Jurisprudência em Destaque

STJ. 3ª T. Ação pauliana. Prazo decadencial. Decadência. Ação de natureza pessoal. Aplicação apenas do CPC, art. 10, II. Cônjuge do devedor que participou do ato fraudulento. Litisconsórcio necessário. Citação de litisconsorte necessário unitário após decorrido o prazo para a propositura da ação. Não-configuração da decadência. Direito potestativo que se considera exercido no momento do ajuizamento da demanda. Ausência de violação ao art. 178, § 9º, V, «b», do CCB. Considerações do Min. Paulo de Tarso Sanseverino sobre o tema. CCB, art. 106. CCB/2002, art. 158. CPC, art. 47.

Postado por Emilio Sabatovski em 08/10/2012
«... Quanto à alegada violação ao art. 178, § 9º, inciso V, alínea b, do Código Civil de 1916, tampouco assiste razão aos recorrentes.

Esclareço, de início, que o presente recurso especial não versa acerca das questões referentes à ação pauliana que comumente são analisadas por esta Corte.

De fato, não mais se discute se configura fraude aos credores a doação, operada no caso em tela, de todos os bens imóveis do devedor aos seus filhos. Tampouco se discute o marco inicial da contagem do prazo para a propositura da ação pauliana.

A controvérsia cinge-se ao reconhecimento da decadência, por terem alguns dos litisconsortes necessários sido citados apenas após decorrido o prazo de quatro anos para o ajuizamento da ação pauliana.

O autor ajuizou a presente ação contra o devedor - avalista de cédulas rurais pignoratícias - e contra seus filhos, a quem foi doado seu patrimônio. Posteriormente, após os réus terem acenado acerca da necessidade de seus respectivos cônjuges comporem igualmente o pólo passivo, e quando já transcorrido o prazo de quatro anos, houve a citação dos demais réus.

Antes de mais nada, necessário averiguar se há efetivamente a necessidade de citação dos cônjuges do doador e dos donatários na ação em comento.

Como é cediço, a ação pauliana tem natureza pessoal, e não real, uma vez que os credores não têm qualquer direito sobre os bens alienados, mas apenas garantias consubstanciadas na pessoa do devedor, decorrentes da obrigação por ele assumida.

A respeito, cito abalizada doutrina acerca da matéria (CAHALI, Yussef Said. Fraude contra credores: fraude contra credores, fraude à execução, ação revocatória falencial, fraude à execução fiscal, fraude à execução penal. 3. ed. rev. e atual com o novo código civil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 334):


A ação revocatória é pessoal, uma vez que se funda sobre uma relação jurídica obrigatória existente entre os credores e o demandado: os credores, exercendo esta ação em nome próprio, não podem fazer valer senão os direitos que lhes competem sobre o patrimônio do devedor, direitos que certamente não são de caráter real; e, por outro lado, a ação somente pode dirigir-se contra aqueles que são pessoalmente obrigados em relação aos credores, seja em razão da cumplicidade na fraude, seja em razão de um indevido locupletamento; a ação pauliana não é exercitável contra qualquer possuidor, como o seria se se tratasse de uma ação real, mas apenas contra aquele que adquiriu o bem em consílio fraudulento com o devedor, ou contra aquele que, embora não havendo adquirido de má-fé, tenha auferido do ato fraudulento uma vantagem efetiva; e tanto isto é certo que se o primeiro adquirente, «conscius fraudis», aliena em favor de um segundo, o qual ao invés adquiriu de boa-fé, em relação a este último, não é exercitável a ação revocatória (CC, art. 109, parte final; art. 161 do NOVO CÓDIGO CIVIL).

Sendo assim, não se tratando de ação real, não está configurada a hipótese prevista no inciso I do parágrafo 1º art. 10 do Código de Processo Civil, que dispõe:


§ 1º Ambos os cônjuges serão necessariamente citados para as ações:


I - que versem sobre direitos reais imobiliários;


II - resultantes de fatos que digam respeito a ambos os cônjuges ou de atos praticados por eles;


III - fundadas em dívidas contraídas pelo marido a bem da família, mas cuja execução tenha de recair sobre o produto do trabalho da mulher ou os seus bens reservados;


IV - que tenham por objeto o reconhecimento, a constituição ou a extinção de ônus sobre imóveis de um ou de ambos os cônjuges.

Não haveria, portanto, necessidade de citação dos cônjuges.

Todavia, quanto à esposa do devedor, deve-se fazer uma ressalva.

