Jurisprudência em Destaque

STJ. 4ª T. Consumidor. Contrato de factoring. Caracterização do escritório de factoring como instituição financeira. Descabimento. Aplicação de dispositivos do Código de Defesa do Consumidor à avença mercantil, ao fundamento de se tratar de relação de consumo. Inviabilidade. Factoring. Conceito, distinção e natureza jurídica do contrato. Ampas considerações do Min. Luis Felipe Salomão sobre o tema. Precedentes do STJ. CDC, arts. 2º, 3º, § 2º, 4º e 29. Lei 4.595/1964, art. 17.

Postado por Emilio Sabatovski em 16/08/2012
«... 2. O artigo 17 da Lei 4.595/64 dispõe:


Art. 17. Consideram-se instituições financeiras, para os efeitos da legislação em vigor, as pessoas jurídicas públicas ou privadas, que tenham como atividade principal ou acessória a coleta, intermediação ou aplicação de recursos financeiros próprios ou de terceiros, em moeda nacional ou estrangeira, e a custódia de valor de propriedade de terceiros.


Parágrafo único - Para os efeitos desta lei e da legislação em vigor, equiparam-se às instituições financeiras as pessoas físicas que exerçam qualquer das atividades referidas neste artigo, de forma permanente ou eventual.

Portanto, para logo se conclui que as empresas de factoring não são instituições financeiras, visto que as empresas que exercem atividade de fomento mercantil não se amoldam ao conceito legal, tampouco efetuam operação de mútuo ou captação de recursos de terceiros:


Esta modalidade de contrato não é própria das atividades bancárias, mas utilizada por estabelecimentos diferentes, nas operações de comerciantes ou industriais em venda de títulos de crédito. Tem, no entanto, alguma semelhança com os descontos de títulos que se procede junto aos bancos.


Efetivamente, não se consideram as empresas que atuam no factoring instituições financeiras reguladas pelo Banco Central do Brasil. Nem são disciplinadas pela Lei 4.595, de 31.12.1964. Em verdade, o art. 17 desta Lei conceitua como bancos as pessoas jurídicas que visem ou tenham por finalidade básica a coleta, a intermediação ou aplicação de recursos financeiros de terceiros ou próprios. Já a finalidade que leva a constituir uma empresa de factoring nunca será a coleta ou captação de recursos monetários e a intermediação - o que é característico das instituições financeiras. Nesta ordem, não integram os escritórios de factoring o Sistema Financeiro Nacional. Verdade que a sua maior finalidade consiste na aplicação de recursos próprios e não de terceiros. Não se lhes permite a captação de dinheiro, sob pena de passar a desempenhar uma atividade específica de bancos. (RIZZARDO, Arnaldo. Contratos. 7 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008, ps. 1.385)


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O referido art. 17 da Lei 4.595/64 considera como instituições financeiras as pessoas jurídicas públicas ou privadas, que tenham como atividade principal ou acessória a coleta, intermediação ou aplicação de recursos financeiros próprios ou de terceiros em moeda nacional ou estrangeira, e a custódia de valor de propriedade de terceiros. Diante desse parâmetro legal acerca das atividades que somente podem ser praticadas por instituições financeiras, cujo funcionamento deverá ser autorizado pelo Banco Central, a doutrina inclina-se em afirmar que, muito embora encontremos na faturização alguns aspectos de financiamento, adiantamento e desconto, essas operações, quando realizadas com recursos próprios e não coletados de terceiros, não se acham sob controle do Banco Central, pois falta-lhes a presença do trinômio - coleta, intermediação e aplicação de recursos.


[...]


Dessa forma, caberá ao faturizador a cobrança de preço pelo serviço prestado e pelo risco assumido, preço este que não pode ser confundido com juros. (BERTOLDI, Marcelo M.; RIBEIRO, Marcia Carla Pereira. Curso Avançado de Direito Comercial. 5 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 819)


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A aquisição de créditos de determinada empresa, resultantes de suas vendas mercantis, jamais confundir-se-á com típica operação de crédito, mesmo porque o funding da sociedade de fomento mercantil é constituído de recursos próprios, de mútuos de seus sócios ou acionistas, de mútuos de empresas ligadas ou coligadas, de linhas de crédito bancário e da incorporação de lucros operacionais, não podendo utilizar-se de captação legalmente exclusivos de instituições financeiras definidas na Lei 4.595/64.


São inconfundíveis as práticas bancárias com as operações próprias de factoring.


A operação de fomento mercantil não é operação de crédito, uma vez que a empresa-cliente vende a vista e as sociedades de fomento mercantil compram a vista, em dinheiro, os direitos resultantes das vendas mercantis efetuadas por sua cliente.


Essa alienação, venda ou cessão de créditos mercantis entre duas empresas tipificam uma autêntica venda mercantil, que era regulada pelo art. 191 do antigo Código Comercial.


[...]


É importante esclarecer que o objeto da obrigação da empresa-cliente é a garantia de solvência e não a restituição do valor que recebeu pela venda de seus créditos.


Diante desses conceitos e definições, o fomento mercantil não é nem pode ser considerado uma operação de crédito.


Do mútuo diferencia-se por duas razões precisas. A primeira é que no empréstimo de coisa fungível perfaz-se a transferência de um bem presente, isto é, o dinheiro (que o mutuário não tem) à qual se junta a obrigação de transferir o bem futuro que o mutuário assume (porque no momento da conclusão do mútuo o bem futuro não existe). E ainda, no mútuo, o mutuário deve restituir a coisa no mesmo gênero, qualidade e quantidade, enquanto no factoring a empresa-cliente não necessita efetuar qualquer restituição.


