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STJ. 3ª T. Cemitério particular. Cessão de crédito. Abandono do direito. Cessão de contratos assinados em branco, emitidos em prol de primitivos proprietários do terreno, documentos na posse de ex-sócio de empresa comercializadora dos jazigos. Necessidade de notificação aos cedentes obrigados, para validade de transmissões. Títulos ao portador. Não configuração. Exaurimento dos contratos, relativamente ao cemitério particular, devido ao longo tempo de não exercício de pretendidos direitos. Esgotamento do direito («verwirkung», «supressio»). Considerações do Min. Sidnei Beneti sobre o tema. CCB/2002, arts. 887, 904 e 905.

Postado por Emilio Sabatovski em 21/02/2012
«... 13.- Como direito referente a bem alienável, de característica patrimonial, é claro que os direitos ao uso dos jazigos em causa podiam ser cedidos, como, aliás, pacífico entre as partes, o foi desde o início do cemitério em questão, tendo sido, mesmo, a cessão das frações, como salientado pelo autor, instrumento jurídico sob cuja égide o próprio empreendimento se viabilizou, a começar da cessão de unidades aos primitivos proprietários do terreno, pela ré, empreendedora da instituição.

Afirmar a cessibilidade de direitos contratuais patrimoniais truísmo que seria acaciano demonstrar. Em homenagem, contudo, à qualidade do debate travado nos autos, pode-se bem remeter à admirável explicação do mecanismo da cessão, tal como exposto por MARCELLO ANDREOLI, citado, aliás, pelo Acórdão, doutrinador que inicia prelecionando: «La cesión de contrato (presupuesto éste último como bilateral, almenos en la configuración típica de la institución) es el instrumento que permite realizar la llamada circulación del contrato, es decir, la transferencia negocial a un tercero (llamado cesionario) del conjunto de posiciones contractuales (entendido como resultante unitario de derechos y obligaciones orgánicamente interdependientes), constituida en la pesona de uno de los originarios contratantes (llamado cedente); de tal forma que, a través de esa sustitución negocial del tercero en la posición de «parte». del contrato en luar del cedente, dicho tercero subentra en la totalidd de los derechos y obligaciones que en su orgánica interpendencia se derivan del contrato estipulado por el cedente». (M. ANDREOLI, «La Cesión del Contrato», p. Madrid, 1956, ed. Revista de Derecho Privado, p. 2-3).

E, a seguir, debulhando, com clareza ímpar, a intimidade do mecanismo contratual, o mesmo professor esclarece: «En concreto, la posibilidad de hacer circular el contrato de compraventa, por ejemplo (nótese que que la institución ha encontrado su más frecuente aplicación práctica precisamente en materia de compraventa), permite un ahorro de tiempo y de gastos, porque el intermediario (cedente) en vez de comprar y recibir la cosa adquirida para revenderla a continuación y entregarla a sua vez al adrquirente posterior, se limita a comprar y ceder el contrato al tercero (cesionario) realizando una ganancia por la diferencia de precio». (ob. Cit., p. 3), arrematando com a lapidar síntese de FERRARA, Filho: «la cesión del contrato constituye, por tanto, según el autor, una forma disimulada para ejercer una actividad intermediaria». (M. ANDREOLI, «La Cesion del Contrato», p. Madrid, 1956, ed. Revista de Derecho Privado, p. 3, nota 4).

A cessibilidade contratual patrimonial, aliás, autoriza até mesmo a cessão do débito, ora disciplinada como assunção de dívida (CC/2002, art. 299) e permita-se reviver o primeiro escrito publicado pelo ora Relator: «Sendo negócio jurídico resultante de convenção entre as partes, não poderá ser-lhe recusada possibilidade de realização, pois, matéria eminentemente privada, apóia-se o instituto no princípio da liberdade de contratar, acolhido pelo nosso Direito». (SIDNEI AGOSTINHO BENETI, «Da Cessão de Débito», trabalho apresentado em 1970 ao saudoso Prof. Washington de Barros Monteiro, no curso de Especialização da USP, na cadeira de Direito Civil, RT 425/21).

