Jurisprudência em Destaque

STJ. 3ª T. Comodato. Mora do comodatário em restituir o imóvel emprestado. Fixação unilateral de aluguel pelo comodante. Possibilidade desde que não ocorra abuso de direito. Princípio da boa-fé objetiva. Considerações do Min. Paulo de Tarso Sanseverino sobre a correta exegese da parte final do art. 582 do CCB/2002. Súmula 306/STJ. CCB/2002, arts. 187, 422, 575 e 582. CCB, arts. 1.196 e 1.252.

Postado por Emilio Sabatovski em 22/10/2012
... A polêmica central do recurso especial, devolvida ao conhecimento desta Turma, situa-se em torno da correta interpretação da segunda parte do enunciado normativo do artigo 582 do Código Civil, ao regular a fixação unilateral de aluguel pelo comodante na hipótese de mora do comodatário na restituição da coisa emprestada, verbis:


Art. 582. O comodatário é obrigado a conservar, como se sua própria fora, a coisa emprestada, não podendo usá-la senão de acordo com o contrato ou a natureza dela, sob pena de responder por perdas e danos. O comodatário constituído em mora, além de por ela responder, pagará, até restituí-la, o aluguel da coisa que for arbitrado pelo comodante.

O caso em julgamento refere-se a uma ação de rescisão de contrato de comodato cumulada com pedidos de indenização e reintegração ou imissão na posse do imóvel.

O ponto controvertido situa-se em torno do arbitramento de um aluguel pela empresa comodante no valor mensal de R$ 1.500,00 na petição inicial, que foi reduzido pelas instâncias de origem para R$ 830,00, com base na média do mercado locativo.

A questão é relevante, pois, com fundamento na parte final do dispositivo legal acima aludido, a empresa recorrente sustenta que o arbitramento do quantum devido a título de aluguel configura direito potestativo, cabendo ao proprietário do bem dado em comodato fixá-lo como entender de direito.

A correta interpretação desse enunciado normativo tem suscitado controvérsia doutrinária, centrada em torno da natureza desse aluguel (penalidade pela mora ou indenização pela ocupação indevida do imóvel emprestado).

Na doutrina, merece destaque a lição de Maurício Scheinman no sentido de o aluguel pode ser fixado unilateralmente pelo comodante, se não havia prévia estipulação no contrato de comodato, desde que observados os valores cobrados no mercado, porque o fim da norma não é enriquecer o comodante, mas ressarci-lo por não ter a coisa dada em comodato, no prazo estabelecido. Afirma o autor, verbis:


O aluguel da coisa dada em comodato deverá ser pago sempre que houver atraso na devolução. Pode ser estipulado pelo juiz ou então previamente acertado em contrato pelas partes. Quando estipulado pelo juiz, este ouvirá o comodante que é normalmente o único prejudicado. Quando o aluguel já foi previamente contratado, não há que se formular qualquer consulta neste sentido, apenas devendo-se cumprir o disposto no contrato.


Não sendo previsto no contrato tal aluguel, deverá o mesmo ser inicialmente arbitrado pelo comodante. Tal relação deverá ocorrer da seguinte forma: o juiz indagará ao comodante qual o valor do aluguel da coisa e, sendo este valor justo e que atenda ao princípio do equilíbrio contratual, o juiz decidirá por estipulá-lo como sendo o devido pelo comodatário.


Cabe ressaltar que a idéia não é de enriquecimento por parte do comodante. Apenas cabe ao comodatário ressarcir o comodante de seu prejuízo por não ter visto a coisa restituída conforme havia sido combinado. Por outro lado pode ser que nem ao menos tenha havido qualquer prejuízo, mas o ressarcimento deve ser feito pelo simples fato de o empréstimo ter sido feito a título gratuito e de ser a obrigação de restituir, a única obrigação imposta ao comodatário.


Desta forma, conclui-se que a coisa dada em comodato não pode acarretar ônus ao comodante e tampouco ao comodatário. Porém, este último, não cumprindo a única obrigação do contrato de comodato que é devolver a coisa sem incorrer em mora, obviamente , deverá pagar aluguel e a mora da coisa emprestada (Comentários ao Código civil brasileiro, v.6: do direito das obrigações. Maurício Scheinman... [et al.]; coordenadores Arruda Alvim, Thereza Alvim e Alexandre Laizo Clápis. Rio de Janeiro: Forense, 2009. pp. 50/51) (Sem grifos no original).