O que efetivamente deve ocorrer nas operações das sociedades de fomento mercantil não é mútuo (financiamento, desconto ou adiantamento de recursos), mas uma venda e compra de créditos (direitos), por um preço pactuado entre as partes. Pelo endosso opera-se a alienação desses direitos de obrigações ou de créditos (coisas móveis), representados pro títulos de crédito. (LEITE, Luiz Lemos. Factoring no Brasil. 10 ed. São Paulo: Atlas, 2005, ps. 221-224)

Esta é a remansosa jurisprudência do STJ:


AGRAVO REGIMENTAL - AÇÃO DECLARATÓRIA - NULIDADE DE NOTAS PROMISSÓRIAS - EMPRESA DE FACTORING - REALIZAÇÃO DE EMPRÉSTIMOS E DE DESCONTO DE TÍTULOS COM GARANTIA DE DIREITO DE REGRESSO - IMPOSSIBILIDADE - PRÁTICA PRIVATIVA DE INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS INTEGRANTES DO SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL - PRECEDENTES DESTA CORTE - INCIDÊNCIA DO ENUNCIADO 83 DA SÚMULA/STJ - ADEMAIS, ENTENDIMENTO OBTIDO DA ANÁLISE DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO - REEXAME DE PROVAS - ÓBICE DO ENUNCIADO 7 DA SÚMULA/STJ - MANUTENÇÃO DA DECISÃO AGRAVADA - AGRAVO IMPROVIDO.


(AgRg no Ag 1071538/SP, Rel. Ministro MASSAMI UYEDA, TERCEIRA TURMA, julgado em 03/02/2009, DJe 18/02/2009)


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AÇÃO REVISIONAL. CONTRATO DE COMPRA E VENDA COM RESERVA DE DOMÍNIO. EMPRESA DE FACTORING. LIMITAÇÃO DA TAXA DE JUROS. COMISSÃO DE PERMANÊNCIA. INCIDÊNCIA DA LEI DE USURA.


- Tratando-se de empresa que opera no ramo de factoring, não integrante do Sistema Financeiro Nacional, a taxa de juros deve obedecer à limitação prevista no art. 1º do Decreto 22.626, de 7.4.1933.


- Exigência descabida da comissão de permanência e da capitalização mensal dos juros.


- Incidência das Súmulas ns. 5 e 7-STJ quanto à pretensão de empregar-se a TR como fator de atualização monetária.


Recurso especial não conhecido.


(REsp 489.658/RS, Rel. Ministro BARROS MONTEIRO, QUARTA TURMA, julgado em 05/05/2005, DJ 13/06/2005, p. 310)


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CONTRATO DE FINANCIAMENTO. EMPRESA DE FACTORING. LIMITAÇÃO DA TAXA DE JUROS. INCIDÊNCIA DA LEI DE USURA.


– Tratando-se de empresa que opera no ramo de factoring, não integrante do Sistema Financeiro Nacional, a taxa de juros deve obedecer à limitação prevista no art. 1º do Decreto 22.626, de 7.4.1933.


Recurso especial não conhecido.


(REsp 330.845/RS, Rel. Ministro BARROS MONTEIRO, QUARTA TURMA, julgado em 17/06/2003, DJ 15/09/2003, p. 322)

3. O acórdão recorrido dispôs:


Cuida a espécie de típico contrato de factoring, havendo controvérsia acerca da incidência ou não do Código de Defesa do Consumidor.


A atividade comercial de factoring equaciona operação de prestação de serviços e compra de direitos creditórios.


O contrato firmado pelas partes prevê que: «O presente contrato tem por objeto o fomento mercantil das atividades da Contratante, pela contratada, mediante a prestação de serviços em caráter cumulativo e contínuo, como: a verificação da situação creditícia dos sacados da contratante; a compra total ou parcial de títulos de créditos representativos de vendas mercantis e/ou prestação de serviços feitos pela contratante».


Com efeito, tenho que na espécie não há relação de consumo, porque a apelante não se enquadra no conceito de consumidora, ou seja, destinatária final do bem, na medida em que a venda dos direitos creditórios tem por escopo a fomentação da sua atividade comercial.Logo, a lide deverá ser resolvida à luz do Código Civil.


[...]


Escorreitos, pois, os fundamentos da r. sentença, porque não restou demonstrada a ocorrência de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis capazes de acarretar o desequilíbrio contratual, devendo, por esse modo, prevalecer o ajuste na forma pactuada entre as partes, no âmbito da liberdade de contratar. (fls. 209- 211)

Dessarte, tomando-se em consideração a moldura fática apurada pela Corte local e o narrado na inicial, fica nítido que o contrato firmado pelas partes - faturizadora e sociedade empresária faturizada -, em nada se distancia das diversas modalidades do contrato de factoring, que, de fato, podem prever a prestação de serviços de verificação da situação creditícia dos sacados da contratante, ou a compra total e parcial de títulos de créditos, representativos de vendas ou prestação de serviços feitos pela faturizada:


O factoring é a execução contínua


I - de prestação de serviços:


a) ou de alavancagem mercadológica (busca de novos clientes, produtos e mercados);


b) ou pesquisa cadastral;


c) ou de seleção de compradores sacados ou fornecedores;


d) ou de acompanhamento de contas a receber e a pagar;


e) conjugada com:


II - a compra de créditos (direitos) resultantes das vendas mercantis realizadas a prazo pela empresa-cliente.


Conceituação de factoring:


É um mecanismo de gestão comercial:


expande os ativos;


aumenta as vendas;


aumenta a produtividade da empresa-cliente porque elimina o seu endividamento e reduz os seus custos;


transforma vendas a prazo em vendas a vista;


a empresa passa a ter caixa (dinheiro «vivo») sem fazer dívidas. (LEITE, Luiz Lemos. Factoring no Brasil. 10 ed. São Paulo: Atlas, 2005, ps. 22 e 23)


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Faturização - ou «fomento mercantil» - é o contrato pelo qual uma instituição [...] (faturizadora) se obriga a cobrar os devedores de um empresário (faturizado), prestando a este os serviços de administração de crédito.


