Jurisprudência em Destaque

STJ. 3ª T. Família. Casamento. Regime de bens do casamento. Comunhão parcial. Bens adquiridos com valores oriundos do FGTS. Fruto civil. Comunicabilidade. Hermenêutica. Interpretação restritiva dos arts. 269, IV, e 263, XIII, do CCB. Incomunicabilidade apenas do direito e não dos proventos. Possibilidade de partilha. Considerações do Min. Paulo de Tarso Sanseverino sobre o tema. Precedentes do STJ. CCB, art. 271, VI. CCB/2002, arts. 1.659, II e VI e 2.039. CF/88, art. 7º, III.

Postado por Emilio Sabatovski em 18/01/2013
«... Inicialmente, cumpre salientar que o regime de bens no caso em comento encontra-se regido pelas disposições previstas no Código Civil de 1916, uma vez que o casamento se realizou sob sua égide.

Com efeito, dispõe o art. 2.039 do Código Civil ora vigente:


Art. 2.039. O regime de bens nos casamentos celebrados na vigência do Código Civil anterior, Lei 3.071, de 1º de janeiro de 1916, é o por ele estabelecido.

Sendo assim, não há falar em ofensa ao art. 1.659 do Código Civil de 2002, porquanto ele não incide sobre os fatos analisados na presente demanda.

Aplicam-se ao caso em tela as disposições acerca do regime de comunhão parcial de bens constantes nos arts. 269 a 275 do diploma anterior.

O Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, criado em 1966, está previsto na Constituição Federal, em seu art. 7º, inciso III, como direito social dos trabalhadores urbanos e rurais.

Constitui, pois, fruto civil do trabalho, enquadrando-se no inciso VI do art. 271 do Código Civil de 1916, que expressamente inclui na comunhão as verbas decorrentes do trabalho, verbis:


Art. 271. Entram na comunhão:


I - os bens adquiridos na constância do casamento por título oneroso, ainda que só em nome de um dos cônjuges;


II - os adquiridos por fato eventual, com ou sem concurso de trabalho ou despesa anterior;


III - os adquiridos por doação, herança ou legado, em favor de ambos os cônjuges (art. 269, I);


IV - as benfeitorias em bens particulares de cada cônjuge;


V - os frutos dos bens comuns, ou dos particulares de cada cônjuge, percebidos na constância do casamento, ou pendentes ao tempo de cessar a comunhão dos adquiridos;


VI - os frutos civis do trabalho, ou indústria de cada cônjuge, ou de ambos. (Grifou-se)

Dessa forma, tanto o valor oriundo do FGTS como a parte do imóvel que com ele foi adquirida passaram a integrar o patrimônio comum do casal, devendo, por conseguinte, ser partilhados.

Note-se, contudo, que o Código Civil de 1916 apresenta uma contradição neste ponto, de tal sorte que, a despeito da redação do citado art. 271, poder-se-ia sustentar que os frutos civis do trabalho estão excluídos da comunhão parcial.

Ocorre que o enunciado normativo do art. 269, ao prever os bens que devem ser excluídos do patrimônio comum no regime da comunhão parcial de bens, remete ao art. 263, que, por sua vez, estabelece expressamente, em seu inciso XIII, que os frutos civis do trabalho ou indústria excluem-se da comunhão.

Transcrevo os mencionados dispositivos legais:


Art. 269. No regime de comunhão limitada ou parcial, excluem-se da comunhão:


I - os bens que cada cônjuge possuir ao casar, e os que lhe sobrevierem, na constância do matrimônio por doação ou por sucessão;


II - os adquiridos com valores exclusivamente pertencentes a um dos cônjuges, em sub-rogação dos bens particulares;


III - os rendimentos de bens de filhos anteriores ao matrimônio a que tenha direito qualquer dos cônjuges em consequência do pátrio poder;


IV - os demais bens que se consideram também excluídos da comunhão universal. (Grifou-se)


Art. 263. São excluídos da comunhão:


[...]


XIII - os frutos civis do trabalho ou indústria de cada cônjuge ou de ambos.


[...]