Com a devida vênia, porém, tenho que a natureza prevalente desse instituto é de uma autêntica pena privada, tendo por objetivo central coagir o comodatário a restituir o mais rapidamente possível a coisa emprestada, que indevidamente não foi devolvida no prazo legal.

Em sede doutrinária, tive oportunidade de sustentar essa opinião na obra Contratos Nominados II (São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, p. 288):


O comodante poderá ainda, para compelir o comodatário a restituir a coisa mais rapidamente, arbitrar um aluguel-pena.


A regra da 2ª parte do art. 582 do CC/2002 aperfeiçoou a norma do art. 1.252 do CC/1916, deixando claro que o arbitramento do aluguel é uma faculdade do comodante.


O montante arbitrado poderá ser superior ao valor de mercado do aluguel locatício, pois a sua finalidade não é transmudar o comodato em locação, mas coagir o comodatário a restituir o mais rapidamente possível a coisa emprestada.


Entretanto, se esse arbitramento ocorrer em valor exagerado, poderá ser objeto de controle judicial, podendo-se aplicar, analogicamente, a regra do parágrafo único do art. 575 do CC/2002, que, no aluguel-pena fixado pelo locador, confere ao juiz a faculdade de redução quando o valor arbitrado se mostre manifestamente excessivo ou abusivo (Miguel Reale, Visão geral do Código Civil, p. XVI).


O grande cuidado que deve ter o juiz, no controle judicial do aluguel arbitrado pelo comodante, é atentar para a sua natureza penal. Assim, esse aluguel-pena não deve respeito ao preço de mercado.


Nesse controle, merece lembrança a doutrina que, interpretando o art. 1.196 do CC/1916 (atual art. 575 do CC/2002), já recomendava que, mantida a natureza penal do aluguel, o novo montante não deveria ultrapassar o dobro do seu valor de mercado (Sylvio Capanema de Souza, p. 84).


Essa lição tem plena aplicação ao aluguel-pena do comodato, que não deve ultrapassar o dobro do preço de mercado dos locativos correspondentes ao imóvel emprestado.


O arbitramento do aluguel-pena será feito pelo comodante na notificação dirigida ao comodatário para entrega da coisa emprestada ou para desocupação do imóvel. Preferencialmente, esse arbitramento deve ser efetuado através de notificação judicial. Poderá, entretanto, ser feito também através de notificação extrajudicial.


O importante é que a fixação desse aluguel não altera a natureza jurídica da relação contratual, que continua sendo comodato, ensejando ao comodante as mesmas ações judiciais para reaver a coisa.


Equivocada a opinião de Orlando Gomes (p. 352) no sentido de que ocorre mudança na natureza da relação contratual no momento em que o comodatário deve pagar aluguéis ao comodante, transformando-se em locatário.


Na realidade, o contrato continua sendo de comodato, não sendo sequer cabível, conforme a correta observação de Arnaldo Marmitt (p. 140), a propositura de ação de despejo pelo comodante para reaver a coisa do comodatário.

Naturalmente, conforme consignado que esse arbitramento do aluguel pena não pode ser feito de forma abusiva, devendo respeito aos princípios da boa-fé objetiva (art. 422, CC), da vedação ao enriquecimento sem causa e do repúdio ao abuso de direito (art. 187, CC).

Nessa mesma linha, também em sede doutrinária, a lição dos ilustres integrantes desta Turma, Ministra Nancy Andrighi e Ministro Sidnei Beneti, acompanhados da eminente Desembargadora Vera Andrighi, verbis:


A segunda parte do artigo 582 cuida das hipóteses de constituição em mora. Ao comodatário é imposto o pagamento de aluguel, enquanto estiver em mora, quanto ao dever de restituição. O valor pode ser apresentado pelo autor já na petição inicial, nada impedindo que seja fixado no curso da ação, sob o respaldo do conjunto fático-probatório coligido ao processo, retroagindo os efeitos da condenação à data da constituição em mora.


Esse aluguel é de natureza indenizatória por força do uso indevido da coisa e não tem o condão de transformar o negócio em locação. Nem seria admissível deduzir do inadimplemento de uma obrigação a criação de um novo contrato, perfeito e jurídico. E, se tal ocorresse, simplesmente deixaria de haver uma sanção a essa responsabilidade. Saliente-se, ademais, que o aluguel é imposto tanto para as coisas móveis como para os imóveis, sem distinção.


O valor da indenização pode ser previamente estabelecido pelas partes, mediante cláusula penal, exigível quando verificado o esbulho pela recusa na restituição da coisa.