14.- Admitida, embora, a cessão, a inviabilidade da pretensão do autor fundamenta-se em outros obstáculos, que, insuperáveis, arrastam à improcedência da ação, a saber: a) a ausência de anuência da ré relativamente à cessão do contrato em prol do autor; b) a não configuração do contrato como título apto à transferência, brevi manu, de direito de uso ao portador, e, finalmente, c) a insuperabilidade da conclusão fática do julgado, no sentido da não demonstração de causa jurídica, legitimadora da transferência dos créditos ao autor.

Examinam-se, a seguir, esses três obstáculos insuperáveis, já de início salientando-se que os fundamentos da sentença e do Acórdão, que honram a qualidade jurisdicional do trabalho de seus E. prolatores, a Juíza ANA PAULA TEIXEIRA MAFRA (e-STJ, fls. 1053) e o Des. ÊNIO SANTARELLI ZULIANI (e-STJ fls. 1134), já alinham, por si sós, motivos suficientes, a que se reporta este julgado, a arrimar o insucesso do presente Recurso Especial - em que pese o enorme esforço de patrocínio desenvolvido por patrono de competência e aplicação notórias.

15.- Quanto à aquiescência do réu, cedente do contrato de uso dos jazigos, era ela, necessária e, sem dúvida, jamais ocorreu.

Com efeito, a doutrina da cessão do contrato ressalta essa necessidade de concordância do cedente ao ingresso do cessionário no contrato, por intermédio da via oblíqua antes destacada na precisa lição de MARCELLO ANDREOLI (ob. cit., p. 2-3). Esclarece-se, para o nosso Direito, no precioso trabalho de DIMAS DE OLIVEIRA CÉSAR, também lembrado, aliás, pelo Acórdão, no sentido de que «o cedido pode recusar-se a prestar na pessoa do cessionário as obrigações que lhe incumbam». («Estudo sobre a Cessão do Contrato», S. Paulo, RT, 1954, p. 96).

Em outro enfoque, a inexcedível lição do Prof. AGOSTINHO ALVIM, cuja voz ainda ecoa no Direito Positivo, como autor do Livro de Obrigações do Código Civil de 2002, o qual, embora mitigando, na cessão de crédito, a condição de validade consistente na concordância do devedor, advertia, com fundamento no art. 1069 do Cód. Civil da época, que «a cessão de crédito não vale em relação ao devedor, senão quando a este notificada», explicando que «deve ser feita ao devedor a notificação de que o crédito foi cedido a uma terceira pessoa, a fim de que o devedor não pague mais ao credor originário e, sim, ao ceredor cessionário». («Direito Civil – Obrigações, II», preleções compiladas na Faculdade Paulista de Direito da Universidade Católica de São Paulo, s/ data, p. 78).

A lição, de resto, revivida ao se analisar o art. 290 do Cód. Civil de 2002 («a cessão do crédito não tem eficácia em relação ao devedor, senão quando a este notificada».), vê-se em MARIA HELENA DINIZ («Código civil Anotado», 15ª ed., 2010, p. 288) e SÍLVIO DE SALVO VENOSA («Código Civil Interpretado, S. Paulo, ed. Atlas, 2010, p. 326).

No caso, não houve notificação à ré de cessão dos contratos ao autor, alegadamente realizada por Nunzio Briguglio e Duílio Francisco Baldassarri, cessionários, estes, por sua vez, dos primitivos proprietários e primeiros cessionários, Vicenzo Palumbo e Gesualdo Palumbo. Do fato de eventualmente haver a ré cumprido outras cessões realizadas por Nunzio Briguglio e Duilio Francisco Baldassarri, admitindo, ainda que tacitamente, a cessão a estes realizada pelos anteriores cessionários seus, da ré, Vicenzo Palumbo e Gesualdo Palumbo, não resulta direito ao autor, conquanto detentor dos papéis, de exigir à ré o reconhecimento de cessões que alega haverem sido realizadas em seu prol – sem aquiescência escrita e sem notificação prévia à ré.

