008, a ré, ora Recorrente, foi notificada ao cumprimento do contrato (inicial, E-STJ, fls. 8);

f) Em 21.5.2008, a Autora, ora Recorrida, ingressou com a presente ação (e-STJ, fls. 10).

Vê-se que o contrato foi celebrado cerca de ano e meio antes da declaração de constituir-se Terra Indígena, mas que esta declaração ocorreu antes de os Autores, ora Recorridos, cumprirem o requisito da comprovação do trânsito em julgado da sentença de Ação de Usucapião, seguindo-se a transcrição na mesma data do trânsito em julgado e, posteriormente, a notificação da Ré, ora Recorrida, para o cumprimento do contrato e, por fim, cerca de dois meses pós, a propositura da presente ação.

Sem dúvida o contrato foi impossibilitado, sem culpa de nenhuma das partes, ante o ato declaratório de indisponibilidade da área por constituir-se terra indígena (CF, artg. 231). A causa, por «factum principis», que determinou a rescisão do contrato, incidiu antes da atuação da Cláusula V do do Contrato, que previa a rescisão no caso de inadimplência – lembrando-se que a notificação para cumprimento ocorreu muito tempo depois.

6.- Resta definir se a Ré, ora Recorrente, era responsável pelo pagamento da primeira parcela, como determinado pelo Acórdão ora recorrido, ou se não devia pagar nada, ante a inviabilização contratual pela declaração de indisponibilidade da terra.

O Acórdão, analisando essa questão, acolheu a tese dos Autores, ora Recorridos, de que se tratava de «contrato de nítida execução diferida». (e-STJ fl. 401) e que a única condição pendente era a comprovação do trânsito em julgado da sentença do processo de usucapião, a cargo dos vendedores, ora Recorridos, trânsito em julgado esse realmente por eles demonstrado documentalmente, inclusive com transcrição no Registro de Imóveis, ainda que em data posterior à publicação do INCRA determinando o caráter indígena e, portanto, indisponível, das terras.

Fundou-se, o Acórdão, no disposto no art. 478 do Código Civil/2002, cujo texto, inclusive, transcreveu (e-STJ fl. 401) e, analisando a Cláusula II.2 do Contrato, firmou que o contrato produz efeito em parte quanto aos contratantes, isto é, quando à obrigação de pagamento somente da primeira parcela, pois a única condição para a validade do contrato era a comprovação do trânsito em julgado da sentença do usucapião, não se cogitando de desfazimento do contrato no caso de inclusão da área como terra indígena.

Destacou, com efeito, o Acórdão, no tocante aos primeiro ponto – cumprimento de parte do contrato: «Em verdade, quando digo inviabilizada parte do contrato. com a identificação e demarcação da área objeto do contrato como sendo terra indígena, é porque entendo que, como FERGUMAR também se obrigou ao pagamento da primeira parcela com o trânsito em julgado da sentença que confirmasse a titularidade dos apelados sobre o imóvel em questão, nesse ponto, os apelados merecem ter acolhida a pretensão, porquanto devidamente demonstrada a satisfação da exigência que lhes cabia». (e-STJ fl. 402).

E, quanto ao segundo ponto, o fato imprevisto que inviabilizou a venda da terra, o Acórdão explicou: «Assim, considerando que as partes ora litigantes jamais contratariam se pudessem antever a delimitação da área como de interesse indígena e que, segundo documentação constante dos autos (fls. 105/108), as coisas não permaneceram iguais à da época da celebração do contrato, reputo desobrigada a apelante apenas ao pagamento das duas últimas parcelas a que se refere a cláusula II. 2 do contrato firmado com os apelados, vez que consagrada, ipso facto, a teoria da imprevisão». (e-STJ, fl. 402).

7.- Os fatos, entretanto, não se amoldam ao figurino legal do art. 478 do Código Civil/2002, que dispõe: «Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação.».

A situação do caso, com evidência, não é a desse dispositivo legal. Tem-se, no caso, como consta do contrato e o disse a petição inicial, uma promessa de contratar, sujeita à condição de exibição, pelos vendedores, de prova do trânsito em julgado de sentença de usucapião, o que significa que, enquanto não houvesse essa prova, não havia contrato de compra e venda, senão mera promessa de contrato futuro.