Não pode essa fixação, porém, ser abusiva, aplicando-se aqui, por analogia, o disposto no art. 413 do CC, que encampa o princípio da onerosidade excessiva, visando a assegurar a função social do contrato, e permite ao juiz a redução equitativa da multa se o montante da penalidade for manifestamente excessivo, tendo-se em vista a natureza e a finalidade do negócio.


A constituição em mora do comodatário se configura a partir do esbulho, o qual ocorre com o descumprimento do prazo para a devolução da coisa, embora notificado sobre o termo contratual. Com a mora caracterizada, passam a ser devidos pelo comodatário os aluguéis (Comentários ao Novo Código Civil, v. IX: Das várias espécies de contratos, do empréstimo, da prestação de serviço, da empreitada, do depósito. Nancy Andrighi, Sidnei Beneti, Vera Andrighi; coordenador: Sálvio de Figueiredo Teixeira. Rio de Janeiro: Forense, 2008. pp. 84-85).

Da leitura conjunta do dispositivo regente da matéria e dos excertos doutrinários supracitados, conclui-se que, constituído em mora o comodatário, fica ele obrigado ao pagamento do aluguel estipulado pelo comodante.

O montante do aluguel pena, porém, para não se caracterizar como abusivo, não pode ser superior ao dobro da média do mercado, pois não deve também servir de meio para o enriquecimento injustificado do comodante.

No caso, as instâncias ordinárias reconheceram a ocorrência abusividade do valor estipulado pelo comodante (R$ 1.500,00 mensais), reduzindo-o para quantia consentânea com a praticada na região (R$ 830,00 mensais).

É o que se depreende da leitura do seguinte excerto, retirado do voto condutor do acórdão proferido em sede de apelação:


Como bem consignado na sentença: O valor da indenização também não será o de R$ 1.500,00 apontados na inicial. Não há nada no processo dando conta desse valor para imóveis semelhantes ao objeto da controvérsia. O réu trouxe as fls. 139/140, estimativas de valor de locação de imóveis naquela região e a autora, na impugnação à resposta, não trouxe nada que se contrapusesse ao valor locativo indicado pelo réu. Pelo histórico apresentado o maior valor de locação varia de R$ 9,09 até R$ 5,91 o metro quadrado, bastando que se faça a divisão dos valores apresentados pela metragem de cada um dos apartamentos com base nas estimativas de fls. 139/140. O imóvel ocupado pelo réu nos termos da matrícula de fls. 22/23, tem aproximadamente 108,00 m2, daí porque fixo o valor da indenização em R$ 7,7 o metro quadrado para a locação do que resulta em R$ 830,00 mensais como valor do aluguel devido pelo réu desde a citação até a efetiva devolução do imóvel. (e-STJ fl. 885).

Entretanto, como o valor arbitrado a título de aluguel-pena ficou aquém do dobro da média do mercado locativo, conforme reconhecido pelo acórdão recorrido, devendo-se manter o montante estipulado pelo comodante de R$ 1.500,00.

De outro lado, no que toca à sucumbência, diante da modificação do valor do aluguel-pena, deve-se reconhecer a sucumbência integral do réu, ora recorrido.

Com isso, restam prejudicados os pedidos de revisão da sucumbência e de compensação dos honorários advocatícios (Súmula 306/STJ).

Ante o exposto, dou provimento ao recurso especial para manter o valor arbitrado a título de aluguel-pena de mil e quinhentos reais (R$ 1.500,00), reconhecendo a sucumbência integral do recorrido e julgando prejudicado o pedido de compensação dos honorários advocatícios (Súmula 306/STJ). ... (Min. Paulo de Tarso Sanseverino).

Doc. LegJur (127.0531.2000.9200) - Íntegra: Click aqui


Referência(s):
▪ Comodato (Jurisprudência)
▪ Mora (Jurisprudência)
▪ Comodatário (v. ▪ Comodato) (Jurisprudência)
▪ Aluguel (v. ▪ Comodato) (Jurisprudência)
▪ Comodante (v. ▪ Comodato) (Jurisprudência)
▪ Abuso de direito (Jurisprudência)
▪ Boa-fé objetiva (Jurisprudência)
▪ Princípio da boa-fé objetiva (Jurisprudência)
▪  Súmula 306/STJ (Honorários advocatícios. Sucumbência recíproca. Compensação. Admissibilidade. Lei 8.906/94, art. 23. CPC, art. 21).
▪ CCB/2002, art. 187
▪ CCB/2002, art. 422
▪ CCB/2002, art. 575
▪ CCB/2002, art. 582
▪ CCB, art. 1.196
▪ CCB, art. 1.252
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