Como se pode perceber, quando um empresário concede crédito aos consumidores ou aos compradores de seus produtos ou serviços, ele passa a ter mais uma preocupação empresarial, consistente na necessidade de se administrar a concessão do crédito. Isto compreende não somente o controle dos vencimentos, o acompanhamento da flutuação das taxas de juros, os contatos com os inadimplentes, a adoção das medidas assecuratórias do direito creditício, como também a cobrança judicial propriamente dita. Além disso, o empresário, ao conceder crédito, assume o risco de insolvência do consumidor ou do comprador.


Claro que, em tese, o empresário não está obrigado a abrir crédito a quem procura os produtos ou serviços por ele oferecidos. Contudo, a competição econômica, por vezes, não lhe dá outra alternativa. Se não criar facilidades de pagamento aos seus clientes, o empresário pode perdê-los para um concorrente.


O contrato de faturização tem a função econômica de poupar o empresário das preocupações empresariais decorrentes da outorga de prazos e facilidades para pagamento aos seus clientes.


[...]


A instituição financeira faturizadora assume, com a faturização, as seguintes obrigações: a) gerir os créditos do faturizado, procedendo ao controle dos vencimentos, providenciando os avisos e protestos assecuratórios do direito creditício, bem como cobrando os devedores das faturas; b) assumir os riscos do inadimplemento dos devedores do faturizado; c) garantir o pagamento das faturas objeto de faturização .


Há duas modalidades de faturização. De um lado, se a instituição financeira garante o pagamento das faturas antecipando o seu valor ao faturizado, tem-se o conventional factoring.


[...]


De outro lado, se a instituição faturizadora paga o valor das faturas ao faturizado apenas no seu vencimento, tem-se o maturity factoring, modalidade em que estão presentes apenas a prestação de serviços de administração do crédito e o seguro e ausente o financiamento. (COELHO, Fabio Ulhoa. Manual de Direito Comercial. 14 ed. São Paulo: Saraiva,2003, ps. 467 e 468)


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O factoring insere-se entre as novas técnicas utilizadas modernamente na atividade econômica. Enquanto o leasing e o franchising, por exemplo, dizem respeito a técnicas de comercialização, já o factoring liga-se à necessidade de reposição do capital de giro nas empresas, geralmente nas pequenas e médias. Bastante assemelhada ao desconto bancário, a operação de factoring repousa na sua substância, numa mobilização dos créditos de uma empresa; necessitando de recursos, a empresa negocia os seus créditos cedendo-os à outra, que se incumbe de cobrá-los, adiantando-lhe o valor desses créditos (conventional factoring) ou pagando-os no vencimento (maturity factoring); obriga-se contudo a pagá-los mesmo em caso de inadimplemento por parte por parte do devedor da empresa. Singelamente pode-se falar em venda do faturamento de uma empresa à outra, que se incumbe de cobrá-lo, recebendo em pagamento uma comissão....


[...]


Pode-se, pois, classificar o contrato de factoring como contrato bilateral, consensual, comutativo, oneroso, de execução continuada, intuitu personae, interempresarial e atípico. (BULGARELLI, Waldirio. Contratos Mercantis. 13 ed. São Paulo: Atlas, 2000, ps. 541-546)

4. Como é incontroverso nos autos, o contrato firmado pelas partes em nada se distancia do contrato de factoring, limitando-se a questão controvertida principal em saber se, em contrato de fomento mercantil, regularmente firmando por sociedades empresárias, o faturizador se enquadra ao conceito de fornecedor de serviços, nos moldes do disposto no artigo 3º, § 2º, do Código de Defesa do Consumidor.

4.1. O legislador ordinário, em observância ao disposto no artigo 48 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias e, sobretudo, aos princípios e valores que a Carta Magna alberga, editou o Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90) :


A inserção dos direitos do consumidor entre os fundamentais da pessoa e entre os princípios básicos da ordem econômica não significa apenas o reconhecimento da sua importância pelo constituinte, com repercussões meramente políticas. Tem, ao contrário, relevância jurídica para a interpretação das disposições ordinárias de proteção dos consumidores. Com efeito, tais disposições não podem ser interpretadas isoladamente, como se a tutela do consumidor estivesse dissociada ou se contrapusesse aos demais elementos regradores da ordem econômica (cf. Comparato, 1990:70/71). Nesse contexto, a interpretação de qualquer lei ordinária protetora dos consumidores não pode representar desestímulo à produção pelos particulares, nem contrariar outros aspectos do direito privado - basicamente do direito comercial-, destinados a propiciar as condições para o exercício da atividade econômica em um sistema de feitio neoliberal (cf. Coelho, 1988:83).


[...]


Em outros termos, a exegese da legislação tutelar do consumidor não pode ser feita com abstração dos muitos outros institutos jurídicos de fundamental importância para a economia, como, aliás, recomenda o próprio Código de Defesa do Consumidor, em seu art. 4º, III, ao definir como princípio da política nacional de relações de consumo a compatibilização da proteção do com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, em atenção ao princípios regradores da ordem econômica (cf. Filomeno, 1991:43/44). (COELHO, Fábio Ulhoa. O Empresário e os Diretos do Consumidor. Saraiva: São Paulo, 1994, ps. 23-24)

4.2. O conceito de consumidor encontra-se encartado no art. 2º do CDC:


Art. 2º Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.


Parágrafo único - Equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo.

Depreende-se, pois, que o conceito de consumidor foi construído sob ótica objetiva, porquanto voltada para o ato de retirar o produto ou serviço do mercado, na condição de seu destinatário final.

Nessa linha, afastando-se do critério pessoal de definição de consumidor, o legislador possibilita às pessoas jurídicas a assunção dessa qualidade, desde que adquiram ou utilizem o produto ou serviço como destinatário final.

Sob esse enfoque, desnatura-se a relação consumerista se o bem ou serviço passar a integrar a cadeia produtiva do adquirente, ou seja, for posto à revenda ou transformado por meio de beneficiamento ou montagem.

Dessarte, consoante doutrina abalizada sobre o tema, o destinatário final é aquele que retira o produto da cadeia produtiva - destinatário fático -, mas não para revendê-lo ou utilizá-lo como insumo na sua atividade profissional -, destinatário econômico.

