Jurisprudência em Destaque

STJ. 6ª T. Servidor público. Concurso público. Administrativo. Candidato anteriormente demitido do serviço público federal. Negativa de nomeação em cargo do poder público estadual. Ofensa ao princípio da legalidade. Princípio da moralidade. Considerações da Minª. Maria Thereza de Assis Moura sobre o tema. CF/88, arts. 5º, II e 37, «caput» e II e 84, IV. Lei 8.112/1990, art. 137, parágrafo único.

Postado por Emilio Sabatovski em 04/09/2012
«... O cerne da controvérsia cinge-se à interpretação e aplicação dos princípios da moralidade e da legalidade insculpidos no artigo 37, «caput», da Constituição Federal.

É que, em estando ambos os princípios ladeados entre os regentes da Administração Pública, a discussão ganha relevância na hipótese em que o administrador edita ato em obséquio ao imperativo constitucional da moralidade, mas sem previsão legal específica.

E, acerca dos princípios constitucionais em cotejo, perlustra Celso Antônio Bandeira de Mello o seguinte:


2º) Princípio da legalidade


7. Este é o princípio capital para a configuração do regime jurídico-administrativo. Justifica-se, pois, que seja tratado - como o será - com alguma extensão e detença. Com efeito, enquanto o princípio da supremacia do interesse público sobre o interesse privado é da essência de qualquer Estado, de qualquer sociedade juridicamente organizada com fins políticos, o da legalidade é específico do Estado de Direito, é justamente aquele que o qualifica e que lhe dá identidade própria. Por isso mesmo é o princípio basilar do regime jurídico-administrativo, já que o Direito Administrativo (pelo menos aquilo que como tal se concebe) nasce com o Estado de Direito: é uma consequência dele. É o fruto da submissão do Estado à lei. É, em suma, a consagração da idéia de que a Administração Pública só pode ser exercida na conformidade da lei e que, de conseguinte, a atividade administrativa é atividade sublegal, infralegal, consistente na expedição de comandos complementares à lei.


Para avaliar corretamente o princípio da legalidade e captar-lhe o sentido profundo cumpre atentar para o fato de que ele é a tradução jurídica de um propósito político: o de submeter os exercentes do poder em concreto - o administrativo - a um quadro normativo que embarque favoritismos, perseguições ou desmandos. Pretende-se através da norma geral, abstrata e por isso mesmo impessoal, a lei, editada, pois, pelo Poder Legislativo - que é o colégio representativo de todas as tendências (inclusive minoritárias) do corpo social -, garantir que a atuação do Executivo nada mais seja senão a concretização desta vontade geral.


(...) Deveras, o princípio da legalidade, como é óbvio, tem em cada país, o perfil que lhe haja atribuído o respectivo Direito Constitucional. Assim, em alguns será estrito, ao passo que em outros possuirá certa flexibilidade, da qual resulta, para a Administração, um campo de liberdade autônoma, que seria juridicamente inimaginável ante nossas Constituições.


(...)


No Brasil, o princípio da legalidade, além de assentar-se na própria estrutura do Estado de Direito e, pois, do sistema constitucional como um todo, está radicado especificamente nos arts. 5º, II, 37, «caput», e 84, IV, da Constituição Federal. Estes dispositivos atribuem ao princípio em causa uma compostura muito estrita e rigorosa, não deixando válvula para que o Executivo se evada de seus grilhões. É, aliás, o que convém a um paíse de tão acentuada tradição autocrática, despótica, na qual o Poder Executivo, abertamente ou através de expedientes pueris - cuja pretensa juridicidade não iludiria sequer a um principiante -, viola de modo sistemático direitos e liberdades públicas e tripudia à vontade sobre a repartição de poderes.


Nos termos do art. 5º, II, ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei. Ai não se diz em virtude de decreto, regulamento, resolução, portaria ou quejandos. Diz-se em virtude de lei. Logo, a Administração não poderá proibir ou impor comportamento algum a terceiro, salvo se estiver previamente embasada em determinada lei que lhe faculte proibir ou impor algo a quem quer que seja. Vale dizer, não lhe é possível expedir regulamento, instrução, resolução, portaria ou seja lá que ato for para coartar a liberdade dos administrados, salvo se em lei já existir delineada a contenção ou imposição que o ato administrativo venha a minudenciar.


10º) Princípio da moralidade administrativa.


23. De acordo com ele, a Administração e seus agentes têm de atuar na conformidade de princípios éticos. Violá-los implicará violação ao próprio Direito, configurando ilicitude que assujeita a conduta viciada a invalidação, porquanto tal princípio assumiu foros de pauta jurídica, na conformidade do art. 37 da Constituição. Compreendem-se em seu âmbito, como é evidente, os chamados princípios da lealdade e boa-fé, tão oportunamente encarecidos pelo mestre espanhol Jesús Gonzáles Perez em monografia preciosa. Segundo os cânones da lealdade e da boa-fé, a Administração haverá de proceder em relação aos administrados com sinceridade e lhaneza, sendo-lhe interdito qualquer comportamento astucioso, eivado de malícia de maneira a confundir, dificultar a minimizar o exercício de direito por parte dos cidadãos.


