Jurisprudência em Destaque

TJRJ. 16ª Ccív. Ação possessória. Reintegração de posse. Família. Habitação. Retirada forçada de idosa (65 anos) do lar familiar praticada pelo filho da proprietária. Ausência de motivos relevantes que justifique o ato violento. Alegação de paternidade sócio-afetiva devido o seu convívio ser desde a tenra idade (8 anos). Aplicação do estatuto do idoso. Direito ao amparo e moradia. Recurso provido. Considerações do Des. Lindolpho Morais Marinho sobre o tema. CF/88, arts. 6º e 226. Lei 10.741/2003, art. 37. CPC, art. 926.

Postado por Emilio Sabatovski em 05/04/2012
... Inicialmente, deve ser rechaçada a tese que fundamenta a sentença a quo quanto à existência de um contrato de hospedagem, o qual restou findo diante do silêncio da proprietária quando esta indagada sobre possibilidade do retorno da apelante ao lar.

Outro ponto a ser destacado é o fato de que as partes ostentavam a mesma condição, ou seja, eram possuidores do imóvel, visto que a única proprietária do imóvel é a Sra. Ana Cândida de Siqueira, conforme documento de fls. 65.

Ora, é patente a existência de uma relação de cunho familiar entre as partes, conforme os vastos documentos colacionados aos autos que corroboram com as suas afirmativas de que existia um vínculo afetivo, não podendo ser simplesmente justificado seu afastamento do lar sob um aspecto contratual.

Dispõe o art. 226, da Constituição República que a família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.

A família é o instituto do direito civil formada por qualquer um dos pais e seus descendentes a qual recebe amparos jurídicos da norma em virtude da proteção exercida pelo Estado.

Em que pese não haver uma relação de filiação sanguínea e nem jurídica, como supostamente se deu do apelado através da adoção à brasileira, mas há uma relação de fato entabulada entre a proprietária do imóvel e a apelante, que vem sendo albergada pelo direito, que é a chamada paternidade sócioafetiva.

O aspecto sociológico da família é suportado pelo afeto entre os indivíduos que o compõem, de forma recíproca, apresentando sempre o imo da cooperação, fraternidade, amizade, cumplicidade, ou seja, um vínculo afetivo que é a base social do instituto familiar, sendo um elemento que une as pessoas gerando um comprometimento mútuo, solidário, com afinidade de projetos de vida e propósitos.

Desta forma, a família não deve ser constituída apenas pela condição formal do casamento em decorrência de fatores biológicos, mas também formadas pelas uniões baseadas no afeto, como ficou comprovada no presente caso.

Sobre o tema ensina MARIA BERENICE DIAS:


A mudança dos paradigmas da família reflete-se na identificação dos vínculos de parentalidade, levando ao surgimento de novos conceitos e de uma linguagem que melhor retrata a realidade atual: filiação social, filiação socioafetiva, posse do estado de filho.


Todas essas expressões nada mais significam do que a consagração, também no campo da parentalidade, do mesmo elemento que passou a fazer parte do Direito de Família. Tal como aconteceu com a entidade familiar, agora também a filiação passou a ser identificada pela presença de um vínculo afetivo paterno-filial. O Direito ampliou o conceito de paternidade, que passou a compreender o parentesco psicológico, que prevalece sobre a verdade biológica e a realidade legal.

Vale informar também o que ensina MARIA CRISTINA DE ALMEIDA, in Investigação de Paternidade e DNA: Aspectos Polêmicos. 2001:


O novo posicionamento acerca da verdadeira paternidade não despreza o liame biológico da relação paterno-filial, mas dá notícia do incremento da paternidade sócioafetiva, da qual surge um novo personagem a desempenhar o importante papel de pai: o pai social, que é o pai de afeto, aquele que constrói uma relação com o filho, seja biológica ou não, moldada pelo amor, dedicação e carinho constantes.

Ressalta-se que não há notícias nos autos de que a apelante tenha praticado quaisquer atos ou condutas que pudessem ensejar a sua violenta expulsão do lar que habitava junto com a sua mãe afetiva.

Há de se destacar que por todos os relatos dos autos a apelante era pessoa importante na vida da Sra. Ana Cândida de Siqueira, pois cuidava de sua saúde e zelava pelo seu bem-estar.

Ademais, a questão também se subsume ao Estatuto do Idoso, o qual dispõe no art. 37, in vebis:


Da Habitação


Art. 37. 0 idoso tem direito a moradia digna, no seio da família natural ou substituta, ou desacompanhado de seus familiares, quando assim o desejar, ou, ainda, em instituição pública ou privada.

Assim, deve ser garantido a apelante o direito a moradia digna, no abrigo de sua família, pois assim que ela deseja, devendo ser respeitada a sua vontade, ao invés de ser confirmada a retirada do único lar que teve da forma aviltante como relatada.