Ainda que se admitisse a aplicação de tais regras, contudo, não seria possível reconhecer-se a pretensão do recorrente.

Ocorre que tanto a doutrina como a jurisprudência têm interpretado tais dispositivos legais de forma restritiva, entendendo que a incomunicabilidade se limita ao valor depositado no Fundo de Garantia, não se estendendo ao valor quando sacado ou quando utilizado para a aquisição de bens, que, portanto, não se sub-rogam.

A incomunicabilidade, desse modo, se restringe ao direito ao recebimento dos frutos civis do trabalho, mas não aos valores. Uma vez percebidos, eles passam a integrar o patrimônio comum.

Neste ponto, importa citar Silvio Rodrigues, em comentário específico acerca do tema que, embora se refira à legislação civil atual, se amolda perfeitamente à matéria em discussão (RODRIGUES, Silvio. Direito Civil: Direito de família. v. 6. 28. ed. rev. e atual. São Paulo: Editora Saraiva, 2004, p. 183):


O direito ao recebimento de tais valores, ou seja, à pensão, montepio, meio-soldo, salários etc., não se comunica com o casamento, em virtude de seu caráter personalíssimo.


Mas, recebida a remuneração, o valor assim obtido entra no patrimônio do casal. Da mesma maneira, os bens adquiridos com seu produto.


[...]


Assim, no exato instante em que as referidas rendas se transformam em patrimônio, por exemplo, pela compra de bens, opera-se, em relação a estes, a comunhão, pela incidência da regra contida nos arts. 1.658 e 1.660, I, até porque não acrescenta o inciso em exame a hipótese e os bens sub-rogados em seu lugar.


Entendimento diverso contraria a essência do regime da comunhão parcial e levaria ao absurdo de só se comunicarem os aquestos adquiridos com o produto dos bens particulares e comuns ou por fato eventual, além dos destinados por doação ou herança ao casal.

Este é o entendimento atual deste Superior Tribunal de Justiça, que reconhece que não se deve excluir da comunhão os proventos do trabalho recebidos ou pleiteados na constância do casamento, sob pena de se desvirtuar a própria natureza do regime.

A comunhão parcial de bens, como é cediço, funda-se na noção de construção de patrimônio comum durante a vigência do casamento, com separação, grosso modo, apenas dos bens adquiridos ou originados anteriormente.

A respeito, cito lição de ilustres doutrinadores da matéria (OLIVEIRA, José Lamartine Corrêa de; MUNIZ, Francisco José Ferreira. Curso de Direito de Família. 3. ed. atual. Curitiba: Editora Juruá, 1999, p. 374-375):


Nos regimes de comunhão, os bens dos cônjuges são organizados de modo a formar uma massa comum. O regime tem uma real incidência sobre os bens e dá origem a uma determinada estrutura patrimonial.


Durante esses regimes, os bens comuns formam uma massa patrimonial que pertence globalmente a ambos os cônjuges, o que corresponder a uma comunhão sem cotas. O patrimônio comum não se reparte entre os cônjuges, por cotas determinadas.


[...]


E note-se que o regime de comunhão supõe uma preexistente relação entre os titulares: a relação matrimonial com a qual se encontra ligada e que produz para eles outros efeitos. Essa relação, que associa os cônjuges tão estreitamente nos múltiplos aspectos da vida, projeta-se sobre o plano patrimonial e explica a razão porque o direito à meação, de que cada cônjuge é titular no patrimônio comum, só é realizável depois de finda a sociedade conjugal.

De fato, os proventos de trabalho configuram os aquestos matrimoniais comuns por excelência, sendo que a incomunicabilidade, não somente deles mas também dos bens com eles adquiridos, como pretende o recorrente, levaria à inusitada conclusão de que, no regime de comunhão parcial de bens, o patrimônio comum estaria restrito ao frutos dos bens particulares, às doações realizadas ao casal e aos bens adquiridos por fato eventual, o que, a toda evidência, vai de encontro à natureza e à finalidade do instituto.

