Jurisprudência em Destaque

STJ. 3ª Seção. Pena. Execução penal. Embargos de divergência. Falta disciplinar grave. Interrupção do prazo para concessão de benefícios, entre eles a progressão de regime, exceto livramento condicional e comutação das penas. Precedentes do STJ e STF. Embargos providos para assentar que a prática de falta grave representa marco interruptivo para obtenção de progressão de regime prisional. Amplas considerações, no VOTO VENCIDO, do Min. Adilson Vieira Macabu sobre o tema. Súmula Vinculante 9/STF. Lei 7.210/1984, arts. 50, 51, 112, 118 e 127. CP, art. 83.

Postado por Emilio Sabatovski em 02/07/2012
«... VOTO VENCIDO. Trata-se de embargos de divergência em recurso especial, opostos pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, com o objetivo de uniformizar o entendimento conflitante entre as Turmas desta c. Terceira Seção, a respeito do efeito sobre o cálculo do lapso temporal para a progressão de regime prisional, a partir do cometimento de falta grave na execução criminal.

A Quinta Turma tem adotado o entendimento de que após o cometimento de falta grave deve ser reiniciada a contagem do lapso temporal para a obtenção da progressão de regime prisional sem, contudo, interromper-se o período aquisitivo para a obtenção de outros benefícios carcerários, tais como o livramento condicional e a comutação de pena.

A Sexta Turma filia-se ao entendimento de que não há previsão legal para o reinício da contagem do tempo necessário à obtenção da progressão de regime prisional, limitando-se o incidente da execução a macular o requisito subjetivo consistente no comportamento carcerário do apenado.

Nos presente autos, o eminente Ministro Relator Napoleão Nunes Maia Filho apresentou voto no sentido da tese perfilhada pela Quinta Turma, considerando que o cometimento de falta grave, com a consequente regressão, quando for o caso, e a perda de parte dos dias remidos, deve acarretar o reinício do cálculo do lapso temporal para nova progressão de regime, tendo como base o quantum remanescente da pena, considerando-se tal medida como consectário lógico da punição administrativa pela falta grave.

A divergência foi aberta pelo voto da eminente Ministra Maria Thereza de Assis Moura, sob os fundamentos de que (i) não há previsão legal para o reinício da contagem do tempo necessário à progressão de regime, (ii) a criação desse requisito importa a atuação legiferante do poder judiciário e (iii) é vedada na hermenêutica penal a utilização da analogia in malam partem, sob pena de ferir-se o Princípio da Anterioridade.

Neste processo, votaram com o eminente Ministro Relator os Ministros Jorge Mussi e Vasco Della Giustina. De outro lado, acompanharam a divergência, os Ministros Og Fernandes e Sebastião Reis Júnior.

Após, pedi vista dos autos para melhor analisar a quaestio.

É certo que a Constituição Federal consagra o primado do Princípio da Legalidade, nos termos do postulado do art. 5º, II, segundo o qual «ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei».

Na lição de Alexandre de Moraes, em seu Direito Constitucional, lemos que «só por meio das espécies normativas devidamente elaboradas conforme as regras de processo legislativo podem-se criar obrigações para o indivíduo, pois são expressão da vontade geral» (MORAES, Alexandre de. DIREITO CONSTITUCIONAL, Ed. Atlas, 24ª ed., fl. 41).

Segue o autor, citando Garcia de Enterría, verbis:


«quanto ao conteúdo das leis, a que o princípio da legalidade remete, fica também claro que não é tampouco válido qualquer conteúdo (dura lex, sed lex), não é qualquer comando ou preceito normativo que se legitima, mas somente aqueles que se produzem dentro da Constituição e especialmente de acordo com a sua ordem de valores que, com toda a explicitude expressem e, principalmente, que não atentem, mas que pelo contrário sirvam aos direitos fundamentais» (Op. Cit., fl. 42)

Por seu turno, impõe-se assinalar que o Direito Penal está íntima e intrinsecamente ligado aos comandos e limites constitucionais, mormente pela gravidade dos fatos a que se aplica, bem como, à consequência irretratável que se manifesta com a cominação da sanção de natureza penal.

O eminente Ministro Luiz Vicente Cernicchiaro, in memoriam, fez questão de destacar essa relação em sua obra Estrutura do Direito Penal, assim descrito:


«O Direito Penal está intimamente relacionado ao Direito Constitucional. Aliás, são setores jurídicos que a partir do Iluminismo sempre caminharam paralelamente.


O Direito Constitucional - relativo à Carta Política, diploma legal que enfeixa e garante a proteção dos direitos dos cidadãos - por razões políticas e históricas, estaria - e continua - presente no quadro do Direito Penal resultante do Humanismo.


Não é sem explicação e lógica, portanto, que princípios diretores do Direito Penal, como reforço e expressão do direito de liberdade, comparecessem tanto nas Constituições como nos Códigos Penais.» (fl. 126)

Portanto, é forçosa a abordagem do tema em julgamento à luz do Princípio da Legalidade, como regente basilar da matéria.

