Jurisprudência em Destaque

STJ. 2ª T. Administrativo. Ação civil. Improbidade administrativa. Prova testemunhal. Ausência de intimação do réu para audiência de oitiva de testemunha. Colisão entre princípios, contraditório, ampla defesa, economia processual e instrumentalidade das formas. Sopesamento. Prova não essencial. Fato incontroverso. Nulidade. Ausência de prejuízo. Pas de nullité sans grief. Considerações, no VOTO-VENCIDO, do Min. Mauro Campbell Marques sobre o tema. Lei 8.429/1992. CPC, arts. 242, § 2º, 249, § 1º e 331. CF/88, art. 5º, LV.

Postado por Emilio Sabatovski em 08/05/2012
«... VOTO-VENCIDO. Sr. Presidente e demais colegas, pedi vista dos autos em razão da complexidade do caso, que fica evidente a partir da simples leitura da bem elaborada ementa da proposta de voto do relator, Min. Humberto Martins.

A disputa jurídica posta no especial pode ser resumida da seguinte forma: ausente a intimação do réu-recorrente para acompanhar audiência em que se colhe depoimento de testemunha constitui ofensa ao devido processo legal, contraditório e ampla defesa nas hipóteses em que a referida prova é irrelevante para a caracterização de improbidade administrativa, mesmo tendo havido condenação?

Para tal pergunta, propõe o Ministro relator a seguinte resposta, segundo ementa constante da proposta de voto:


[...] conforme assentado pelo Tribunal de origem, a irregularidade da ausência de intimação do acusado não lhe trouxe prejuízo, seja porque a prova produzida sem o contraditório não foi determinante na fundamentação da sentença, seja porque o fato sobre o qual a testemunha foi interrogada era incontroverso ante a ausência de impugnação da defesa.


Tais circunstâncias elevam o peso dos princípios da instrumentalidade das formas e da economia processual, já que, em que pese a ausência de intimação do acusado para exercer o contraditório na oitiva da testemunha, tal vício não lhe acarretou prejuízo. Aplica-se, in casu, o princípio do «pas de nullité sans grief», segundo o qual não há nulidade sem prejuízo.

Em síntese, portanto, são três os argumentos de S. Exa., o relator:

(i) a prova produzida sem contraditório não foi determinante para o convencimento do magistrado;

(ii) da mesma forma, o fato sobre o qual a prova se referia era incontroverso; e

(iii) não houve prejuízo a justificar a anulação do processo.

Permitindo-me enfrentar tais argumentos em ordem diferente da enumerada, passo as minhas considerações.

Inicialmente, lembro que, analisando controvérsia bem semelhante a esta, porém no âmbito criminal, o Supremo Tribunal Federal vem entendendo de modo sistemático que a condenação, de per se, já importa em prejuízo suficiente para que, em casos tais, anule-se o processo desde o momento eivado de nulidade. Confiram-se exemplos:


EMENTAS: 1. COMPETÊNCIA CRIMINAL. «Habeas corpus». Impetração contra decisão de ministro relator do Superior Tribunal de Justiça. Indeferimento de liminar em habeas corpus. Caso de constrangimento ilegal manifesto. Conhecimento admitido, com atenuação do alcance do enunciado da súmula nº 691. Precedente. O enunciado da súmula 691 do Supremo não o impede de, tal seja a hipótese, conhecer de habeas corpus contra decisão do relator que, em habeas corpus requerido ao Superior Tribunal de Justiça, indefere liminar. 2. AÇÃO PENAL. Processo. Defesa. Cerceamento. Caracterização. Inquirição de testemunhas da acusação. Não intimação do defensor constituído, nem de defensor público ou ad hoc. Caso de nulidade absoluta. Prejuízo inerente à condenação do réu. Precedentes. Desnecessidade, porém, de renovação do processo, à conta de extinção da punibilidade por prescrição. HC concedido de ofício para pronunciá-la. É, desde o ato viciado, absolutamente nulo o processo em que, inquiridas testemunhas da acusação sem prévia intimação do defensor constituído, tenha sido o réu condenado. (HC 97.427/MG, Rel. Min. Cezar Peluso, Segunda Turma, DJe 2.6.2009 - negrito acrescentado)


EMENTA: Defesa: prova testemunhal produzida mediante carta precatória. 1. É da jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal que, à luz do art. 222, do C.Pr.Penal, para a produção da prova testemunhal em comarca diversa, basta seja a defesa intimada da expedição da carta precatória, incumbindo-lhe o ônus de informar-se, no juízo deprecado, da data designada para o ato. Precedentes. 2. Se não encontrada a testemunha, é imprescindível que a defesa tenha ciência inequívoca do retorno da carta precatória, não cabendo reclamar prova do prejuízo, que se materializa com a condenação advinda. Precedente (HC 76.062, 2ª T., Jobim, RTJ 179/297). (HC 87.027/RJ, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, Primeira Turma, DJU 13.12.2005 - negritos acrescentados)

Supero, pois, com apoio na jurisprudência da Corte Suprema, o primeiro óbice para o reconhecimento da nulidade absoluta apontado pelo relator (item iii, retro).