Este o entendimento de Claudia Lima Marques:


Destinatário final seria aquele destinatário fático e econômico do bem ou serviço, seja ele pessoa física ou jurídica. Logo, segundo esta interpretação teleológica, não basta ser destinatário fático do produto, retirá-lo da cadeia de produção, levá-lo para o escritório ou residência - é necessário ser destinatário final econômico do bem, não adquiri-lo para revenda, não adquiri-lo para uso profissional, pois o bem seria novamente um instrumento de produção cujo preço será incluído no preço final do profissional que o adquiriu. Neste caso, não haveria a exigida «destinação final» do produto ou serviço, ou, como afirma o STJ, haveria consumo intermediário, ainda dentro das cadeias de produção e distribuição.


Manual de Direito do Consumidor. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009, p. 71)

No mesmo sentido, os seguintes precedentes:


AGRAVO REGIMENTAL. DEFICIÊNCIA NA FORMAÇÃO DO INSTRUMENTO. AUSÊNCIA DE CÓPIA DA PROCURAÇÃO OUTORGADA AO SUBSCRITOR DAS CONTRA-RAZÕES AO RECURSO ESPECIAL. ALEGAÇÃO DE JUNTADA DE CÓPIA INTEGRAL DOS AUTOS ORIGINAIS. INSUFICIÊNCIA. CONTRATAÇÃO EM DÓLAR. PAGAMENTO EM MOEDA NACIONAL, POR PESSOA JURÍDICA COM SEDE NO EXTERIOR. POSSIBILIDADE. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. INAPLICABILIDADE. INEXISTÊNCIA DE DESTINATÁRIO FINAL NO CONTRATO FIRMADO ENTRE AS PESSOAS JURÍDICAS.


1. A alegação de juntada de cópia integral dos autos é insuficiente para a comprovação de que a peça obrigatória não consta dos autos originais, devendo esta circunstância ser atestada por meio de certidão emitida por órgão competente. Precedentes.


2. É legítimo o contrato celebrado em dólar, desde que o pagamento se efetive pela conversão em moeda nacional. Precedentes.


3. O art. 2º, IV, do Decreto-Lei 857/69 autoriza o pagamento em moeda estrangeira no que toca «aos empréstimos e quaisquer outras obrigações cujo credor ou devedor seja pessoa residente e domiciliada no exterior».


4. «A relação de consumo existe apenas no caso em que uma das partes pode ser considerada destinatária final do produto ou serviço. Na hipótese em que produto ou serviço são utilizados na cadeia produtiva, e não há considerável desproporção entre o porte econômico das partes contratantes, o adquirente não pode ser considerado consumidor e não se aplica o CDC, devendo eventuais conflitos serem resolvidos com outras regras do Direito das Obrigações» (REsp 836.823/PR, Rel. Min. SIDNEI BENETI, Terceira Turma, DJ de 23.08.2010).


5. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.


(AgRg no Ag 1341225/RS, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, julgado em 16/11/2010, DJe 01/12/2010)


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CÉDULA DE CRÉDITO COMERCIAL. TBF. IMPOSSIBILIDADE DE UTILIZAÇÃO PARA CORREÇÃO MONETÁRIA. JUROS REMUNERATÓRIOS. LIMITAÇÃO A 12% AO ANO. MULTA MORATÓRIA. INCIDÊNCIA DO CDC. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULAS 5 E 7. ATIVIDADE INTERMEDIÁRIA. CAPITALIZAÇÃO DE JUROS. SÚMULA 93/STJ. COMISSÃO DE PERMANÊNCIA. SÚMULAS 30 E 294 DESTA CORTE.


1. «A Taxa Básica Financeira (TBF) não pode ser utilizada como indexador de correção monetária nos contratos bancários» (Súmula 287/STJ).


2. Resta firmado nesta Corte incidir a limitação dos juros remuneratórios em 12% ao ano em cédula de crédito comercial, porquanto inexiste deliberação do Conselho Monetário Nacional a respeito.


3. À luz das circunstâncias fáticas verificadas pelo acórdão recorrido, não se vislumbrou nos recorrentes, sobretudo na pessoa jurídica, a assunção da posição de destinatário final de produtos ou serviços a autorizar a incidência das normas protetivas do consumidor, notadamente a limitação da multa contratual prevista no art. 52, § 1º, do CDC, conclusão infensa à valoração desta Corte, nos termos das Súmulas 5 e 7.


4. «A legislação sobre cédulas de crédito rural, comercial e industrial admite o pacto de capitalização de juros» (Súmula 93/STJ).


5. Admite-se a comissão de permanência durante o período de inadimplemento contratual, à taxa média dos juros de mercado, limitada ao percentual fixado no contrato (Súmula 294/STJ), desde que não cumulada com a correção monetária (Súmula 30/STJ), com os juros remuneratórios (Súmula 296/STJ) e moratórios, nem com a multa contratual.


6. Recurso especial conhecido em parte e, na extensão, provido.


(REsp 468.887/MG, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 04/05/2010, DJe 17/05/2010)


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4.3. Não se olvida que o dinamismo e a complexidade das relações sócio-econômicas levaram à necessidade de aprofundamento desses critérios, criando uma tendência nova na jurisprudência, concentrada não apenas na figura do consumidor final imediato, mas também na noção de vulnerabilidade, conforme o teor do art. 4º, I, do CDC:


Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios:


I - reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo;

A vulnerabilidade é a pedra de toque do direito consumerista, mormente no que tange aos contratos, podendo ser conceituada como «a situação permanente ou provisória, individual ou coletiva, que fragiliza, enfraquece o sujeito de direitos, desequilibrando a relação de consumo». (MARQUES, Claudia Lima. Op. Cit. p. 73)

Nesse diapasão, anota Fábio Ulhoa Coelho:


À Semelhança do contrato de trabalho, o de consumo também é caracterizado por uma relação de fato. O objetivo é igual: garantir a incidência das normas protetoras do contratante débil, no caso, o consumidor.