A Lei de Execução Penal expressa que o sistema penitenciário adotado no Brasil se funda na forma progressiva do cumprimento da pena, conforme lê-se no art. 112, na forma alterada por legislação posterior:


«Art. 112. A pena privativa de liberdade será executada em forma progressiva com a transferência para regime menos rigoroso, a ser determinada pelo juiz, quando o preso tiver cumprido ao menos um sexto da pena no regime anterior e ostentar bom comportamento carcerário, comprovado pelo diretor do estabelecimento, respeitadas as normas que vedam a progressão. (Redação dada pela Lei 10.792, de 2003)


§ 1º A decisão será sempre motivada e precedida de manifestação do Ministério Público e do defensor. (Redação dada pela Lei 10.792, de 2003)


§ 2º Idêntico procedimento será adotado na concessão de livramento condicional, indulto e comutação de penas, respeitados os prazos previstos nas normas vigentes. (Incluído pela Lei 10.792, de 2003)» (grifo nosso)

De outro lado, é certo que o mesmo diploma legal prevê a forma regressiva na execução da pena privativa de liberdade, nos termos do art. 118, verbis:


«Art. 118. A execução da pena privativa de liberdade ficará sujeita à forma regressiva, com a transferência para qualquer dos regimes mais rigorosos, quando o condenado:


I - praticar fato definido como crime doloso ou falta grave;


II - sofrer condenação, por crime anterior, cuja pena, somada ao restante da pena em execução, torne incabível o regime (artigo 111).


§ 1º O condenado será transferido do regime aberto se, além das hipóteses referidas nos incisos anteriores, frustrar os fins da execução ou não pagar, podendo, a multa cumulativamente imposta.


§ 2º Nas hipóteses do inciso I e do parágrafo anterior, deverá ser ouvido previamente o condenado.» (grifo nosso)

Além da referida regressão de regime, o condenado que cometer falta grave estará sujeito às sanções previstas no art. 127 da LEP, hoje assim redigido:


«Art. 127. Em caso de falta grave, o juiz poderá revogar até 1/3 (um terço) do tempo remido, observado o disposto no art. 57, recomeçando a contagem a partir da data da infração disciplinar. (Redação dada pela Lei 12.433, de 2011)»

Ainda no que concerne ao cometimento da falta grave, prevista nos arts. 50 e 51 da LEP, o legislador federal estabeleceu no art. 57, parágrafo único, que:


«Art. 57. Na aplicação das sanções disciplinares, levar-se-ão em conta a natureza, os motivos, as circunstâncias e as conseqüências do fato, bem como a pessoa do faltoso e seu tempo de prisão. (Redação dada pela Lei 10.792, de 2003)


Parágrafo único - Nas faltas graves, aplicam-se as sanções previstas nos incisos III a V do art. 53 desta Lei. (Redação dada pela Lei 10.792, de 2003)» (grifo nosso)

Quais sejam:


«Art. 53. Constituem sanções disciplinares:


I - advertência verbal;


II - repreensão;


III - suspensão ou restrição de direitos (artigo 41, parágrafo único);


IV - isolamento na própria cela, ou em local adequado, nos estabelecimentos que possuam alojamento coletivo, observado o disposto no artigo 88 desta Lei.


V - inclusão no regime disciplinar diferenciado. (Incluído pela Lei 10.792, de 2003) (grifo nosso)

Frise-se, por oportuno que as hipóteses punitivas aqui previstas constituem-se em numerus clausus, não havendo falar em rol meramente exemplificativo.

Por tudo que aqui se expôs, é certo que não há, de forma alguma, qualquer remição legal que determine ou autorize o reinício da contagem do prazo para a obtenção da progressão de regime, quer pelo total da pena imposta, quer pelo saldo remanescente a ser cumprido.

Releva notar que o cometimento de falta grave na execução da pena privativa de liberdade «pode revelar má conduta carcerária, impedindo, assim, o preenchimento do requisito subjetivo para a progressão. Mas não pode estar vinculado ao requisito temporal que é objetivo», como expressamente ressaltou a eminente Ministra Maria Thereza de Assis Moura, ao inaugurar a divergência nos autos do EResp 1.176.486/SP, cujo julgamento faz-se concomitantemente com este feito, por tratar da mesma matéria.

Há aqueles que entendem que o reinício da contagem do prazo para a obtenção de nova progressão de regime é consectário lógico da própria regressão, em razão de cometimento de falta grave, pois o apenado não se mostra ressocializado, devendo cumprir novo interstício para a obtenção do benefício carcerário progressivo.

Todavia, tal conclusão decorre do exercício de interpretação realizado pelo julgador.

Assim, deve-se analisar a hermenêutica adequada à aplicação da quaestio jure.