Nesse sentido:


FILHO ADOTIVO. MAUS TRATOS. AFASTAMENTO DO LAR IMPOSSIBILIDADE. DIREITO DO IDOSO. PREVALÊNCIA


AGRAVO DE INSTRUMENTO. REPRESENTAÇÃO POR INFRAÇÃO ADMINISTRATIVA C/C PEDIDO DE AFASTAMENTO DA AGRESSORA DO LAR. GENITORA QUE É ACUSADA DE NEGLIGÊNCIA E MAUS-TRATOS CONTRA SEUS TRÊS FILHOS ADOTIVOS, DOS QUAIS DOIS SÃO MAIORES DE IDADE E A OUTRA COMPLETOU 17 ANOS. DEFERIMENTO DA LIMINAR DE AFASTAMENTO DA GENITORA DO LAR, NA FORMA DO ART. 130 DO ECA. Trata-se de recurso pelo qual visa a Agravante obter a reforma da decisão que determinou o seu afastamento do lar, nos termos do art. 130 do ECA, em virtude da constatação de fortes indícios de negligência e maus-tratos perpetrados contra seus três filhos adotivos, sendo dois maiores de idade e uma adolescente de 17 anos. A recorrente alega que jamais teria praticado qualquer ato de violência física ou moral contra seus filhos adotivos, porém, subsiste um farto conjunto probatório que lhe é desfavorável, tendo sido colhidos pelo Parquet diversos depoimentos de vizinhos, psicólogos e assistentes sociais, todos atestando, em uníssono, o estado precário em que todos viviam. Trocas de acusações mútuas e recíprocas entre a adotante e os adotados que, a par de revelarem certa contradição e controvérsia sobre os fatos, não são suficientes para arrostar a enorme gravidade e delicadeza da situação, restando incontroversa a impossibilidade do convívio entre os envolvidos e, por conseguinte, a necessidade de intervenção estatal. Entretanto, a Agravante é viúva não possui outros filhos e vivia em sua residência adquirida quando, ainda, era solteira com seus animais de estimação e não se sabe da existência de outra moradia que pudesse abrigá-la com seus animais de estimação, enquanto que a filha adolescente de 17 anos de idade já se encontra abrigada em casa de pessoa amiga. Afastar uma pessoa idosa de seu imóvel para deixar em seu lugar a filha de 17 anos de idade com os irmãos maiores não me parece a situação mais adequada para o caso. Assim, em que pese a gravidade dos fatos e da necessidade, imperiosa, de se interromper essa sequência de violência e maus-tratos alegados pelos filhos adotivos da Agravante, não se pode conceber colocar na rua a mãe idosa, impondo-se a reforma da decisão recorrida. RECURSO PROVIDO. 0012163-32.2008.8.19.0000 (2008.002.11124) - AGRAVO DE INSTRUMENTO - DES. ELISABETE FILIZZOLA - Julgamento: 02/07/2008 - SEGUNDA CÂMARA CÍVEL (grifo nosso)

No que tange a ausência de declaração expressa da proprietária do imóvel quanto a possibilidade de retorno da autora ao lar, a mesma não pode ser considerada uma negativa, ante a nítida fragilidade a qual essa se encontrava, levando em consideração o seu estado de saúde e a presença do agressor da apelante no momento em que era inquirida.

No presente caso não pode ser o ditado de quem cala consente interpretado de forma negativa, tendo em vista o ambiente criado não ser propício a livre manifestação de vontade da Sra. Ana Cândida de Siqueira.

Assim, além da apelante, a própria proprietária se vê atingida pela situação conflitante criada pelo apelado, pois é crível que sinta falta dos cuidados dispensados pela apelante, conforme se denota das fotos colacionadas aos autos.

Pois bem, nessa conformidade, tem-se que a procedência do pedido de reintegração de posse é medida que se impõe.

Por cautela, devem ser oficiados os órgãos competentes, principalmente, o Ministério Público do Ofício da Tutela do Idoso, a fim de que tomem ciência do presente acórdão no intuito de que adotem as medidas necessárias para assegurarem a integridade física da apelante em seu retorno ao lar.

Ante tais considerações, voto no sentido de dar provimento ao recurso, a fim de conceder a reintegração de posse, possibilitando a apelante o seu retorno ao lar. ... (Des. Lindolpho Morais Marinho).

Doc. LegJur (122.2882.3000.2600) - Íntegra: Click aqui


Referências:
Ação possessória (Jurisprudência)
Reintegração de posse (Jurisprudência)
Família (Jurisprudência)
Retirada forçada de idosa (v. Idoso ) (Jurisprudência)
Idoso (Jurisprudência)
Paternidade sócio-afetiva (v. Idoso ) (Jurisprudência)
Direito a moradia (Jurisprudência)
Moradia (Jurisprudência)
Habitação (Jurisprudência)
CF/88, art. 226
(Legislação)
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