Jurisprudência em Destaque

STJ. 2ª Seção. Recurso especial representativo de controvérsia. Consumidor. Recurso especial representativo da controvérsia. Responsabilidade civil. Seguro. Terceiro prejudicado. Ação de reparação de danos ajuizada direta e exclusivamente em face da seguradora do suposto causador. Descabimento como regra. Ampla defesa e devido processo legal. Considerações do Min. Luis Felipe Salomão sobre o tema. Precedentes do STJ. CPC, art. 543-C. CF/88, arts. 5º, LIV e LV. CCB/2002, art. 757.

Postado por Emilio Sabatovski em 16/06/2012
«... 2. É conhecida a inclinação desta Segunda Seção na seleção de recursos representativos de controvérsia (art. 543-C, CPC), no sentido de trazer a julgamento, pela nova sistemática, apenas os temas tranquilos no âmbito dos colegiados internos.

A novidade do sistema introduzido pela Lei 11.672/2008, deveras, recomendava a prudência deste Colegiado, ou seja, mostrava-se conveniente estabilizar apenas as questões jurídicas maduras para o encaminhamento de teses, porquanto as decisões passariam a irradiar seus efeitos para além do caso concreto, orientando a posição jurídica a ser observada nas instâncias ordinárias de jurisdição.

As exceções ficaram por conta de alguns casos novos, importantes e urgentes, em que se mostrava de todo conveniente o pronunciamento do STJ, mediante a sistemática insculpida no art. 543-C do CPC, mesmo em relação a temas não reiterados (por exemplo, REsp. 1.273.643/PR, de relatoria do e. Ministro Sidnei Beneti, que dizia respeito ao prazo de prescrição para o ajuizamento de execução individual de sentença proferida em ação coletiva).

Destarte, na linha da percepção que vem sendo construída por este Colegiado, tem-se que a questão ora submetida ao exame da colenda Segunda Seção é de extrema relevância, inclusive econômica, e tem obtido solução relativamente tranquila no âmbito da Corte.

Cuida-se de saber se é possível o ajuizamento de ação indenizatória direta e exclusiva contra a Seguradora de um dos veículos envolvidos no sinistro, quando o autor não mantém nenhum vínculo jurídico com esta.

3. Passo, pois, a examinar o recurso.

Rejeito, de saída, a alegação do amicus curiae (FENASEG) e do MPF sobre a inadmissibilidade do apelo nobre.

Deveras, o recorrente, pela alínea «a», apresentou fundamentação deficiente, circunstância que atrairia a incidência da Súmula 284/STF.

Porém, o recurso é admissível pela alínea «c» do permissivo constitucional, porquanto a dispersão jurisprudencial é notória, motivo pelo qual as formalidades alusivas à demonstração do dissídio e ao cotejo analítico entre o acórdão hostilizado e os paradigmas podem ser abrandadas.

Esse é o entendimento da Corte Especial (AgRg nos EREsp 280619/MG, Rel. Ministro JOSÉ ARNALDO DA FONSECA, CORTE ESPECIAL, julgado em 19/11/2003, DJ 19/12/2003, p. 301).

Em idêntico sentido são os seguintes precedentes: AgRg no REsp 679.164/RJ, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, julgado em 26/10/2010, DJe 08/11/2010; AgRg no Ag 1147125/SP, Rel. Ministro MASSAMI UYEDA, TERCEIRA TURMA, julgado em 08/09/2009, DJe 02/02/2010; AgRg nos EDcl no REsp 921.816/RJ, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em 17/03/2009, DJe 01/04/2009; AgRg no REsp 1082738/SC, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 05/04/2011, DJe 11/04/2011.

4. No mérito, tenho que, como regra, não parece cabível o ajuizamento de ação de indenização direta e exclusivamente contra a Seguradora do suposto causador do acidente, sem a participação desse no processo.