Essa promessa de contratar subordinava-se, com evidência que é escusado demonstrar, no fato da alienabilidade do próprio bem, porque não faria sentido ao vendedor vender e ao comprador comprar aquilo que não podia ser objeto de compra e venda.

Como se vê, quando os Autores prestaram o fato que suspendia o contrato, este já não era juridicamente possível, pois lidava com bem de compra e venda particular impossível. Em outras palavras, antes do implemento da condição de fechamento do contrato – a prova do trânsito em julgado da sentença de usucapião – ocorreu a decretação de inalienabilidade do bem, por se tratar de terra indígena.

Vale dizer: as partes não podiam, quando veio a ser obtida a certidão de trânsito em julgado, pela qual se implementava a condição de existência do contrato, não podiam as partes, repita-se, contratar, porque o bem não mais existia, para os fins do contrato de compra e venda prometido, «in commercium».

Não se trata de resolução de contrato de trato sucessivo por onerosidade excessiva, mas de não perfazimento de contrato por desaparecimento da aptidão do bem a ser alienado. Situação análoga à da coisa «extra-commercium», vazia de comercialidade por compra e venda, ou, na frase sempre lapidar de REINHARD ZIMMERMANN, «originally, therefore, any contract of sale involving eigher a free man or a res extra commercium was void». (The Law of Obligtions», New York, Oxford University Press, Clarendon Paperbacks,1996, p. 241).

GUSTAVO TEPEDINO, HELOÍSA HELENA BARBOZA e MARIA CELINA BODIN DE MORAES, aliás, bem salientam que a teoria da imprevisão, subjacente à resolução contratual por onerosidade excessiva, supõe-se «subsequente à celebração do ajuste». («Cód. Civil Interpretado», Rio de Janeiro, Renovar, Vol. II, p. 13), ao passo que, no caso, a onerosidade da aquisição do que não podia ser vendido seria precedente ao contrato, porque o esvaziamento da condição de alienabilidade veio antes do implemento da condição consistente no trânsito em julgado.

Não havia a necessária «vigência de um contrato comutativo de execução diferida ou de trato sucessivo». (CARLOS ROBERTO GONÇALVES, «Direito Civil Brasileiro», S. Paulo, Saraiva, Vol. III, 5ª ed., p. 2008).

O caso não se enquadra, pois, no art. 478 do Cód. Civil, mas, ao contrário, ubica-se no art. 248 do mesmo Código, que dispõe que «se a prestação do fato tornar-se impossível sem culpa do devedor, resolver-se-á a obrigação; se por culpa dele, responderá por perdas e danos», dispositivo sobre o qual anotou HAMID CHARAF BDINE JR, que «a obrigação de fazer pode tornar-se impossível sem culpa do devedor. Nesse caso, a partes devem ser restituídas ao estado em que se encontrvam antes da impossibilidade, sem a obrigação de indenizar perdas e danos». («Cód. Civil Comentado», org. Min. CÉZAR PELUSO, Barueri, ed. Manole, 4ª ed., 2010, p. 248).

8.- Em suma, não podia a ora Recorrente celebrar contrato de compra e venda, que prometera em pré-contrato, porque o bem se tornou inalienável antes que o vendedor satisfizesse o requisito da venda, que era o trânsito em julgado da ação de usucapião.

Não é por acaso que os autores somente vieram a notificar a promitente de compra, a ora Recorrente, após o implemento da condição de demonstração do trânsito em julgado, mas isso bem depois da impossibilitação de celebração do contrato de compra e venda pela retirada da qualidade de alienabilidade do bem pelo ato estatal da declaração de área de terra indígena.

9.- Em síntese: a) rejeita-se a alegação de nulidade do processo, fundada em pretensa violação do disposto no art. 523, § 3º, do Código de Processo civil; b) declara-se violado o art. 248 do Código Civil, c) prejudicadas demais alegações de violação. ...» (Min. Sidnei Beneti).»

Doc. LegJur (134.0225.0000.3600) - Íntegra: Click aqui


Referência(s):
▪ Compromisso de compra e venda (Jurisprudência)
▪ Promessa de compra e venda (Jurisprudência)
▪ Cumprimento de obrigação (v. ▪ Compromisso de compra e venda) (Jurisprudência)
▪ Teoria da imprevisão (Jurisprudência)
▪ Contrato diferido (Jurisprudência)
▪ CCB/2002, art. 248
▪ CCB/2002, art. 478
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