[...]


Essas e outras regras do Código de Defesa do Consumidor, em princípio, não se aplicam aos contratos sujeitos ao regime civil e comercial. Recordo, contudo, que, no modelo reliberalizante em construção, o regime de direito positivo próprio aos negócios entre contratantes desiguais tem sido, na ordem jurídica atualmente em vigor no Brasil, o do Código de Defesa do Consumidor.


[...]


Essa é a solução compatível com o estágio atual de evolução no Brasil do direito privado dos contratos. (COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Civil: contratos. 4 ed. São Paulo; Saraiva, 2010, p. 79)

Surge, então, a figura do consumidor por equiparação, prevista no art. 29 do CDC, aplicável à pessoa jurídica que comprova a sua vulnerabilidade e cujo contrato com o fornecedor encontra-se fora do âmbito de sua especialidade.

É o que se extrai do art. 29 do CDC, inserto no capítulo referente às práticas comerciais:


Art. 29. Para os fins deste Capítulo e do seguinte, equiparam-se aos consumidores todas as pessoas determináveis ou não, expostas às práticas nele previstas.

Recorrendo mais uma vez ao magistério de Cláudia Lima Marques:


O art. 29 supera, portanto, os estritos limites da definição jurídica de consumidor para imprimir uma definição de política legislativa. Para harmonizar os interesses presentes no mercado de consumo, para reprimir eficazmente os abusos de poder econômico, para proteger os interesses econômicos dos consumidores finais, o legislador colocou um poderoso instrumento nas mãos daquelas pessoas (mesmo agentes econômicos) expostas às práticas abusivas. Estas, mesmo não sendo «consumidores stricto sensu», poderão utilizar as normas especiais do CDC, seus princípios, sua ética de responsabilidade social no mercado, sua nova ordem pública, para combater as práticas comerciais abusivas. (Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010, p. 635)

Nesses casos, este Tribunal Superior tem mitigado o rigor da concepção finalista do conceito de consumidor, consoante se dessume dos seguintes julgados:


AGRAVO REGIMENTAL . AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONSUMIDOR. RELAÇÃO DE CONSUMO. CARACTERIZAÇÃO. DESTINAÇÃO FINAL FÁTICA E ECONÔMICA DO PRODUTO OU SERVIÇO. ATIVIDADE EMPRESARIAL. MITIGAÇÃO DA REGRA.


VULNERABILIDADE DA PESSOA JURÍDICA. PRESUNÇÃO RELATIVA.


1. O consumidor intermediário, ou seja, aquele que adquiriu o produto ou o serviço para utilizá-lo em sua atividade empresarial, poderá ser beneficiado com a aplicação do CDC quando demonstrada sua vulnerabilidade técnica, jurídica ou econômica frente à outra parte.


2. Agravo regimental a que se nega provimento.


(AgRg no Ag 1316667/RO, Rel. Ministro VASCO DELLA GIUSTINA (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/RS), TERCEIRA TURMA, julgado em 15/02/2011, DJe 11/03/2011)


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ADMINISTRATIVO E CONSUMIDOR. MULTA IMPOSTA PELO PROCON. LEGITIMIDADE. RELAÇÃO DE CONSUMO CARACTERIZADA. ART. 29 DO CDC.


1. Hipótese em que o Procon aplicou à impetrante multa de R$ 3.441, 00, «levando em consideração a publicação do anúncio não autorizado pelo Reclamante» (Auto Posto Boa Esperança). A recorrente sustenta que não poderia ter sido autuada, pois o serviço por ela prestado - publicidade em lista empresarial impressa - «é classificado como insumo e não consumo».


2. Discutem-se, portanto, o enquadramento da atividade desenvolvida pela impetrante como relação de consumo e a conseqüente competência do Procon para a imposição de multa, por infração ao Código de Defesa do Consumidor (CDC).


3. O CDC incide nas relações entre pessoas jurídicas, sobretudo quando se constatar a vulnerabilidade daquela que adquire o produto ou serviço, por atuar fora do seu ramo de atividade.


4. De acordo com o art. 29 do CDC, «equiparam-se aos consumidores todas as pessoas determináveis ou não, expostas às práticas nele previstas». Nesse dispositivo, encontra-se um conceito próprio e amplíssimo de consumidor, desenhado em resposta às peculiaridades das práticas comerciais, notadamente os riscos que, in abstracto, acarretam para toda a coletividade, e não apenas para os eventuais contratantes in concreto.


5. A pessoa jurídica exposta à prática comercial abusiva equipara-se ao consumidor (art. 29 do CDC), o que atrai a incidência das normas consumeristas e a competência do Procon para a imposição da penalidade.


6. Recurso Ordinário não provido.


(RMS 27.541/TO, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 18/08/2009, DJe 27/04/2011)


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DIREITO DO CONSUMIDOR. RECURSO ESPECIAL. CONCEITO DE CONSUMIDOR. PESSOA JURÍDICA. EXCEPCIONALIDADE. NÃO CONSTATAÇÃO NA HIPÓTESE DOS AUTOS. FORO DE ELEIÇÃO. EXCEÇÃO DE INCOMPETÊNCIA. REJEIÇÃO.


- A jurisprudência do STJ tem evoluído no sentido de somente admitir a aplicação do CDC à pessoa jurídica empresária excepcionalmente, quando evidenciada a sua vulnerabilidade no caso concreto; ou por equiparação, nas situações previstas pelos arts. 17 e 29 do CDC.


- Mesmo nas hipóteses de aplicação imediata do CDC, a jurisprudência do STJ entende que deve prevalecer o foro de eleição quando verificado o expressivo porte financeiro ou econômico da pessoa tida por consumidora ou do contrato celebrado entre as partes.


- É lícita a cláusula de eleição de foro, seja pela ausência de vulnerabilidade, seja porque o contrato cumpre sua função social e não ofende à boa-fé objetiva das partes, nem tampouco dele resulte inviabilidade ou especial dificuldade de acesso à Justiça.