No caso julgado anteriormente submetido a esta Seção (REsp. 925.103/SP), asseverei que seria possível a condenação direta e solidária da Seguradora denunciada pelo segurado, ou a ele litisconsorciada, para ressarcir os danos experimentados por terceiros e causados pelo denunciante (segurado).

Porém, é bem de ver que, mesmo nesses casos, não há propriamente uma relação jurídica de direito material entre o terceiro (a vítima) e a seguradora, sendo que a solidariedade nasce somente por força de relação de direito processual (vítima e seguradora) e de uma obrigação aquiliana reconhecida judicialmente (entre o segurado e a vítima), sem a qual não haveria responsabilidade da seguradora de indenizar os danos sofridos por terceiros.

Vale dizer, a obrigação solidária da Seguradora de indenizar o terceiro, no caso anteriormente julgado, não decorreu pura e simplesmente do fato de o veículo segurado ter se envolvido em acidente automobilístico, mas do aperfeiçoamento de uma relação jurídica processual (seguradora x autor) e uma relação jurídica obrigacional, consistente no dever de indenizar imputado ao segurado.

A bem da verdade, antes da condenação do segurado, não se tem por observadas sequer as condições autorizadoras da indenização a terceiros, quais sejam a condição de «vítima» e a de «causador do dano» do segurado.

Aliás, este é o traço que caracteriza e conceitua o seguro de responsabilidade civil facultativo, qual seja, o de neutralizar a obrigação do segurado em indenizar danos causados a terceiros, nos limites dos valores contratados, razão pela qual não se dispensa, para exigir-se a cobertura securitária, a verificação da responsabilidade civil do segurado no sinistro.

Esse é o entendimento da mais abalizada doutrina civilista.

José De Aguiar Dias define seguro de responsabilidade civil, modalidade de garantia da reparação civil, nos seguintes termos:


Espécie desse gênero é o seguro de responsabilidade civil, cuja definição, adaptada daquela noção preliminar, pode ser dada nesses termos: seguro de responsabilidade civil é o contrato em virtude do qual, mediante o prêmio ou prêmios estipulados, o segurador garante ao segurado o pagamento da indenização que porventura lhe seja imposta com base em fato que acarrete sua obrigação de reparar o dano. O Código Civil de 2002 a ele se refere expressamente, dizendo o art. 787 que, no seguro de responsabilidade civil, o segurador garante o pagamento de perdas e danos devidas pelo segurado a terceiro.


[...]


O seguro de responsabilidade se distingue dos outros seguros de dano porque garante uma obrigação, ao passo que os últimos garantem direitos; ele surge como conseqüência do ressarcimento de uma dívida de responsabilidade, a cargo do segurado; os demais nascem da lesão ou perda de um direito de propriedade (seguro do prédio contra incêndio, do navio contra a fortuna do mar, das mercadorias transportadas), de um direito real (seguro do prédio gravado pelo credor hipotecário) ou simples direito de crédito (seguro da mercadoria transportada pelo transportador que quer o preço do transporte). (Da responsabilidade civil. 11ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, pp. 1.124 e 1.132)

Não discrepa de tal entendimento a doutrina de Caio Mário Da Silva Pereira, para quem «Seguro de responsabilidade civil tem por objeto transferir para o segurador as conseqüências de danos causados a terceiros, pelos quais possa o segurado responder civilmente» (Instituição de direito civil. 11ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 470).

Sobre seguro de responsabilidade civil, vale conferir também a lição de Rui Stoco:


O denominado seguro de responsabilidade civil, segundo Munir Karam a principal carteira do mercado segurador, é uma subespécie do seguro de danos: o segurador garante o pagamento de perdas e danos devidos pelo segurado a terceiros (...).


É, aliás, o que dispõe o art. 786 do CC.