Por força mesmo destes princípios da lealdade e boa-fé, firmou-se o correto entendimento de que orientações firmadas pela Administração em dada matéria não podem, sem prévia e pública notícia, ser modificadas em casos concretos para fins de sancionar, agravar a situação dos administrados ou denegar-lhes pretensões, de tal sorte que só se aplicam aos casos ocorridos depois de tal notícia.


(...)


Márcio Cammarosano, e monografia de indiscutível valor, sustenta que o princípio da moralidade não é uma remissão à moral comum, mas está reportado aos valores morais albergados nas normas jurídicas. Quanto a nós, também entendendo que não é qualquer ofensa à moral social que se considerará idônea para dizer-se ofensiva ao princípio jurídico da moralidade administrativa, entendemos que este será havido como transgredido quando houver violação a uma norma de moral social que traga consigo menosprezo a um bem juridicamente valorado. Significa, portanto, um reforço ao princípio da legalidade, dando-lhe um âmbito mais compreensivo do que normalmente teria.»


(in «Curso de Direito Administrativo, 25ª ed., Malheiros, p. 99/120).

Vê-se, pois, que o princípio da legalidade é a própria expressão do Estado Democrático de Direito, pautando toda a conduta da Administração Pública, de modo a garantir que a sua atuação seja submetida não à vontade do administrador, mas à vontade da lei, legitimada pelo poder que foi atribuído ao legislador eleito pelo povo.

E, por força do disposto nos artigos 5º, II, 37, «caput», e 84, IV, da Constituição Federal, no Brasil, a legalidade na Administração Pública é estrita, não podendo o gestor atuar senão em virtude de lei, extraindo dela o fundamento jurídico de validade dos seus atos.

O princípio da moralidade, de seu lado, impõe ao administrador a observância aos bens juridicamente valorados, vale dizer, impõe-lhe o cumprimento da lei por respeito ao dever, inexistindo moralidade autônoma da legalidade.

Com efeito, «A Constituição referiu-se expressamente ao princípio da moralidade no art. 37, «caput». Embora o conteúdo da moralidade seja diverso do da legalidade, o fato é que aquele está normalmente associado a este. Em algumas ocasiões, a imoralidade consistirá na ofensa direta à lei e aí violará, ipso facto, o princípio da legalidade. Em outras, residirá no tratamento discriminatório, positivo ou negativo, dispensado a administrado, nesse caso, vulnerado estará também o princípio da impessoalidade, requisito, em última análise, da legalidade da conduta administrativa.» (José do Santos Carvalho Filho, Manual de Direito Administrativo, 20ª ed., Lumen Juris Editora, p. 19).

No presente caso, o impetrante foi aprovado em concurso público para os cargos de Analista-Fiscal de Contas Públicas e de Analista Administrativo do Tribunal de Contas do Estado de Roraima, mas teve sua nomeação recusada pela autoridade apontada como coatora em virtude de anterior demissão dos Quadros da Polícia Rodoviária Federal por ato de improbidade administrativa (infringência aos arts. 116, II, III e IX, 117, IX, XI e XII e 132, IV, da Lei 8.112/90) , por meio da Portaria nº 501/2008, assim motivada:

[...].

Ocorre, contudo, que ao contrário do que alega o recorrente, o princípio da moralidade administrativa não é aplicável independentemente de expressa previsão legal, não podendo ser invocado pelo administrador para obstar, dificultar, minimizar o exercício de direito por parte dos cidadãos, como bem anotado pelo ilustre doutrinador.

Ademais, os princípios da lealdade e da boa-fé, corolários do princípio da moralidade, impõem ao administrador conduta previsível, porque prevista em prévia lei, não sendo legal, nem justo, nem razoável, na fase da nomeação, a criação de restrições não impostas pela lei e pelo edital de regência do certame.

Assim, incorre em abuso de poder a negativa de nomeação de candidato regularmente aprovado em concurso para o exercício de cargo no serviço público estadual em virtude de anterior demissão no âmbito do Poder Público Federal se inexistente lei específica, não tendo invocação ampliativa a norma proibitiva do parágrafo único do artigo 137 da Lei 8.112/1990, porque obstativa do reingresso apenas na esfera federal.

Vale invocar, outrossim, a percuciente fundamentação lançada no parecer da ilustre representante do Ministério Público Federal:


Em que pese a argumentação da autoridade impetrada, encampada pela Corte a quo, tal decisão está despida de legalidade, violando direito líquido e certo do impetrante/recorrente.