Ocorre que ela também figura como doadora dos bens, tendo participado do negócio jurídico fraudulento. Incide ao caso, desse modo, o inciso II do acima mencionado dispositivo legal, sendo imprescindível que ela figure no pólo passivo da lide.

Destarte, a ré Júlia Lecy Soares Longaray é litisconsorte passiva necessária, sendo que sua citação extemporânea deve efetivamente ser analisada no presente caso, para fins de verificação de decadência.

Os recorrentes alegam que o acórdão recorrido incidiu em violação ao art. 178, § 9º, inciso V, alínea b, do Código Civil de 1916, bem como que divergiu do que restou decidido no julgamento do REsp 32.800-0/SP.

Ressalto que há, efetivamente, divergência entre o acórdão recorrido e o julgado apontado, tendo sido comprovada a similitude fática por meio de cotejo analítico. Considerando, contudo, que a decisão apontada como paradigma configura precedente isolado, proferida há quase vinte anos, tenho que se mostra cabível o reexame da situação.

A despeito de estar expresso no art. 178, § 9º, inciso V, alínea b, do Código Civil de 1916 que as ações para anular contratos por fraude prescrevem em quatro anos, a doutrina e a jurisprudência pátrias, há muito, vem entendendo que este texto legal padece de imprecisão técnica.

De fato, a natureza de tal prazo é de decadência, e não de prescrição, considerando que a desconstituição de negócio jurídico realizado com fraude configura direito potestativo do credor, ainda que somente possa ser realizado por meio de ação judicial.

Por oportuno, cito lição de Câmara Leal (LEAL, Antônio Luís da Câmara; Da prescrição e da decadência: teoria geral do direito civil. 3. ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 1978, p. 107-108):


Posto que o direito e a ação sejam essencialmente distintos, casos há em que se como que se identificam. Isso se dá quando o direito atribuído ao titular consiste precisamente em torná-lo efetivo por meio da ação judicial.


Se a ação não tem por fim proteger um direito a ela anterior, oriundo de um fato objetivamente diverso daquele de que se origina a ação, mas tem por fim fazer valer um direito que nasce, juntamente com ela, do mesmo fato, o direito e a ação se confundem. Assim, na ação rescisória da venda de imóvel pela lesão, apontada por PLANIOL & RIPERT como caso de decadência, o direito de rescindir a venda e a ação para rescindi-la nascem, simultaneamente, do mesmo fato - a lesão. A ação, nessa hipótese, é o único meio de que dispõe o titular para o exercício de seu direito à rescisão, e, por isso, ela se identifica com o próprio direito.


Eis porque, consistindo o exercício do direito no próprio exercício da ação, o prazo prefixado para esse exercício é um prazo a que fica subordinado o direito, donde o seu caráter de prazo de decadência, e não de prescrição.

Cumpre citar, novamente, o ilustre Yussef Said Cahali, em comentário específico acerca do dispositivo legal cuja violação ora se alega (CAHALI, Yussef Said. Fraude contra credores: fraude contra credores, fraude à execução, ação revocatória falencial, fraude à execução fiscal, fraude à execução penal. 3. ed. rev. e atual com o novo código civil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 453-454):


Há dúvida quanto a tratar-se, o referido prazo, de extinção do direito (decadência) ou de extinção da ação respectiva (prescrição).


A respeito, escrevemos anteriormente: A doutrina (coincidentes Câmara Leal, Agnelo Amorim Filho e Calmon de Passos) e a jurisprudência têm entendido como sendo de «decadência» o prazo especial fixado no art. 178 do CC, para a ação de anulação ou rescisão de contratos para os quais não se tenha estabelecido menor prazo ( § 9º, V).


E, com base na doutrina, esse entendimento vem sendo reafirmado pelos nossos tribunais, não havendo razão para modificá-lo, tratando-se, assim, de prazo que não se sujeita a causas suspensivas, e só se interrompe com o ajuizamento oportuno da ação.


Aliás, o NOVO CÓDIGO CIVIL é expresso em enquadrar como sendo de decadência o prazo de quatro anos para pleitear-se a anulação do negócio jurídico por fraude contra credores (art. 178, II), prazo contato do dia em que se realizou o negócio jurídico.

A questão que se coloca neste momento consiste em definir qual o marco interruptivo do prazo de decadência, quando então se considera exercitado o direito potestativo de desconstituir negócio jurídico realizado com fraude aos credores.