Recurso especial não conhecido.


(REsp 684.613/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 21/06/2005, DJ 01/07/2005, p. 530)


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AGRAVO REGIMENTAL- PESSOA JURÍDICA - CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR - APLICAÇÃO - POSSIBILIDADE, NA ESPÉCIE - DESTINATÁRIO FINAL E VULNERABILIDADE - CARACTERIZAÇÃO - ENTENDIMENTO OBTIDO DA ANÁLISE DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO - IMPOSSIBILIDADE DE REEXAME NESTA INSTÂNCIA ESPECIAL - INTELIGÊNCIA DA SÚMULA 7/STJ - CLÁUSULA DE ELEIÇÃO DO FORO - DECLARAÇÃO DE NULIDADE - ENTENDIMENTO EM HARMONIA COM A JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE - APLICAÇÃO DA SÚMULA 83/STJ - RECURSO IMPROVIDO.


(AgRg no Ag 1032259/MG, Rel. Ministro MASSAMI UYEDA, TERCEIRA TURMA, julgado em 19/02/2009, DJe 12/03/2009)

Verifica-se, assim, que, conquanto consagre o critério finalista para interpretação do conceito de consumidor, a jurisprudência do STJ também reconhece a necessidade de, em situações específicas, abrandar o rigor do critério subjetivo do conceito de consumidor, para admitir a aplicabilidade do CDC nas relações entre fornecedores e consumidores-empresários em que fique evidenciada a relação de consumo.

5. A exploração de atividade empresarial demanda que o empresário combine os fatores de produção - constituídos pelo capital, insumos, mão-de-obra e tecnologia -, contraindo e executando obrigações nascidas principalmente de contratos. (COELHO, Fabio Ulhoa. Manual de Direito Comercial. 14 ed. São Paulo: Saraiva,2003, p. 413)

Dessarte, as empresas, sobretudo as pequenas e médias, recorrem com frequência ao fomento mercantil, por ser «técnico-financeira e de gestão comercial» de grande valia para que obtenham capital de giro. (PAES, Paulo Roberto Tavares. Obrigações e Contratos Mercantis. Rio de Janeiro: Revista Forense, 1999, p. 337)

Com efeito, verifica-se que a ora recorrida não se insere em situação de vulnerabilidade, porquanto não se apresenta como sujeito mais fraco, com necessidade de proteção estatal, mas como sociedade empresária que, por meio da pactuação livremente firmada com a recorrida, obtém capital de giro para operação de sua atividade empresarial, não havendo, no caso, relação de consumo:


RECURSO ESPECIAL - COMPETÊNCIA - AÇÃO DE REVISÃO CONTRATUAL - EMPRESA REVENDEDORA DE VEÍCULOS - DESTINATÁRIA INTERMEDIÁRIA - RELAÇÃO DE CONSUMO - NÃO CONFIGURAÇÃO - CLÁUSULA ELETIVA DE FORO - VALIDADE - DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL - SÚMULA 83/STJ.


1 - Conforme orientação adotada por esta Corte, a aquisição de bens ou a utilização de serviços, por pessoa natural ou jurídica, com o escopo de implementar ou incrementar a sua atividade negocial, não se reputa como relação de consumo e, sim, como uma atividade de consumo intermediária. Por outro lado, a questão da hipossuficiência da empresa recorrente em momento algum foi considerada pelas instância ordinárias, não sendo lídimo cogitar-se a respeito nesta seara recursal, sob pena de indevida supressão de instância.


2 - Assim sendo, na esteira da jurisprudência deste Tribunal, a competência fixada pela cláusula de eleição de foro deve ser observada. Incidência da Súmula 83/STJ.


3 - Recurso não conhecido.


(REsp 701370/PR, Rel. Ministro JORGE SCARTEZZINI, QUARTA TURMA, julgado em 16/08/2005, DJ 05/09/2005, p. 430)

Nesse passo, bem adverte Fábio Ulhoa Coelho, com remissões à doutrina de Paula Forgioni, que, nos contratos mercantis, os contratantes são empresários que exercem atividade econômica profissionalmente, sendo essencial «assegurar a necessidade dos agentes econômicos de segurança e previsibilidade em suas relações, a vinculação das partes à vontade declarada no contrato», por isso as pactuações empresariais, mesmo quando se mostram decisões de gestão empresarial equivocada, em regra, devem ser observadas, como resguardo à livre concorrência e à dinamização da economia:


Consumidor, para a lei, é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final (CDC, art. 2º), e fornecedor, a pessoa física ou jurídica ou ente despersonalizado que explora atividade de venda de produtos ou prestação de serviços (art. 3º). Os conceitos são relacionais, no sentido de que somente se considera consumidor o destinatário final de produtos ou serviços oferecidos no mercado por quem explora a atividade econômica; do mesmo modo, só é legalmente fornecedor aquele que desenvolve atividade econômica de venda de bens ou prestação de serviços, direta ou indiretamente, aos seus destinatários finais.


[...]


7.4. CONTRATO COMERCIAL


Nos contratos comerciais (mercantis e empresariais), os contratantes são todos empresários, isto é, exercem «profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou circulação de bens ou serviços» (CC, art. 966).


[...]


Quando o vínculo negocial aproxima dois sujeitos que se consideram juridicamente empresários, o contrato submete-se a regime próprio.


[...]


Convém tratar dos contratos comerciais em separado, no contexto da tecnologia jurídica dedicada à exploração de atividades econômicas pelos particulares. Como ressalta Paula A. Forgioni, há certos vértices específicos do sistema de direito comercial, destinados a azeitar o fluxo das relações econômicas e aumentar o volume de negócios. Entre os vértices do direito comercial, destaca a comercialista a tutela do crédito, a necessidade dos agentes econômicos de segurança e previsibilidade em suas relações, a vinculação das partes à vontade declarada no contrato e a importância do erro.