Os regimes de comunhão, quer total quer parcial, privilegiam a união de esforços de ambos os cônjuges na construção da vida matrimonial, valorizando não somente o aporte de bens ao patrimônio comum, mas também a contribuição realizada por meio de trabalho e dedicação à vida conjugal.

A interpretação literal dos dispositivos legais apontados não se coaduna com o regime da comunhão, conduzindo inevitavelmente a uma situação de injustiça, ainda mais evidente na hipótese em que um dos cônjuges não exerce atividade laboral.

Sua interpretação, portanto, deve ser restrita, de forma a harmonizá-los com a essência e com a finalidade do regime.

A corroborar tal entendimento, cito dois julgados desta Corte, de relatoria da eminente Ministra Nancy Andrighi, acerca dessa questão:


Direito civil e família. Recurso especial. Ação de divórcio. Partilha dos direitos trabalhistas. Regime de comunhão parcial de bens. Possibilidade.


- Ao cônjuge casado pelo regime de comunhão parcial de bens é devida à meação das verbas trabalhistas pleiteadas judicialmente durante a constância do casamento.


- As verbas indenizatórias decorrentes da rescisão de contrato de trabalho só devem ser excluídas da comunhão quando o direito trabalhista tenha nascido ou tenha sido pleiteado após a separação do casal.


Recurso especial conhecido e provido.


(REsp 646529/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 21/06/2005, DJ 22/08/2005, p. 266) (Grifou-se)


Direito civil. Família. Recurso especial. Divórcio direto. Embargos de declaração. Multa prevista no art. 538, parágrafo único, do CPC, afastada. Partilha de bens. Crédito resultante de execução. Ausência de interesse recursal. Eventuais créditos decorrentes de indenização por danos materiais e morais proposta por um dos cônjuges em face de terceiro. Incomunicabilidade. Créditos trabalhistas.


Comunicabilidade. Fixação dos alimentos. Razoabilidade na fixação.


Comprovação da necessidade de quem os pleiteia e da possibilidade de quem os presta.


[...]


- O ser humano vive da retribuição pecuniária que aufere com o seu trabalho. Não é diferente quando ele contrai matrimônio, hipótese em que marido e mulher retiram de seus proventos o necessário para seu sustento, contribuindo, proporcionalmente, para a manutenção da entidade familiar.


(REsp 1024169/RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 13/04/2010, DJe 28/04/2010 DECTRAB vol. 191, p. 105 LEXSTJ vol. 249, p. 117)

Ainda nesse sentido, porém analisando hipótese de comunhão universal merece menção outro precedente desta Corte da relatoria do eminente Min. Ruy Rosado, cuja ementa foi a seguinte:


REGIME DE BENS. Comunhão universal. Indenização trabalhista.


Integra a comunhão a indenização trabalhista correspondente a direitos adquiridos durante o tempo de casamento sob regime de comunhão universal.


Recurso conhecido e provido.


(REsp 421801/RS, Rel. Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR, QUARTA TURMA, julgado em 26/05/2003, DJ 15/12/2003, p. 314)

Enfim, o acórdão recorrido do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul alinhou-se perfeitamente à jurisprudência desta Corte, devendo ser mantido. ...» (Min. Paulo de Tarso Sanseverino).»

Doc. LegJur (130.3990.9000.1300) - Íntegra: Click aqui


Referência(s):
▪ Família (Jurisprudência)
▪ Casamento (Jurisprudência)
▪ Regime de bens (v. ▪ Casamento) (Jurisprudência)
▪ Comunhão parcial (v. ▪ Casamento) (Jurisprudência)
▪ FGTS (v. ▪ Regime de bens) (Jurisprudência)
▪ Fruto civil (v. ▪ Casamento) (Jurisprudência)
▪ Comunicabilidade (v. ▪ Regime de bens) (Jurisprudência)
▪ Hermenêutica (Jurisprudência)
▪ Partilha (v. ▪ Regime de bens) (Jurisprudência)
▪ CCB, art. 263, XIII
▪ CCB, art. 269, IV
▪ CCB, art. 271, VI
▪ CCB/2002, art. 1.659, II e VI
▪ CCB/2002, art. 2.039
▪ CF/88, art. 7º, III.
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