Conforme admitido na própria decisão recorrida, a negativa de nomeação não encontra qualquer amparo na lei ou no edital do concurso público, não podendo basear-se unicamente no princípio da moralidade administrativa. Este, como todo princípio, não é absoluto, devendo conformar-se com outros postulados do ordenamento jurídico.


Sem qualquer pretensão de estimular a impunidade ou os atos de improbidade administrativa, deve-se notar que o princípio da moralidade veio efetivamente à tona quando o servidor foi demitido do cargo anteriormente ocupado e afastado do serviço público federal.


Após a grave punição, supostamente merecida, buscou nova ocupação e fonte de sustento, logrando êxito ao ser aprovado e classificado em concurso público estadual.


E agora, ele não poderá ser nomeado por carregar o estigma da demissão? Não parece razoável. Senão vejamos.


Primeiramente, é incontroversa a inexistência de qualquer restrição legal ou editalícia à nomeação do recorrente no serviço público estadual com base na demissão anteriormente ocorrida no serviço público federal.


Note-se que o art. 137, «caput» e parágrafo único, da Lei 8.112/90 não é aplicável ao caso dos autos, pois os seus preceitos impedem a nova investidura do servidor (temporária ou perpétua) em cargo do serviço Público federal:


«Art. 137 - A demissão ou a destituição de cargo em comissão, por infringência do art. 117, incisos IX c XI, incompatibiliza o ex-servidor para nova investidura cm cargo público federal, pelo prazo de 5 (cinco) anos.


Parágrafo Único - Não poderá retornar ao serviço público federal o servidor que for demitido ou destituído do cargo em comissão por infringência do art. 132, inciso, I, IV, VIII, X c XI.»


Igualmente, em se tratando de norma que estabelece restrições a direitos e interesses, não seria possível lançar mão de interpretação extensiva, e muito menos de analogia, de acordo com a melhor técnica de hermenêutica.


Dai se conclui que a autoridade impetrada, ao impor restrição não prevista na lei e no edital do certame, violou os princípios da legalidade e da vinculação ao edital.


De mais mais, no plano principiológico, o direito líquido e certo do impetrante/recorrente à nomeação é respaldado pelo princípio da dignidade da pessoa humana, uma vez que o trabalho o qual busca exercer licitamente consubstancia meio de subsistência c de ressocialização.


Afinal, se no âmbito do Direito Penal, que é a última ratio a sanção tem como um de seus objetivos reinserir o indivíduo no meio social, seria descabido e ilógico admitir que a sanção administrativa procedesse justamente de modo contrário. Certamente, a pena de demissão não tem por escopo fadar o servidor à marginalização, à segregação e à exclusão da vida em sociedade.


Destarte, os embaraços à admissão do impetrante/recorrente no serviço público estadual, além de não encontrarem justificativa plausível, ofendem o direito ao livre exercício do trabalho (art. 5º, XIII, da CF) e os princípios da livre iniciativa e da valorização do trabalho humano (art. 170, da CF).

E tal entendimento não discrepa do teor do decidido pelo Supremo Tribunal Federal por ocasião da discussão relativa à proibição ao nepotismo uma vez que ali, diversamente da hipótese em exame, havia ato normativo próprio editado pelo Conselho Nacional de Justiça, que tem competência constitucionalmente definida, a Resolução nº 07, à qual foi atribuído caráter normativo primário (abstrato e autônomo) e cuja constitucionalidade foi ali questionada e afirmada.

Ademais, e fundamentalmente, decidiu o Pretório Excelso que a vedação ao nepotismo tem sede na própria constituição porque é expressão direta do princípio constitucional da impessoalidade, dispensando, por isso, excepcionalmente, a edição de ato normativo infraconstitucional, o que não ocorre no presente caso concreto.

Diante do exposto, dou provimento ao recurso para anular a Portaria nº 501/2008/TCE/RR e determinar que a impetrada se abstenha de impor o óbice à nomeação relativo à precedente demissão do impetrante no âmbito do serviço público federal. ...» (Minª. Maria Thereza de Assis Moura).»

Doc. LegJur (125.9195.4000.0800) - Íntegra: Click aqui


Referência(s):
▪ Servidor público (Jurisprudência)
▪ Concurso público (Jurisprudência)
▪ Administrativo (v. ▪ Concurso público) (Jurisprudência)
▪ Nomeação (v. ▪ Concurso público) (Jurisprudência)
▪ Princípio da legalidade (Jurisprudência)
▪ Princípio da moralidade (Jurisprudência)
▪ Moralidade (Jurisprudência)
▪ CF/88, art. 5º, II
▪ CF/88, art. 37, «caput» e II
▪ CF/88, art. 84, IV
(Legislação)
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