Quanto a este último vértice, vale a pena atentar à lição de Paula A. Forgioni. Para ela, «aspecto inerente ao funcionamento do sistema de direito comercial está relacionado ao erro do empresário. Os agentes econômicos algumas vezes adotam estratégias equivocadas, e esses enganos são previstos e desejados pelo sistema jurídico, na medida em que, diferenciando os agentes, permitem o estabelecimento do jogo concorrencial (...). Ou seja, é a diferença entre as estratégias adotadas pelos agentes econômicos e entre os resultados obtidos (uns melhores, outros piores) que dá vida a um ambiente de competição (porque todos buscam o prêmio do maior sucesso, da adoção da estratégia mais eficiente)». Alerta, ademais: «um ordenamento que - em nome da proteção do agente econômico mais fraco - neutralize demasiadamente os efeitos nefastos do erro do empresário pode acabar distorcendo o mercado e enfraquecendo a tutela do crédito. Em termos bastante coloquiais, o remédio erradicaria a doença, mas também mataria o doente... Seria, por assim dizer, a condenação da busca pela vantagem competitiva» (Forgioni, 2003).


Esses vértices do direito comercial, responsáveis, em última análise, pela dinamização e enriquecimento da economia de um país, informam a compreensão dos negócios entre os empresários e não podem, por isso, ser ignorados na adequada interpretação do direito aplicável e das cláusulas ajustadas entre as partes. Quando a ordem jurídica cria mecanismos para poupar os consumidores das consequências de seus erros - como, por exemplo, o direito de arrependimento nos atos de consumo levados a efeito no contexto de práticas de marketing agressivo (CDC, art. 49) -, manifesta salutar preocupação com a vulnerabilidade desses contratantes. Mas não pode aproveitar mecanismos como estes na disciplina dos contratos comerciais. Se o empresário for constantemente poupado de seus erros, a concorrência empresarial será distorcida, com sérios prejuízos para a economia. Além de não contribuir para a formação de uma elite empresarial preparada, a desconsideração, pelo direito dos contratos, das exigências típicas da relação comercial importará a frustração das recompensas que compõem o jogo competitivo do capitalismo. Quer dizer, se os melhores empresários não forem premiados, segundo a lógica capitalista, pela competência manifestada em suas decisões, a estrutura econômica da livre iniciativa não estará adequadamente protegida pela lei. Os investidores tendem a direcionar seus capitais para os países em que o direito comercial tem sua função bem compreendida, prestigiada e cumprida. (COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Civil: contratos. 4 ed. São Paulo; Saraiva, 2010, ps. 79-83)

6. Cabe mencionar, por fim, que, embora o contrato em apreço não se caracterize como mútuo e a recorrida não seja instituição financeira, mutatis mutandis, este Colegiado, em recente precedente, decidiu que nas operações para obtenção de capital de giro, não são aplicáveis as disposições da legislação consumerista, visto que não se vislumbra na empresa que obtém o aludido capital a figura do consumidor:


AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. ARRENDAMENTO MERCANTIL. AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO AOS FUNDAMENTOS DA DECISÃO AGRAVADA. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 182/STJ.


1. A agravante não impugnou, como seria de rigor, todos os fundamentos da decisão ora agravada, circunstância que obsta, por si só, a pretensão recursal, porquanto aplicável o entendimento exarado na Súmula 182 do STJ, que dispõe: «É inviável o agravo do art. 545 do Código de Processo Civil que deixa de atacar especificamente os fundamentos da decisão agravada.»


2. Nas operações de mútuo bancário para obtenção de capital de giro, não são aplicáveis as disposições da legislação consumerista, uma vez que não se trata de relação de consumo, pois não se vislumbra na pessoa da empresa tomadora do empréstimo a figura do consumidor final, tal como prevista no art. 2º , do do Código de Defesa do Consumidor.


3. Dissídio jurisprudencial não demonstrado. Relativamente à variação cambial pelo dólar, incide na espécie o enunciado sumular nº 83 desta Corte Superior.


4. Agravo regimental não provido, com aplicação de multa.


(AgRg no REsp 956.201/SP, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 18/08/2011, DJe 24/08/2011)

Outrossim, a Terceira Turma, em precedente relatado pelo Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, invocado por paradigma pela recorrente, admitiu a aplicação de dispositivos do CDC à avença firmada, justamente pelo fato - bem demonstrado naquele aresto -, de o contrato, apreciado naquele aresto, ter-se distanciado do contrato de factoring.

A decisão tem a seguinte ementa:


Código de Defesa do Consumidor: artigos 3º, § 2º, e 6º, V. Factoring. Contrato de financiamento entre a empresa faturizadora e a adquirente do bem. Reajustamento pela variação cambial. Precedente da Corte.


1. O contrato de financiamento entre a empresa faturizadora e a adquirente do bem, distinto do contrato de factoring, está alcançado pelo art. 3º, § 2º, do Código de Defesa do Consumidor.


2. A brusca variação da cotação do dólar, na oportunidade de que cuida o presente feito, configura fato superveniente forte o suficiente para provocar a incidência do art. 6º, V, do Código de Defesa do Consumidor, configurada a onerosidade excessiva.


3. Recurso especial não conhecido.


(REsp 329.935/MG, Rel. Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, TERCEIRA TURMA, julgado em 26/08/2002, DJ 25/11/2002, p. 229)

No mencionado precedente, relatado pelo saudoso Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, Sua Excelência dispôs:


A recorrida ajuizou ação ordinária de nulidade de cláusula contratual alegando que celebrou com a ré, ora recorrente, empresa de factoring um contrato de financiamento de veículo no valor de R$ 12.000,00, para pagamento em 36 prestações mensais e sucessivas de R$ 370,66, dando como entrada R$ 2.400,00; sem qualquer aviso, a ré converteu o valor em reais para dólar, correspondentes na época a US$ 333,74752, com o que elevou a prestação para R$ 700,00; diante do fato, pede a autora que seja aplicado o art. 6º, V, do Código de Defesa do Consumidor. A sentença entendeu que a devedora foi injustamente onerada diante do fato superveniente da inesperada e repentina elevação da cotação do dólar americano, julgando procedente o pedido para determinar que o reajustamento seja feito pelo INPC a partir da prestação vencida em 05/02/99. O Tribunal de Alçada de Minas Gerais desproveu a apelação. Para o Tribunal de origem a atualização pela variação cambial não autoriza a aplicação da teoria da imprevisão, mas, no caso, houve aumento que provocou onerosidade excessiva, a justificar a manutenção da sentença. Os embargos de declaração foram rejeitados.


