Jurisprudência em Destaque

STJ. 3ª T. Responsabilidade civil. Dano moral. Família. Filho. Poder familiar. Abandono afetivo. Compensação por dano moral. Possibilidade. Busca a lide em determinar se o abandono afetivo da recorrida, levado a efeito pelo seu pai, ao se omitir da prática de fração dos deveres inerentes à paternidade, constitui elemento suficiente para caracterizar dano moral compensável. Verba fixada em R$ 200.000,00. Considerações da Minª. Nancy Andrighi sobre a ilicitude e a culpa. CF/88, arts. 5º, V e X e 227. CCB/2002, arts. 186, 927, 1.634, II e 1.638, II. CF/88, art. 227.

Postado por Emilio Sabatovski em 03/06/2012
«... 2.1. Da ilicitude e da culpa

A responsabilidade civil subjetiva tem como gênese uma ação, ou omissão, que redunda em dano ou prejuízo para terceiro, e está associada, entre outras situações, à negligência com que o indivíduo pratica determinado ato, ou mesmo deixa de fazê-lo, quando seria essa sua incumbência.

Assim, é necessário se refletir sobre a existência de ação ou omissão, juridicamente relevante, para fins de configuração de possível responsabilidade civil e, ainda, sobre a existência de possíveis excludentes de culpabilidade incidentes à espécie.

Sob esse aspecto, calha lançar luz sobre a crescente percepção do cuidado como valor jurídico apreciável e sua repercussão no âmbito da responsabilidade civil, pois, constituindo-se o cuidado fator curial à formação da personalidade do infante, deve ele ser alçado a um patamar de relevância que mostre o impacto que tem na higidez psicológica do futuro adulto.

Nessa linha de pensamento, é possível se afirmar que tanto pela concepção, quanto pela adoção, os pais assumem obrigações jurídicas em relação à sua prole, que vão além daquelas chamadas necessarium vitae.

A ideia subjacente é a de que o ser humano precisa, além do básico para a sua manutenção – alimento, abrigo e saúde –, também de outros elementos, normalmente imateriais, igualmente necessários para uma adequada formação – educação, lazer, regras de conduta, etc.

Tânia da Silva Pereira – autora e coordenadora, entre outras, das obras Cuidado e vulnerabilidade e O cuidado como valor jurídico – acentua o seguinte:


O cuidado como expressão humanizadora, preconizado por Vera Regina Waldow, também nos remete a uma efetiva reflexão, sobretudo quando estamos diante de crianças e jovens que, de alguma forma, perderam a referência da família de origem(...).a autora afirma: o ser humano precisa cuidar de outro ser humano para realizar a sua humanidade, para crescer no sentido ético do termo. Da mesma maneira, o ser humano precisa ser cuidado para atingir sua plenitude, para que possa superar obstáculos e dificuldades da vida humana. (Abrigo e alternativas de acolhimento familiar, in: PEREIRA, Tânia da Silva; OLIVEIRA, Guilherme de. O cuidado como valor jurídico. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 309)

Prossegue a autora afirmando, ainda, que:


Waldow alerta para atitudes de não-cuidado ou ser des-cuidado em situações de dependência e carência que desenvolvem sentimentos, tais como, de se sentir impotente, ter perdas e ser traído por aqueles que acreditava que iriam cuidá-lo. Situações graves de desatenção e de não-cuidado são relatadas como sentimentos de alienação e perda de identidade. Referindo-se às relações humanas vinculadas à enfermagem a autora destaca os sentimentos de desvalorização como pessoa e a vulnerabilidade. Essa experiência torna-se uma cicatriz que, embora possa ser esquecida, permanece latente na memória. O cuidado dentro do contexto da convivência familiar leva à releitura de toda a proposta constitucional e legal relativa à prioridade constitucional para a convivência familiar. (op. cit. pp 311-312 - sem destaques no original).

Colhe-se tanto da manifestação da autora quanto do próprio senso comum que o desvelo e atenção à prole não podem mais ser tratadas como acessórios no processo de criação, porque, há muito, deixou de ser intuitivo que o cuidado, vislumbrado em suas diversas manifestações psicológicas, não é apenas uma fator importante, mas essencial à criação e formação de um adulto que tenha integridade física e psicológica e seja capaz de conviver, em sociedade, respeitando seus limites, buscando seus direitos, exercendo plenamente sua cidadania.

Nesse sentido, cita-se, o estudo do piscanalista Winnicott, relativo à formação da criança:


[...]do lado psicológico, um bebê privado de algumas coisas correntes, mas necessárias, como um contato afetivo, está voltado, até certo ponto, a perturbações no seu desenvolvimento emocional que se revelarão através de dificuldades pessoais, à medida que crescer. Por outras palavras: a medida que a criança cresce e transita de fase para fase do complexo de desenvolvimento interno, até seguir finalmente uma capacidade de relacionação, os pais poderão verificar que a sua boa assistência constitui um ingrediente essencial. (WINNICOTT, D.W. A criança e o seu mundo. 6ª ed. Rio de Janeiro:LTC, 2008)

Essa percepção do cuidado como tendo valor jurídico já foi, inclusive, incorporada em nosso ordenamento jurídico, não com essa expressão, mas com locuções e termos que manifestam suas diversas desinências, como se observa do art. 227 da CF/88.