É inquestionável que cabe o Estado-Juiz, no uso do poder decorrente de sua investidura, a prática da interpretação das normas, a partir da hermenêutica jurídica.

Todavia, a hermenêutica própria do Direito Penal encontra sérias limitações, a fim de evitar-se o abuso de poder por parte do Estado, em desfavor do cidadão.

Ademais, deve-se ressaltar que o uso da analogia na criação de figuras típicas ou no agravamento da condição jurídica do cidadão, ou seja, in malam partem, além de violar o status libertatis inerente a todos, viola o Princípio da Anterioridade da lei penal, segundo o qual nullum crimen, nulla poena sine legge praevia.

Nos dizeres de Basileu Garcia, citado por Luiz Vicente Cernicchiaro, na obra anteriormente referida:


«a analogia é um método de ampliação e extensão do âmbito da norma jurídica: aplica-se a um fato não previsto por lei, uma lei destinada a prever fatos semelhantes. É suficiente esse conceito para se ver que a sua utilização no campo repressivo, para o fim de punir, aberra inteiramente do princípio da legalidade dos delitos e das penas, e que ela não pode ser consentida no Direito Criminal dos povos que o inscrevem nos pórticos da sua legislação». (grifo nosso)

Sempre oportuno lembrar o texto do eminente Ministro Francisco de Assis Toledo, em seus Princípios Básicos de Direito Penal, ensina que «corolário do princípio da legalidade é a proibição da analogia para fundamentar ou agravar a pena» (fl. 26).

Segue o saudoso professor: «estando regulamentada em lei uma situação particular, aplica-se por analogia essa mesma regulamentação a outra situação particular, semelhante mas não regulamentada. É uma conclusão que se extrai do particular para o particular», procedimento claramente incompatível com a defesa dos interesses públicos, inerentes ao Direito Penal e ao mister do Juiz no Estado Democrático de Direito.

O consagrado professor J. J. Gomes Canotilho ensina que «a tarefa de interpretar e aplicar princípios jurídicos encontra insuperável obstáculo no sentido comum das palavras», e segue, «não é válida a interpretação ou aplicação da norma que construa sentido contra o texto expresso do dispositivo, ou seja, do artigo da lei».

Na Teoria dos Princípios, Humberto Ávila delimita, de forma esclarecedora, a questão relativa aos limites interpretativos que se impõem ao Magistrado, aplicar a norma legal, verbis:


«O Poder Judiciário e a Ciência do Direito constroem significados, mas enfrentam limites cuja desconsideração geram um descompasso entre a previsão constitucional e o direito constitucional concretizado. Compreender provisória como permanente, trinta dias como mais de trinta dias, todos os recursos como alguns recursos, ampla defesa como restrita defesa, não é concretizar o texto constitucional. É, a pretexto de concretizá-lo, menosprezar seus sentidos mínimos. Essa constatação explica por que a doutrina tem tão efusivamente criticado algumas decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal.»

Aliás, historicamente, este Superior Tribunal já deu mostras de sua missão na defesa dos princípios aqui invocados.

Colaciona-se como exemplos (i) a questão referente ao regime integralmente fechado para o cumprimento da pena pelo cometimento de crimes hediondos, rechaçado pela Sexta Turma (REsp 48.719/SP Rel. Min. Luiz Vicente Cernicchiaro; HC 44.573/Sp, Rel. Min. Paulo Gallotti), bem como, (ii) a ofensa ao princípio da legalidade na aplicação de sanção por falta grave pelo uso de telefone celular dentro dos estabelecimentos prisionais, reconhecida pela Quinta Turma em precedentes dos eminentes Ministros Felix Fischer (HC 46.545/SP) e Gilson Dipp (HC 60.091/SP).

Em ambos os casos, o Superior Tribunal de Justiça reconheceu a inconstitucionalidade ou ilegalidade das normas, antes mesmo que o Excelso Pretório tenha, formalmente, declarado sua incompatibilidade com o texto constitucional.

Por todo o exposto, reconhecendo a revisão do entendimento adotado até o momento nos julgamentos da Quinta Turma, peço vênias respeitosas ao eminente Ministro relator para acompanhar a divergência. ...» (Min. Adilson Vieira Macabu).»

Doc. LegJur (124.3555.3000.8000) - Íntegra: Click aqui


Referência(s):
Pena (Jurisprudência)
Execução penal (v. Pena ) (Jurisprudência)
Falta disciplinar grave (v. Execução penal ) (Jurisprudência)
Benefícios (v. Execução penal ) (Jurisprudência)
Progressão de regime (v. Execução penal ) (Jurisprudência)
Livramento condicional (v. Execução penal ) (Jurisprudência)
Comutação das penas (v. Execução penal ) (Jurisprudência)
Falta grave (v. Execução penal ) (Jurisprudência)
Súmula Vinculante 9/STF
(Legislação)
(Legislação)
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CP, art. 83
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