Observou o ilustre professor e destacado magistrado do Estado do Paraná que essa modalidade não se confunde com o chamado seguro de carros contra furto, roubo, danos materiais e incêndio. Este protege determinado bem do segurado; aquele se limita a ressarci-lo da obrigação de indenizar por danos causados a terceiros.


[...]


Tem as características e atributos de um contrato condicional e aleatório e, essencialmente, de contrato de garantia, mas que se distingue de outras convenções de garantia, seja no seu objeto, seja no que pertine à contraprestação estipulada. (In. Tratado de Responsabilidade Civil: doutrina e jurisprudência. 7ª ed. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2007, p. 703)

Com efeito, a figura central do seguro de responsabilidade civil é, exatamente, a obrigação de indenizar imputável ao segurado por danos causados a terceiros, e não a pura e simples ocorrência de sinistro envolvendo o bem segurado.

Vale dizer, a obrigação da Seguradora, a toda evidência, está sujeita a condição suspensiva que não se implementa pelo simples fato de ter ocorrido o sinistro, mas somente pela verificação da eventual obrigação civil do segurado.

Nessa linha de raciocínio, penso que não há como, segundo os ditames do devido processo legal e da ampla defesa, reconhecer a responsabilidade civil do segurado em demanda intentada à sua revelia, envolvendo somente a suposta «vítima» e a Seguradora do suposto «causador do dano».

Em demandas desse jaez, fica inviabilizada a investigação de todas as circunstâncias do evento e somente se chega à conclusão acerca da responsabilidade da seguradora 1) pelo fato de constar no contrato de seguro essa obrigação, a qual, como dito, está sujeita a condição suspensiva; 2) por presunção de que quem reclama a indenização ostenta a condição de «vítima», e que o segurado é o «causador do dano», inferências que podem não se verificar após a dilação probatória com a participação de todos os envolvidos.

Nesse passo, alguns precedentes partem de premissa que, se verdadeira, enseja, em qualquer circunstância, a responsabilidade da seguradora em relação a terceiros, ou seja, a premissa de que o segurado ostenta a condição de «causador do dano» (REsp 1245618/RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 22/11/2011, DJe 30/11/2011 e REsp 401.718/PR, Rel. Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, QUARTA TURMA, julgado em 03/09/2002, DJ 24/03/2003, p. 228).

Porém, a meu juízo, como não é possível aferir validamente a condição de «causador do dano» sem a participação na lide desse presumido autor (o segurado), descabe, de regra, o ajuizamento de ação da «alegada vítima», direta e exclusivamente em face da Seguradora.

5. Não fosse por isso, nem sempre a verificação simples dessa responsabilidade civil obriga a Seguradora a pagar a indenização securitária.

Pelo contrário, a depender das circunstâncias em que o segurado se envolveu no acidente, ou seja, a depender do motivo determinante da responsabilidade civil do segurado, a Seguradora pode eximir-se da obrigação contratualmente assumida.

Refiro-me aos típicos casos de agravamento intencional dos riscos pelo segurado, por exemplo, mediante embriaguez voluntária ou por ilícito decorrente de ato doloso de sua parte (art. 762, Código Civil), hipóteses em que, embora o segurado esteja obrigado a indenizar o terceiro, não estará a seguradora obrigada a pagar a indenização securitária.

Assim, figurando-se a hipótese em que o autor alega ter sido «vítima» de acidente automobilístico «causado» por veículo segurado, e tendo a ação sido ajuizada exclusivamente em face da Seguradora, não terá esta meios de defesa para provar eventual inversão na causalidade do acidente e, tampouco, poderá verificar a ocorrência de fato extintivo da obrigação de indenizar, como a embriaguez voluntária do segurado que, no mais das vezes, agrava o risco de sinistro.

Consequentemente, sem as exatas dimensões das circunstâncias que envolveram o sinistro, corre-se o risco de a seguradora pagar a indenização exatamente para o real causador do dano.