Ademais em desfavor de qualquer presunção de anuência em prol do autor vem o repúdio da ré, com veemência reprovada pelo próprio autor, na notificação a este dirigida para que não comercializasse direitos porventura sustentáveis à vista dos contratos (e-STJ, fls. 27 e segs) e não se deixando de ressaltar que, tanto era frágil a sustentação do autor, que se apressou, ele, em reconhecer, na inicial, que devia ter havido várias alienações diretas de jazigos pela própria ré, durante o largo tempo que mediou entre o recebimento dos documentos para comercializar (idos de 1970) e a propositura desta ação (inicial datada de 13.12.2000 – e-STJ, fls. 15).

Repita-se que a aquiescência da ré, assegurando aos seus cessionários, da ré, que eram, à época, os anteriores proprietários do terreno, Vicenzo Palumbo e Gesualdo Palumbo, para «livremente dispor, transferir, ceder ou promover a cessão, como lhes convier, não tendo qualquer obrigação perante a Comunidade religiosa João XXIII ou perante a Paulistana Administração e Participações». (transcrição na inicial, fls. 11), e estes, os cessionários Vicenzo Palombo e Gesualdo Palumbo e suas esposas, realmente transferiram os direitos de uso a Nunzio Briguglio e a Duílio Francisco Baldassarri, direitos sobre 232 e 2130 jazigos, respectivamente.

Não há, contudo, nenhum documento que comprove a anuência da ré na trasferência dos direitos de uso referentes aos jazigos em causa, ao autor ou à sua empresa comercializadora, a Universal, quando de alegadas transferências, pelos cessionários Nunzio Briguglio e Duílio Francisco Baldassarri ao autor.

A comercialização dos numerosos jazigos alegadamente comercializados pelo autor e sua empresa com terceiros adquirentes, certamente podia realizar-se mediante o só preenchimento dos claros dos formulários contratuais assinados pela ré e, quiçá, pela Paulista Administração e Participações Ltda, agindo o autor como mero detentor dos formulários, como agente comercializador, sem que essa detenção deles significasse haverem-se, ele ou a sua empresa, tornado titulares de direito próprio, à moda de propriedade com condição translatícia a terceiros.

Essa foi a interpretação dada à cláusula de anuência, constante, realmente, da escritura pública celebrada entre a ré e a Paulistana com os primeiros cessionários, anteriores proprietários do terreno. Essa interpretação, ademais, é perfeitamente adequada ao tipo de negócio que se realizava, de modo que não pode, a interpretação, ser considerada teratológica.

Prevalece, pois, essa interpretação, forrada a novo exame pelas Súmulas 5 e 7 deste Tribunal.

16.- Não houve violação do disposto nos arts. 904 e 905 do Cód. Civil de 2001, pois os contratos não eram, positivamente, aptos a qualificar-se como títulos de crédito, de forma a deduzir-se direito, neles contido, em prol de quem os possuísse – no caso, o autor.

O Código Civil de 2002 dispõe, reproduzindo a insuperável precisão de VIVANTE, que «o título de crédito, documento necessário ao exercício do direito literal e autônomo nele contido, somente produz efeito quando preencha os requisitos da lei». (CC/2002, art. 887).

Os títulos de crédito são numerus clausus no ordenamento jurídico, isto é, há necessidade de haver um dispositivo legal que diga que determinado documento se qualifica juridicamente como título de crédito. Mas, no caso, não foi apontado nenhum dispositivo legal em que se enquadrem os contratos, como títulos de crédito, nem se consegue imaginar onde, como títulos de crédito, ubicá-los.

Efetivamente, não se vê, no Código Civil, nem em outras leis, dispositivo que diga que contrato de cessão de uso de jazigo em cemitério constitua título de crédito.

Além disso, no caso, não se têm, nos documentos, direitos autônomos, porque dependiam de contrato anterior com os precedentes cedentes e não se tem, nos contratos de cessão de uso, em causa neste processo, títulos de crédito, mas simplesmente contratos, celebrados entre proprietários-administradores de cemitério particular e cessionários de uso de jazigos.