No mais, as assertivas de que o «fato» sobre o qual depôs a testemunha era incontroverso e de que a prova testemunhal impugnada não influiu no convencimento do magistrado sentenciante devem ser enfrentadas de modo conjunto.

É de se ressaltar, desde logo, que, se a testemunha foi chamada a depor sobre alegação incontroversa nos autos, seu depoimento era totalmente despiciendo. Os «fatos» incontroversos não devem ser, em regra, objeto de saneador - e, via de conseqüência, de atividade probatória - em razão do que dispõe o art. 334, inc. III, do CPC.

Nada obstante, uma vez que se decidiu (atecnicamente, frise-se) pela produção de prova testemunhal, penso que é indispensável, sob o manto do devido processo legal, contraditório e ampla defesa, que a defesa seja intimada sobre a colheita do depoimento. Explico.

Começo por citar comezinha lição doutrinária de Teoria Geral do Processo segundo a qual o direito ao contraditório e à ampla defesa abrange o direito à atividade probatória. Mais do que isto: o direito à atividade probatória inclui, entre outros, o direito subjetivo público das partes de influenciarem efetivamente no convencimento do magistrado.

O ponto não passou desapercebido por Fredie Didier Jr.:


O princípio do contraditório é reflexo do princípio democrático na estruturação do processo. Democracia é participação, e a participação no processo opera-se pela efetivação da garantia do contraditório. O princípio do contraditório deve ser visto como exigência para o exercício democrático de um poder.


O princípio do contraditório pode ser decomposto em duas garantias: participação (audiência; comunicação; ciência) e possibilidade de influência na decisão.


A garantia de participação é a dimensão formal do princípio do contraditório. Trata-se da garantia de ser ouvido, de participar do processo, de ser comunicado, poder falar no processo. [...]


Há, porém, a dimensão substancial do princípio do contraditório. Trata-se do «poder de influência». Não adianta permitir que a parte simplesmente participe do processo. Apenas isso não é o suficiente para que se efetive o princípio do contraditório. É necessário que se permita que ela seja ouvida, é claro, mas em condições de poder influenciar a decisão do magistrado.


Se não for conferida a possibilidade de a parte influenciar a decisão do órgão jurisdicional - e isso é o poder de influência, de interferir com argumentos, ideias, alegando fatos, a garantia do contraditório estará ferida. (Curso de Direito Processual Civil, vol. 1, 2010, p. 52 - negritos acrescentados)

Na espécie, tanto a dimensão formal, quanto a dimensão substancial, não foram observadas, na medida em que a defesa não foi intimada a comparecer à colheita de depoimento e, mesmo apelando com a alegação de nulidade dos atos subseqüentes, viu seu pleito legítimo ser tido por improcedente porque não houve prejuízo e porque a prova testemunhal não teria influído no convencimento do magistrado.

Bem, se a testemunha apenas falou sobre aspectos incontroversos nos autos, se a prova testemunhal não foi suficiente para influir no convencimento do magistrado, tudo isso é irrelevante porque, no campo das suposições, a presença da defesa poderia ter levado a testemunha a depor sobre questões controversas para as partes, a ponto de vir a influenciar no desfecho processual.

Sobre isto, trago ensinamentos de Dinamarco:


Por outro lado, a efetividade das oportunidades para participar depende sempre do conhecimento que a parte tenha do ato a ser atacado. O sistema inclui, portanto, uma atividade, posta em ação pelo juiz e seus auxiliares, consistente na comunicação processual e destinada a oferecer às partes ciência de todos os atos que ocorrem no processo.


[...]


Atenta a esse quadro de participação dos litigantes, a doutrina vem há algum tempo identificando o contraditório no binômio informação-reação, com a ressalva de que, embora a primeira seja absolutamente necessária sob pena de ilegitimidade do processo e nulidade de seus atos, a segunda é somente possível. (Instituições de Direito Processual Civil, vol. I, p. 222/223 - grifos e negritos acrescentados)

De se ver, pois, que não é possível saber qual seria a extensão da reação da defesa se tivesse havido informação. Isto é, com perdão da expressão, exercício de «futurologia», de «achismo».

São lapidares as palavras do Min. Cezar Peluso por ocasião do julgamento do HC 87.926/SP pelo Plenário do STF (negritos acrescentados):


Alegou-se - e, em casos análogos, se alega sempre - não ter sido demostrado o prejuízo da defesa. Mas o dano, esse resulta do teor mesmo do julgamento contrário ao réu e, como tal, é certo e induvidoso. Tenho relevado este fato intransponível. O prejuízo da defesa, em casos semelhantes, é sempre certo. Presumida é apenas a relação jurídico-causal entre o vício do processo e o teor gravoso do julgamento. E tal relação não pode deixar de presumir-se ante a impossibilidade absoluta de se atribuir o resultado injurioso ao réu a causa jurídica independente.