Essa foi, inclusive, a percepção do eminente Ministro Barros Monteiro, no voto vista proferido no REsp. 257.880/RJ, e que em razão da substanciosa argumentação, incorporo-o como fundamento do presente voto, verbis:


O objetivo do contrato de seguro, nesse particular, foi o de resguardar o segurado das conseqüências patrimoniais que lhe pudessem advir em razão de eventual dano ocasionado pelo veículo de sua propriedade a terceiro. Conforme se pode verificar, o seguro foi ajustado em favor do segurado e não em favor de terceiro.


Daí por que não se pode reputar, nessa hipótese, a pactuação feita como uma «estipulação em favor de terceiro».


Ricardo Bechara Santos, advogado especializado em «Direito de Seguro» lembra que «o seguro de responsabilidade tem como finalidade o modo de garantir ao responsável pelo evento os meios de suportar esta obrigação. O encargo em si é o desembolso possível de indenização, não o ato ilícito, repita-se à exaustão. O seguro de RC, enfim, não tem por escopo a garantia da substituição processual (vedada nos melhores códigos processualistas) do segurado pelo segurador na demanda que somente contra aquele cabe ser intentada» (Direito de Seguro no Cotidiano, pág. 509, ed. 1.999 – Forense).


Os autores, pais da vítima que pilotava o veículo no momento do acidente, não são parte no contrato firmado entre a dona do auto-carga e a empresa seguradora. Então, cuidando-se de simples contrato de seguro de responsabilidade civil, para obter a indenização devida em virtude da morte do filho era de inteiro rigor que os demandantes ajuizassem, antes de mais nada, a ação reparatória de danos contra a proprietária do veículo automotor. Consoante escólio lançado pelo mesmo jurista acima referido, «o seguro de Responsabilidade Civil, pois, no Brasil e em boa parte do mundo, é seguro de reembolso por excelência, em que, primeiro, há de se caracterizar a responsabilidade civil do segurado e o pagamento pelo mesmo despendido para, depois, assegurar-lhe o direito de reembolso junto ao segurador, que é chamado à liça. Isto porque, o risco de que se ocupa tal modalidade de seguro não é, como naqueles outros casos, o dano causado a terceiro, porém, sim, a própria responsabilidade civil do segurado e a proteção do dano que essa responsabilidade civil cause ao seu próprio patrimônio – e não de terceiro, repita-se – pelo desfalque que decorre dessa mesma responsabilidade pelo fato do desembolso» (ob. citada, pág. 597).


Assim, o seguro visou aí primordialmente, consoante já assinalado, a resguardar o segurado das perdas patrimoniais que poderia vir a sofrer, caso o veículo objeto da avença, provocasse algum dano a terceiro.


Todavia, desprezaram tourt court a eventual culpabilidade da empresa segurada pelo dano causado, pressuposto natural ao ressarcimento pretendido. Propuseram, desde logo, a ação contra a empresa seguradora, como se o contrato de seguro tivesse sido celebrado em favor deles próprios. Descartaram a circunstância de que, sendo segurada a proprietária do veículo, a obrigação desta de reparar os danos somente surgiria com a demonstração de sua responsabilidade pelo evento. Ressai estranho que, sendo a vítima fatal o próprio condutor do veículo sinistrado, viessem os autores a postular a indenização sem antes perquirir sobre a culpabilidade lato sensu da proprietária do veículo. Esta é quem teria, na verdade, condições de apresentar a sua defesa. Não é absurdo considerar-se que, em face da situação particular do acidente, a culpa pelo ocorrido fosse atribuível à própria vítima. Aí, então, qualquer reparação seria indevida, uma vez que no caso não se cogita de seguro obrigatório de cunho social e, sim, seguro facultativo de responsabilidade civil.


«E é a ele, o segurado e autor do dano, que caberia aduzir a melhor defesa, posto que conhecedor dos fatos sobre os quais a mesma defesa é deduzida, com os detalhes que o segurador pode desconhecer» (ob. citada, pág. 507).