Vê-se hoje nas normas constitucionais a máxima amplitude possível e, em paralelo, a cristalização do entendimento, no âmbito científico, do que já era empiricamente percebido: o cuidado é fundamental para a formação do menor e do adolescente; ganha o debate contornos mais técnicos, pois não se discute mais a mensuração do intangível – o amor – mas, sim, a verificação do cumprimento, descumprimento, ou parcial cumprimento, de uma obrigação legal: cuidar.

Negar ao cuidado o status de obrigação legal importa na vulneração da membrana constitucional de proteção ao menor e adolescente, cristalizada, na parte final do dispositivo citado: «(...) além de colocá-los a salvo de toda a forma de negligência (...)».

Alçando-se, no entanto, o cuidado à categoria de obrigação legal supera-se o grande empeço sempre declinado quando se discute o abandono afetivo – a impossibilidade de se obrigar a amar.

Aqui não se fala ou se discute o amar e, sim, a imposição biológica e legal de cuidar, que é dever jurídico, corolário da liberdade das pessoas de gerarem ou adotarem filhos.

O amor diz respeito à motivação, questão que refoge os lindes legais, situando-se, pela sua subjetividade e impossibilidade de precisa materialização, no universo meta-jurídico da filosofia, da psicologia ou da religião.

O cuidado, distintamente, é tisnado por elementos objetivos, distinguindo-se do amar pela possibilidade de verificação e comprovação de seu cumprimento, que exsurge da avaliação de ações concretas: presença; contatos, mesmo que não presenciais; ações voluntárias em favor da prole; comparações entre o tratamento dado aos demais filhos – quando existirem –, entre outras fórmulas possíveis que serão trazidas à apreciação do julgador, pelas partes.

Em suma, amar é faculdade, cuidar é dever.

A comprovação que essa imposição legal foi descumprida implica. por certo, a ocorrência de ilicitude civil, sob a forma de omissão, pois na hipótese o non facere que atinge um bem juridicamente tutelado, leia-se, o necessário dever de criação, educação e companhia – de cuidado – importa em vulneração da imposição legal.

Fixado esse ponto, impõe-se, ainda, no universo da caracterização da ilicitude, fazer-se pequena digressão sobre a culpa e sua incidência à espécie.

Quanto a essa monótono o entendimento de que a conduta voluntária está diretamente associada à caracterização do ato ilícito, mas que se exige ainda, para a caracterização deste, a existência de dolo ou culpa comprovada do agente, em relação ao evento danoso.

Eclipsa, então, a existência de ilicitude, situações que, não obstante possam gerar algum tipo de distanciamento entre pais e filhos, como o divórcio, separações temporárias, alteração de domicílio, constituição de novas famílias, reconhecimento de orientação sexual, entre outras, são decorrências das mutações sociais e orbitam o universo dos direitos potestativos dos pais – sendo certo que quem usa de um direito seu não causa dano a ninguém (qui iure suo utitur neminem laedit).

De igual forma, não caracteriza a vulneração do dever do cuidado a impossibilidade prática de sua prestação e, aqui, merece serena reflexão por parte dos julgadores, as inúmeras hipóteses em que essa circunstância é verificada, abarcando desde a alienação parental, em seus diversos graus – que pode e deve ser arguida como excludente de ilicitude pelo genitor/adotante que a sofra –, como também outras, mais costumeiras, como limitações financeiras, distâncias geográficas etc.

Todas essas circunstâncias e várias outras que se possam imaginar podem e devem ser consideradas na avaliação dos cuidados dispensados por um dos pais à sua prole, frisando-se, no entanto, que o torvelinho de situações práticas da vida moderna não toldam plenamente a responsabilidade dos pais naturais ou adotivos, em relação a seus filhos, pois, com a decisão de procriar ou adotar, nasce igualmente o indelegável ônus constitucional de cuidar.

Apesar das inúmeras hipóteses que poderiam justificar a ausência de pleno cuidado de um dos genitores em relação à sua prole, não pode o julgador se olvidar que deve existir um núcleo mínimo de cuidados parentais com o menor que, para além do mero cumprimento da lei, garantam aos filhos, ao menos quanto à afetividade, condições para uma adequada formação psicológica e inserção social.

Assim, cabe ao julgador ponderar – sem nunca deixar de negar efetividade à norma constitucional protetiva dos menores – as situações fáticas que tenha à disposição para seu escrutínio, sopesando, como ocorre em relação às necessidades materiais da prole, o binômio necessidade e possibilidade. ...» (Minª. Nancy Andrighi).»

Doc. LegJur (123.6575.4000.1800) - Íntegra: Click aqui


Referência(s):
Responsabilidade civil (Jurisprudência)
Dano moral (Jurisprudência)
Família (Jurisprudência)
Filho (v. Família ) (Jurisprudência)
Poder familiar (v. Família ) (Jurisprudência)
Abandono afetivo (v. Família ) (Jurisprudência)
Compensação por dano moral (v. Família ) (Jurisprudência)
Ilicitude (v. Abandono afetivo ) (Jurisprudência)
Culpa (v. Abandono afetivo ) (Jurisprudência)
CF/88, art. 5º, V e X
CF/88, art. 227.
CCB/2002, art. 186
CCB/2002, art. 927
CCB/2002, art. 1.634, II
CCB/2002, art. 1.638, II
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