O primeiro combate do especial é para afastar a incidência do Código de Defesa do Consumidor. A empresa recorrente esclarece que, como empresa de factoring, adquiriu da concessionária, que é a vendedora do veículo, com o assentimento da compradora, o faturamento (duplicata) representado pelo saldo do preço do veículo vendido à recorrida, a qual, em conseqüência, assumiu a obrigação de pagar, em prestações, «até o montante em que foi exonerada pela recorrente perante a concessionária, a parcela da dívida daquela, originária de recursos advindos do exterior, fazendo-o pelo seu contravalor em moeda corrente nacional, apurado conforme a taxa de venda do dólar comercial norte-americano, informada pelo Banco Central do Brasil (cláusulas 1 a 5, fls 10v. TA)». Insiste a recorrente em afirmar que se trata de contrato de factoring, não existindo relação direta de aquisição ou utilização de produto ou serviço entre a empresa de factoring e a compradora do veículo, ocorrendo, apenas, a relação entre aquela e a concessionária, desenvolvendo-se o serviço de crédito a favor da concessionária e não a favor da recorrida. Esclarece a recorrente que «o contrato de factoring é aquele em que um comerciante (no caso, a Vendedora), cede a outro (no caso, a recorrente), os créditos, na totalidade ou em parte, de suas vendas a terceiros (no caso, a recorrida), recebendo o primeiro do segundo o montante desses créditos, mediante o pagamento de sua remuneração (FRAN MARTINS, in «Contratos e Obrigações Comerciais», 9ª ed., For./88, p. 559)».


A construção apresentada é engenhosa. De fato, na faturização existe mesmo uma administração de créditos, uma relação entre o factor e a empresa faturizada. Há, portanto, um verdadeiro contrato de serviço entre as duas empresas. Ocorre que se o contrato de faturização se dá entre a faturizadora e o empresário, faturizado, casos há em que, nitidamente, outra relação jurídica nasce entre a empresa faturizadora e o adquirente do bem, o qual passa a responder pela dívida perante a empresa faturizadora que, por seu turno, responde pelo contrato de financiamento àquele. Tanto assim é que o contrato, dito de assunção parcial de dívidas e obrigações, novação e outras avenças é feito diretamente entre a empresa de faturização e o devedor adquirente, que recebe o financiamento daquela para pagamento de acordo com o contratado, no caso, a dívida de R$ 9.600,00 para pagamento de 36 parcelas de R$ 370,66, com índice de correção pelo dólar americano, vencida a primeira em 05/01/98 e a última em 05/01/01. Ora, há, sem dúvida, um contrato de financiamento que se desenvolve entre a faturizadora e a compradora do veículo, contrato este que é distinto do contrato mesmo de factoring, ou seja, aquele existente entre a faturizadora e a faturizada. Sobre a natureza do contrato de factoring, na perspectiva da possibilidade de cobrar juros praticados pelas instituições financeiras, considerando o estágio legislativo de então, votei quando do julgamento do REsp 119.705-RS, Relator o Senhor Ministro Waldemar Zveiter, (DJ de 29/6/98), concluindo por afastar as empresas de factoring do âmbito do sistema financeiro. De fato, naquela ocasião, afirmei:


«Está, pois, bem claro que a empresa de factoring não é uma instituição financeira e que para o seu funcionamento não se exige a autorização do Banco Central do Brasil. Não há falar em atividade bancária no factoring. Vale anotar que a Lei 8.981/95, que alterou a legislação tributária federal, conceituou o factoring como a prestação cumulativa e contínua de serviços de assessoria creditícia, mercadológica, gestão de crédito, seleção e riscos, administração de contas a pagar e a receber, compras de direitos creditórios resultantes de vendas mercantis a prazo ou de prestação de serviços (art. 28, § 1º, alínea c), item 4). Fica claro, a meu juízo, que, de fato, não há vinculação entre o contrato de factoring e as atividades desenvolvidas pelas instituições financeiras, ainda que estas possam desempenhar algumas das atividades relacionadas na lei. Essa conclusão leva a uma discussão sobre a remuneração do factor, ou seja, a contraprestação pelos riscos assumidos e pela gestão do crédito, que inclui os juros, dentre outros elementos.»


Na verdade, a relação entre a empresa de factoring e a faturizada configura serviço de administração de crédito e outros. Todavia, a faturizadora pode, como no caso, e tal é inquestionável, realizar um contrato de financiamento com a adquirente do bem, distinto, portanto, do contrato de factoring propriamente dito. É uma outra relação jurídica e nesta há, de fato, contrato de financiamento, com indicação de reajuste de parcelas. E este contrato de financiamento entre a faturizadora e a compradora do bem configura uma relação de consumo, provocando a incidência do art. 3º, § 2º, do Código de Defesa do Consumidor.

7. Diante do exposto, nego provimento ao recurso especial. ...» (Min. Luis Felipe Salomão).»

Doc. LegJur (125.5323.6000.1500) - Íntegra: Click aqui


Referência(s):
Consumidor (Jurisprudência)
Factoring (Jurisprudência)
Contrato de factoring (Jurisprudência)
Instituição financeira (v. Factoring ) (Jurisprudência)
Avença mercantil (v. Consumidor ) (Jurisprudência)
Relação de consumo (v. Consumidor ) (Jurisprudência)
CDC, art. 2º
CDC, art. 3º, § 2º
CDC, art. 4º
CDC, art. 29
Lei 4.595/1964, art. 17 (Legislação)
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