Daí reputar-se como imperioso que, no caso dos autos, os autores, antes de mais nada, promovessem a responsabilidade da empresa dona do auto-carga, a quem caberia requerer a denunciação da lide à seguradora, a fim de assegurar o seu direito de regresso.

6. Também não entendo seja o seguro de responsabilidade civil facultativo uma espécie de «estipulação em favor de terceiro», como é o caso do seguro de vida.

No seguro facultativo de responsabilidade civil, como dito anteriormente pelo eminente Ministro Barros Monteiro, e apoiado em judiciosa doutrina, a avença é celebrada em benefício do segurado, e não de terceiro, exatamente para neutralizar a responsabilidade civil daquele em relação a este.

No rigor da palavra, o terceiro não é o beneficiário do seguro facultativo de responsabilidade civil, exatamente porque sofreu prejuízo anterior do qual busca apenas o ressarcimento (e não um benefício), sendo o segurado o real beneficiário, exatamente porque se lhe evita um prejuízo posterior com o eventual reconhecimento de sua obrigação de indenizar.

Até mesmo o Ministro Eduardo Ribeiro, que então defendia a possibilidade da ação direta e exclusiva em face da seguradora, rechaçava a fundamentação apoiada na estipulação em favor de terceiro.

Nesse sentido Sua Exa. se manifestou em voto-vista proferido no REsp. 228.840/RS, verbis:


A tese de que se trataria de estipulação em favor de terceiro pode-se dizer superada, pois evidentemente artificiosa. O contrato de seguro não é feito para beneficiar a vítima, mas para garantir o patrimônio do próprio segurado, caso tenha ele que responder por dano causado a terceiro.


O sinistro que dá lugar à obrigação de indenizar, observa a doutrina, não é o evento que lesou a vítima. Seu prejuízo, por si, não gera obrigação para o segurador que com ela não tem vínculo algum. Sinistro é a diminuição patrimonial suportada pelo segurado que, visando a acobertá-la, contratou com a seguradora. Essa a opinião de Viterbo, como exposta por Aguiar Dias (Da Responsabilidade Civil - 1994 - Forense - 9ª ed. - 1994).


O mesmo Aguiar, um dos principais defensores da admissibilidade da ação direta, apontou, como dando amparo a sua tese, o disposto nos artigos 126 do Código Brasileiro do Ar, então vigente (art. 286 do atual), 76 do Código Civil e 3º do Código de Processo Civil.


À norma do C.B.A pode-se objetar tratar-se de seguro obrigatório. E a objeção não encontrou resposta satisfatória, data venia, daquele eminente jurista. A obrigatoriedade do seguro de responsabilidade civil explica-se exatamente por visar a garantir o pagamento da indenização à vítima e não, simplesmente, recompor o patrimônio de quem o contratou. É o que sucede, também, no seguro de veículos terrestres.


A invocação dos demais artigos envolve petição de princípio.


Mencionou-se, ainda, o artigo 1.518 do Código Civil. O fato, entretanto, de que os bens do devedor fiquem sujeitos à reparação do dano não resolve o problema de que entre segurador e vítima não existe vínculo contratual.

Deveras, a estipulação em favor de terceiro, pela ótica puramente jurídica do Código Civil de 2002 (arts. 436 a 438), malgrado tenha se omitido o legislador «do lúcido e indispensável mister de elaborar um conceito explícito», deve ser considerado «aquele contrato cujo único programa consiste em outorgar uma atribuição patrimonial a favor de terceiro» (ASSIS, Araken [et. al.]. pp. Comentários ao código civil brasileiro, vol. 5. Arruda Alvim e Tereza Alvim (Coord.). Rio de Janeiro: Forense, 2007, 239-241), como é o caso do seguro de vida.