E muito menos se poderia ter, nos contratos em causa, títulos ao portador (CC/2001, arts. 904-905), transferíveis por mera tradição e presumindo direito de prestação em prol do portador.

Ademais, fossem eles títulos de crédito, nunca seriam títulos de crédito abstratos, pois ínsita, no encadeamento obrigacional, a causalidade, de modo que sempre seria necessário que o autor provasse a relação jurídica incrustada em cada documento.

Os documentos, por sua vez, no tocante à pretendida relação jurídica entre o autor e a ré, vinham absolutamente fulminados pela «suppressio», exposta, por MENDES CORDEIRO, «Da boa Fé no Direito Civil», Lisboa, Almedina 3ª Reimpressão, 2007, p.797), como perda de um direito pelo seu não exercício no tempo, permitindo-se anotar a síntese de RONNIE PREUSS DUARTE, como «fenômeno da supressão de determinadas faculdades jurídicas pelo decurso do tempo» («A Cláusula Geral da Boa-Fé no Novo Código Civil Brasileiro», São Paulo, Método, 2004, p. 427) e vinda a este Tribunal, quiçá pela primeira vez, em voto-vista do E. Min. RUY ROSADO E AGUIAR (REsp 207.509/SP). A supressio, aliás, como indicou o Acórdão, remonta a consequência da cláusula «Treu und Glauben» («lealdade», «crença», entre nós, boa-fé) do art. 242 do BGB (Cód. Civil Alemão, de 18.8.1896), sob a forma da Verwirkung (realização, esgotamento): Ein Recht ist verwirkt, wenn der Berecht es längere Zeit hindch nicht geltd gemacht hat u. der Verpflichtete sich nach dem gesmten Verhalten des Berecht darauf einrichten durfte u auch eingerichtet hat, dass dieser das Recht auch in Zukunft nicht geltd machen werde». – «Um direito é esgotado quando o titular não o realiza por longo tempo e o obrigado não devia tomar providências quanto ao uso e também providenciou para que esse direito não mais fosse válido para o futuro». («HELMUT HEINRICHS, em «Palandt, Bürgerliches Gesetzbuch», München, C. H. Becksche Verlagsbuchhandlung, 54ª ed., 1995, p. 233).

Não se trata de prescrição, mas de esgotamento, esvaziamento, demonstrado pelo longo tempo em que o autor desertou de praticizar alegados direitos que sustenta firmados em títulos de crédito ao portador – em conduta que não se vê como «id quod plerumque accidit». na matéria.

A informação, incontroversa, de que os jazigos, ou ao menos grande parte deles, foram objeto de cessões realizadas pela ré a terceiros, fato corroborado pela própria opção do autor em não mais negociar, por longo tempo, com terceiros, os contratos, indica insofismavelmente o esgotamento de eventual direito a eles, de que se pudesse em tese cogitar.

Nesse sentido, aliás, a repulsa, pela ré, na notificação enviada ao autor, advertindo a este de que não comercializasse pretensos direitos relativos aos documentos de exausta efetividade obrigacional. ...» (Min. Sidnei Beneti).»

Doc. LegJur (121.1135.4001.0400) - Íntegra: Click aqui


Referências:
Cemitério (Jurisprudência)
Cemitério particular (Jurisprudência)
Cessão de crédito (v. Títulos ao portador ) (Jurisprudência)
Abandono do direito (Jurisprudência)
Cessão de contratos assinados em branco (Jurisprudência)
Jazigos (v. Cemitério ) (Jurisprudência)
Notificação aos cedentes obrigados (v. Cessão de créditos ) (Jurisprudência)
Títulos ao portador (Jurisprudência)
Esgotamento do direito (Jurisprudência)
Verwirkung (v. Abandono do direito ) (Jurisprudência)
Supressio (v. Abandono do direito ) (Jurisprudência)
CCB/2002, art. 887
CCB/2002, art. 904
CCB/2002, art. 905
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