Tenho que tal marco se dá com o simples ajuizamento da ação pauliana, momento em que o credor salvaguarda seu direito e a partir do qual não mais corre o prazo de decadência.

Como é sabido, o prazo de decadência não se suspende e tampouco se interrompe, de tal sorte que não há como se lhe aplicar o disposto no art. 219, § 1º, do Código de Processo Civil, que trata justamente da interrupção da prescrição.

Impossibilitada a aplicação do mencionado dispositivo, e ausente qualquer norma expressa a respeito, deve-se buscar solução que se coadune com o instituto da decadência.

A prescrição configura a perda do direito de propor a ação com a finalidade de tutelar a pretensão resistida, ameaçada ou violada. Pressupõe, portanto, a existência de direito atual e certo, cujo livre exercício encontra-se condicionado a uma conduta da outra parte.

A necessidade de angularização do processo para que seja interrompido o decurso do prazo prescricional decorre da própria natureza do direito cujo exercício é objeto da prescrição, que configura a ratio legis do art. 219 do Código de Processo Civil.

A decadência, em contrapartida, consiste na faculdade de agir que é atribuída ao titular. A tal faculdade, considerada direito em potência, se dá o nome de direito potestativo, uma vez que seu exercício depende pura e simplesmente de ato de seu titular, que lhe impõe à outra parte.

A análise da etimologia da expressão «direito potestativo», mais do que mero exercício de curiosidade histórica, serve a perquirir a essência do instituto.

O titular do direito potestativo tem a potestas de exercer seu direito, vale dizer, ao manifestar sua vontade de exercê-lo, não está condicionado à conduta da outra parte.

Isso é evidente em casos como o do direito de preferência, no qual, manifestada a vontade do titular, o exercício da preferência não depende da vontade do alienante.

Mutantis mutandis, a mesma situação se verifica quando o direito potestativo depender necessariamente de ação judicial para ser exercido.

Nessas hipóteses, como a presente, o fato de a própria ação ser a manifestação do direito potestativo faz com a necessidade de angularização do processo se torne enfraquecida.

O direito, portanto, é exercido no momento da propositura da ação, razão pela qual, a partir de então, não mais corre o prazo de decadência, conclusão que somente pode ser afastada nos casos em que a ação é manifestamente inadmissível.

Neste ponto, recorro novamente à esclarecedora lição do saudoso doutrinador Câmara Leal (LEAL, Antônio Luís da Câmara; Da prescrição e da decadência: teoria geral do direito civil. 3. ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 1978, p. 107-108):


Somente o exercício efetivo do direito, dentro do termo a ele prefixado, impede a decadência.


Em se tratando de direito cujo exercício consiste na proposição da ação judicial, isto é, tratando-se da impropriamente denominada decadência da ação, essa decadência só é impedida pelo exercício da ação, antes de esgotado o prazo extintivo.


Cumpre, porém, notar que a ação, para produzir esse efeito obstativo da decadência, não deve ser nula por incompetência de foro ou de juízo, ou por defeito de forma, nem tornar-se perempta, nem vir a cessar por desistência.

Tenho, pois, que a decadência só não é obstada pelo ajuizamento da ação quando houver o reconhecimento de incompetência ou de defeito de forma, ou quando se puder inferir que a vontade do titular de exercer o direito não mais existe, como nos casos de perempção ou de desistência, o que não se configura no presente caso.

Nesse contexto, deve-se concluir que, na hipótese em tela, a decadência foi obstada no momento da propositura da demanda, não somente em relação aos réus inicialmente citados, mas inclusive contra a ré Júlia Lecy Soares Longaray.

Destarte, não há, no acórdão recorrido, qualquer ofensa ao art. 178, § 9º, inciso V, alínea b, do Código Civil de 1916. ...» (Min. Paulo de Tarso Sanseverino).»

Doc. LegJur (126.5910.6000.2300) - Íntegra: Click aqui


Referência(s):
▪ Ação pauliana (Jurisprudência)
▪ Prazo decadencial (Jurisprudência)
▪ Decadência (Jurisprudência)
▪ Ação de natureza pessoal (v. ▪ Ação pauliana) (Jurisprudência)
▪ Litisconsórcio necessário (v. ▪ Ação pauliana) (Jurisprudência)
▪ CPC, art. 10, II
▪ CPC, art. 47
▪ CCB, art. 106
▪ CCB, art. 178, § 9º, V, «b»
▪ CCB/2002, art. 158.
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