Por outro lado, o art. 437 do Código Civil, quando trata do direito de o beneficiário exigir a execução do contrato, aduz não poder o estipulante exonerar o devedor da avença anteriormente firmada, o que a toda evidência não ocorre com o seguro de responsabilidade civil facultativo, porquanto pode o segurado nem acionar a cobertura securitária preferindo firmar acordo extrajudicial com a vítima, exonerando assim a seguradora de sua obrigação contratual.

Não fosse por isso, a jurisprudência da Casa é pacífica no sentido de que, em contratos em benefício de terceiros, como o de seguro de vida, o estipulante é mero mandatário e não possui legitimidade nem para cobrar a indenização, nem para figurar no polo passivo da demanda ajuizada pelo terceiro beneficiário.

Nessa linha, a Terceira Turma decidiu que «no contrato de seguro de vida em grupo, o estipulante é mandatário. Não pode ele cobrar diretamente as indenizações que se destinam aos beneficiários em favor dos quais foi estipulado o seguro» (REsp 140.315/MG, Rel. Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, TERCEIRA TURMA, julgado em 23/06/1998, DJ 21/09/1998, p. 158).

Também se afirmou que «nos contrato de seguro em grupo, o estipulante é mandatário dos segurados, sendo parte ilegítima para figurar no polo passivo da ação de cobrança» (REsp 1106557/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 16/09/2010, DJe 21/10/2010).

No mesmo sentido são os seguintes precedentes: AgRg no REsp 1109504/DF, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, julgado em 23/08/2011, DJe 31/08/2011; EREsp 286.328/DF, Rel. Ministro ARI PARGENDLER, Rel. p/ Acórdão Ministro CASTRO FILHO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 24/05/2006, DJ 19/10/2006, p. 238.

O contrato de seguro facultativo de responsabilidade civil não possui essas particularidades. Certamente o segurado - que seria o estipulante pela tese contrária -, não é mandatário do terceiro envolvido no sinistro, possui sim legitimidade passiva para responder à ação indenizatória e legitimidade ativa para buscar os valores contratualmente assegurados.

Não fosse por isso, ainda que se considerasse o contrato de responsabilidade civil facultativo uma espécie de estipulação em favor de terceiro, isso não seria bastante para autorizar a cobrança direta e exclusiva do terceiro beneficiário contra a seguradora.

É que o «fato gerador» da obrigação de a seguradora indenizar o terceiro beneficiário deve ter sido anteriormente verificado, para assim lhe exigir o que foi avençado. No caso de seguro de vida, por exemplo, o fato gerador é a morte do estipulante, sem a qual não poderá ser exigido o pagamento do montante contratado.

No caso de seguro de responsabilidade civil facultativo, como dito noutro passo, é a responsabilidade do segurado o «fato gerador» da responsabilidade da seguradora, com a ressalva de cláusulas excludentes.

Ou seja, a morte do estipulante está para o seguro de vida assim como o reconhecimento da obrigação do segurado está para o seguro facultativo de responsabilidade civil, com a sensível e importante diferença de que a morte pode ser comprovada objetivamente pela certidão de óbito, ao passo que a obrigação do segurado em indenizar terceiro reclama, de regra, investigação mais alongada, e que, como dito à exaustão, não pode ser validamente reconhecida no âmbito judicial sem a participação do contratante na lide.

7. Finalmente, é importante ressaltar que não há nenhum prejuízo para quem se afirma vítima de acidente automobilístico, em ajuizar a ação indenizatória contra o segurado em conjunto com a seguradora, como vêm autorizando doutrina e jurisprudência.

Sem perda para nenhuma das partes envolvidas, ganham a segurança jurídica e o devido processo legal.

Não se desconhece, é bom que se advirta, o traço atual presente no contrato de seguro, imerso que é em uma importante função social, e, em razão disso, as relações jurídicas nele estabelecidas não se encerram puramente entre as partes.