Só se poderia, deveras, afastar, quando menos, esse nexo entre o defeito processual e a certeza do prejuízo da defesa, se o resultado concreto do julgamento, caso em que qualquer recurso recurso seria absolutamente anódino e infrutífero, lhe tivesse sido favorável. Todas as vezes em que, sob arguição de vício processual na sessão de julgamento ou na decisão, a defesa saia de algum modo prejudicada, não é lícito opor argumentação baseada na hipótese de que, fosse outro o procedimento adotado, segundo a lei, o resultado teria sido o mesmo. É simplesmente impossível como se comportariam os julgadores, ou o prolator da decisão, se houvera sido observada a ordem legal do processo garantido pela Constituição!


Noutras palavras, não há como nem por onde argumentar como o fato de que a defesa não seria capaz de demonstrar outro prejuízo, senão com o resultado danoso do caso concreto, porque não se pode predizer, ou melhor, não se pode adivinhar que, se tivesse sido outra a ordem observada, o resultado do julgamento teria sido o mesmo.


Por isso, esta Corte, não poucas vezes, aludiu à impossibilidade de o réu provar prejuízo, que eu nem diria mais concreto, porque não há nada mais concreto que ato de todo contrário aos interesses da defesa, como é o juízo condenatório.


A mim me parece, dessarte, que tal objeção, aliás acolhida no acórdão ora impugnado, não tem, com o devido respeito, consistência alguma, porque parte de lucubração, qual seja, a de que, eventualmente, o mesmo resultado seria obtido, se a defesa, no caso, por exemplo, se tivesse manifestado depois do representante do Ministério Público. Não sabemos se o seria. Podemos até imaginar que, se se repetir o julgamento, o resultado da causa será o mesmo. Mas isso fora puro exercício de imaginação, que nada tem a ver com a necessidade de resguardar a ordem do justo processo da lei. (due process of law), garantido como direito fundamental pela Constituição da República. Até porque, doutro modo, se introduz este princípio incomentável: a ordem legal do processo pode ser sempre violada, desde que o resultado seja esse ou aquele! Isto é, outorga-se ao arbítrio do julgador, ao arbítrio de quem deve controlar a legalidade e a justiça do processo, o poder de decidir se deve, ou não, observar a Constituição da República, secundum eventum litis!

Parece evidente que as garantias de ciência e efetiva participação não podem ser analisadas com os olhos do futuro - ou, como explicitou, com invulgar conhecimento, o Min. Peluso, não podemos aplicar princípios e garantias constitucionais secundum eventus litis.

Em resumo: não se pode dizer, apenas porque já sabemos que o magistrado chegou às conclusões postas na sentença sem se valer do depoimento problemático, que não houve prejuízo ao réu por conta desta peculiaridade.

Garantias processuais devem ser observadas no momento em que elas são exigidas, no momento adequado, no momento em que elas precisam se fazer sentir de maneira efetiva. E nada mais.

Aqui, não existe verdadeira ponderação entre os princípios do contraditório e da ampla defesa com os princípios da instrumentalidade das formas e da economia processual porque, na hipótese, ao contemplarmos estes, não estaremos conferindo qualquer efetividade aos primeiros, não estamos dando qualquer dimensão de eficácia àqueles. Não há qualquer dimensão de peso conferida aos primeiros. O que ocorre, aqui, é pura e simplesmente a desconsideração dos dois primeiros, e não ponderação.

Desta forma, penso que todos os atos processuais que se seguiram à inquirição da testemunha merecem ser, agora, anulados.

Com essas considerações, renovando as vênias junto à relatoria, voto por DAR PROVIMENTO ao recurso especial, reconhecendo o cerceamento de defesa e, ato contínuo, a nulidade dos atos processuais que se seguiram à audiência objeto da controvérsia recursal. ...» (Min. Mauro Campbell Marques).»

Doc. LegJur (123.0700.2000.5100) - Íntegra: Click aqui


Referência(s):
Administrativo (Jurisprudência)
Ação civil (v. Improbidade administrativa ) (Jurisprudência)
Improbidade administrativa (Jurisprudência)
Prova testemunhal (Jurisprudência)
Intimação (Jurisprudência)
Intimação do réu (v. Prova testemunhal ) (Jurisprudência)
Audiência de oitiva de testemunha (v. Prova testemunhal ) (Jurisprudência)
Colisão entre princípios (v. Defesa ) (Jurisprudência)
Contraditório (Jurisprudência)
Defesa (Jurisprudência)
ampla defesa (v. Defesa ) (Jurisprudência)
Economia processual (Jurisprudência)
Instrumentalidade das formas (Jurisprudência)
Prova não essencial (v. Nuldiade ) (Jurisprudência)
Fato incontroverso (v. Nulidade ) (Jurisprudência)
Nulidade (Jurisprudência)
Ausência de prejuízo (v. Nulidade ) (Jurisprudência)
Prejuízo (v. Nulidade ) (Jurisprudência)
Pas de nullité sans grief (v. Nulidade ) (Jurisprudência)
(Legislação)
CPC, art. 242, § 2º
CPC, art. 249, § 1º
CPC, art. 331
CF/88, art. 5º, LV.
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