Por isso mesmo, entendi cabível a condenação direta da seguradora, quando esta interveio no processo como litisdenunciada pelo segurado ou a ele litisconsorciada.

Contudo, a socialização das perdas - justificada no princípio constitucional da solidariedade - pode significar a diluição dos danos por toda a sociedade, mas não a pura e simples transferência dos prejuízos da vítima para um réu eleito por ela de forma concentrada, nada socializada e, por vezes, aleatória.

Nesse caso, como bem assevera Anderson Schreiber, o solidarismo hospeda-se apenas nas «condições para a deflagração do dever de reparar, enquanto a atribuição do dever em si continua arraigada ao individualismo mais visceral», resultando tal prática «em injustiça, a rigor, tão grave quanto manter o dano sobre a vítima» (Novos paradigmas da responsabilidade civil. 3 ed. São Paulo: Atlas, 2011, p. 7).

8. Portanto, como regra, alinho-me ao entendimento mais recente da Quarta Turma, no sentido de descaber ação indenizatória ajuizada direta e exclusivamente em face da seguradora do suposto causador do dano.

Nesse sentido, são os seguintes precedentes:


CIVIL E PROCESSUAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. ACIDENTE AUTOMOBILÍSTICO. INCLUSÃO DO SEGURADO E DA SEGURADORA NO PÓLO PASSIVO DA LIDE. LEGITIMIDADE PASSIVA DESTA.


I. A seguradora detém legitimidade passiva para, em conjunto com o segurado causador do dano, ser demandada diretamente pela vítima.


II. Precedente do Tribunal.


III. Recurso especial conhecido e provido.


(REsp 943.440/SP, Rel. Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, QUARTA TURMA, julgado em 12/04/2011, DJe 18/04/2011)


_________________________


CIVIL. CONTRATO DE SEGURO. AÇÃO DIRETA MOVIDA POR VÍTIMA CONTRA A SEGURADORA SEM A PRESENÇA DO SEGURADO NA LIDE. IMPOSSIBILIDADE.


I. Diversamente do DPVAT, o seguro voluntário é contratado em favor do segurado, não de terceiro, de sorte que sem a sua presença concomitante no pólo passivo da lide, não se afigura possível a demanda intentada diretamente pela vítima contra a seguradora.


II. A condenação da seguradora somente surgirá se comprovado que o segurado agiu com culpa ou dolo no acidente, daí a necessidade de integração do contratante, sob pena, inclusive, de cerceamento de defesa.


III. Recurso especial não conhecido.


(REsp 256.424/SE, Rel. Ministro FERNANDO GONÇALVES, Rel. p/ Acórdão Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, QUARTA TURMA, julgado em 29/11/2005, DJ 07/08/2006, p. 225)


_________________________

Havendo contrato de resseguro, por exemplo, que em tudo se assemelha a um contrato de seguro - embora seja regido por legislação própria, LC 126/2007 -, o entendimento tem sido o mesmo, no sentido de descaber ação direta do segurado contra o ressegurador:


AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. ACIDENTE DE TRÂNSITO. DENUNCIAÇÃO DA LIDE DA SEGURADORA E DA RESSEGURADORA. PENHORA DE BENS DE TITULARIDADE DA RESSEGURADORA PARA A SATISFAÇÃO DO CRÉDITO. INADMISSIBILIDADE.


1. A seguradora é, perante o segurado, a única responsável pelo pagamento da indenização. Não há qualquer dispositivo legal ou contratual que determine a solidariedade passiva da resseguradora com relação aos débitos da seguradora.


2. A responsabilidade da resseguradora limita-se ao repasse, para a seguradora, da importância prevista no contrato de resseguro. É dever da própria seguradora o pagamento total da condenação imposta por decisão judicial proferida em desfavor do segurado, nos limites da apólice.


3. Recurso especial conhecido e provido.


(REsp 1178680/RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 14/12/2010, DJe 02/02/2011)


_________________________

De resto, há de ser mencionado um detalhe importante acerca da caminhada da jurisprudência do STJ sobre o tema: quase todos os precedentes, sobretudo os da Terceira Turma, cujas ementas aparentemente contradizem a tese ora proposta, na verdade a chancelam, seja porque a ação fora proposta concomitantemente em face da seguradora e do segurado, seja porque alguns casos ostentavam particularidades aptas a autorizar a ação direta e exclusiva do terceiro em face da Seguradora (por exemplo, em caso de ressarcimento parcial do dano realizado diretamente pela Seguradora, admitindo a relação jurídica com o terceiro).

Assim, confira-se: AgRg no REsp 474921/RJ, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, julgado em 05/10/2010, DJe 19/10/2010; REsp 713.115/MG, Rel. Ministro CASTRO FILHO, TERCEIRA TURMA, julgado em 21/11/2006, DJ 04/12/2006, p. 300; REsp 444.716/BA, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 11/05/2004, DJ 31/05/2004, p. 300; REsp 294.057/DF, Rel. Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR, QUARTA TURMA, julgado em 28/06/2001, DJ 12/11/2001, p. 155; REsp 228.840/RS, Rel. Ministro ARI PARGENDLER, Rel. p/ Acórdão Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, TERCEIRA TURMA, julgado em 26/06/2000, DJ 04/09/2000, p. 150.

9. Portanto, para efeitos do art. 543-C do CPC, encaminho à apreciação desta Seção o seguinte entendimento:


a) descabe ação do terceiro prejudicado ajuizada direta e exclusivamente em face da Seguradora do apontado causador do dano.


b) de fato, no seguro de responsabilidade civil facultativo a obrigação da Seguradora de ressarcir danos sofridos por terceiros pressupõe a responsabilidade civil do segurado, a qual, de regra, não poderá ser reconhecida em demanda na qual este não interveio, sob pena de vulneração do devido processo legal e da ampla defesa.

10. No caso concreto, o acórdão recorrido aplicou corretamente o entendimento ora proposto, razão pela qual deve ser mantido. ...» (Min. Luis Felipe Salomão).»

Doc. LegJur (123.9262.8000.9700) - Íntegra: Click aqui


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Recurso especial representativo de controvérsia (Jurisprudência)
Consumidor (Jurisprudência)
Recurso especial representativo da controvérsia (Jurisprudência)
Responsabilidade civil (Jurisprudência)
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Terceiro prejudicado (v. Seguro ) (Jurisprudência)
Reparação de danos (v. Seguro ) (Jurisprudência)
Seguradora (v. Seguro ) (Jurisprudência)
Defesa (Jurisprudência)
Ampla defesa (Jurisprudência)
Devido processo legal (Jurisprudência)
CPC, art. 543-C
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2. Fácil Acesso: Uma plataforma simples e intuitiva que você pode acessar de qualquer dispositivo, a qualquer momento. Seu escritório fica tão flexível quanto você.

3. Busca Inteligente: Nosso algoritmo avançado torna sua pesquisa rápida e eficaz, sugerindo temas correlatos e opções para refinar sua busca.

4. Confiabilidade: Nosso time de especialistas trabalha incansavelmente para garantir a qualidade e a confiabilidade das informações disponíveis.

5. Economia de Tempo: Deixe de lado as horas de pesquisa em múltiplas fontes. Aqui, você encontra tudo o que precisa em um só lugar.

Invista no seu maior capital: o tempo

Você já deve saber que o tempo é um dos ativos mais preciosos na advocacia. Utilize o LegJur para maximizar sua eficiência, oferecendo ao seu cliente uma consultoria de alto nível fundamentada em informações confiáveis e atualizadas.

Depoimentos

"O LegJur transformou a forma como faço minha pesquisa jurídica. Agora, posso concentrar-me mais no desenvolvimento de estratégias para meus casos e menos na busca de informações."
— Maria L., Advogada

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