Jurisprudência em Destaque

STJ. 3ª T. Família. União estável. Concubinato. Ação de reconhecimento de sociedade de fato post mortem. Ausência de comprovação do esforço comum na aquisição de eventual patrimônio a ser partilhado. Requisito para fins de reconhecimento da sociedade de fato. Considerações da Minª. Nancy Andrighi sobre o tema. Precedentes do STJ. CF/88, art. 226, § 3º. CCB/2002, arts. 1.723 e 1.727. Lei 8.971/1994. Lei 9.278/1996.

Postado por Emilio Sabatovski em 17/11/2011
«... Da prova da existência de patrimônio adquirido pelo esforço comum como pressuposto para o reconhecimento de sociedade de fato (dissídio jurisprudencial).

Em suas razões recursais, a recorrente sustenta que «só é possível o reconhecimento da sociedade de fato em sendo comprovada a colaboração das partes para a aquisição do patrimônio». ao passo que «o acórdão recorrido reconheceu a sociedade de fato, mencionando que essa prova não era necessária». (e-STJ fl. 430). Ainda, entende ser necessária a reforma do julgado, porque estava dissonante com a jurisprudência reproduzida em diversos precedentes, que afastam o reconhecimento de sociedade de fato quando não comprovado o esforço comum para a formação do patrimônio.

A similitude entre as hipóteses comparadas a respeito do tema é notória, do que passo à análise da matéria controvertida.

Sublinhe-se que a própria recorrida declara – em inúmeras oportunidades ao longo do processo –, que não pretende, por meio do reconhecimento da aludida sociedade de fato, habilitar-se na partilha do patrimônio deixado pelo falecido. Contudo, faz alusão, em sede de contrarrazões ao recurso especial – por meio de raciocínio capaz de revelar pretensão velada –, à decisão de minha relatoria no sentido de «ser dispensável a comprovação de que a concubina houvesse contribuído financeiramente para o incremento patrimonial do parceiro». (e-STJ fl. 492), mencionando, ainda, a possibilidade da «contribuição indireta».

É oportuno, portanto, pinçar, do acórdão impugnado, as seguintes menções às assertivas da recorrida:


A insatisfação da promovente ora recorrente, Sra. M. E. de S., limita-se ao argumento de que a sentença merece reforma, pois os requisitos necessários para o reconhecimento de uma sociedade de fato e união estável (sic) presentes na relação havida entre a apelante e o Deputado E. M., eis que restou cristalino que a promovente contribuiu e muito com o acréscimo patrimonial e moral do parlamentar, sendo inegável sua contribuição para o aumento e manutenção de seu patrimônio material e pessoal. (e-STJ fl. 328 – com adaptações).


(...)


d) da Apelação (fls. 187/192): Inconformada com o julgado, foi interposto recurso apelatório, cujas razões, em suma, defendem que ficou demonstrado nos autos, que a recorrente concorreu efetivamente com o aumento do patrimônio do de cujus, bem como a existência de dependência econômica e afetiva tanto dos filhos do casal, quanto seu próprio (e-STJ fl. 333).

A realidade vívida e visceral de uma sociedade marcada pela existência de relações líquidas, fluidas, de fragilidade ímpar, impõe ao Juiz, uma rigorosa análise de cada lide que apresenta paralelismo afetivo, de acordo com as peculiaridades multifacetadas apresentadas no caso concreto, sem aplicar, jamais, raciocínios distanciados da dimensão específica alcançada pelas circunstâncias contextuais do processo.

Sob a égide específica da hipótese em julgamento, muito embora já tenha proferido voto – é certo, em situação fática em muito distinta da presente – no sentido de reconhecer a existência de sociedade de fato, tendo sido esse o único o pedido deduzido na inicial, sem deixar, obviamente, de asseverar a respeito da necessidade de comprovação do esforço comum na aquisição do patrimônio para eventual partilha de bens – o que, naquele processo, não se efetivou –, de modo a assegurar que os bens adquiridos em nome de apenas uma das partes permanecessem sob sua exclusiva propriedade (REsp 1.097.581/GO, DJe 9.12.2009), entendo que a sociedade de fato neste processo não deve ser reconhecida.

Para tanto, valho-me de trecho do parecer do Ministério Público do Estado da Paraíba, que definiu, com extrema percuciência, as circunstâncias fáticas do processo:


(...) na peça inaugural a promovente propõe uma declaratória de sociedade de fato, narra um concubinato e, por fim, requer o reconhecimento de uma união estável.


(...) impossível o reconhecimento de união estável por expressa vedação legal (homem casado).


Resta-nos a análise da existência ou não de sociedade de fato e de concubinato. Entendemos, inicialmente, que salta aos olhos dois fatos incontestes: o primeiro, a existência de prole, conforme documentos de fls. 10/15, a autora e o finado geraram dois filhos (C. Eu. de S. M. e C. Eg. De S. M.); o segundo, a vida conjugal ininterrupta entre o finado e a promovida, sendo farta a documentação nesse sentido, como demonstram as notícias jornalísticas da morte do ex-deputado (fls. 89/94), inclusive, mencionando que este encontrava-se em casa apenas em companhia da esposa; as declarações médicas (fls. 82; 84 e 85) de que o finado sempre esteve com a promovida durante todo tratamento médico e cirúrgico; as testemunhas (fls. 152/159), inclusive da promovente, demonstram que o finado nunca deixou o lar ou a esposa.


Prosseguindo, para configuração da sociedade de fato mister se faz a comprovação da existência de patrimônio, bem como o esforço comum para a formação deste. Entretanto, a promovente não faz prova nem de um nem de outro. Ora, sequer informa na inicial que bem ou bens foram adquiridos sob a égide do esforço de ambos; as próprias testemunhas da promovente não têm conhecimento se esta chegou a construir patrimônio juntamente com o finado; as testemunhas de ambos informam que o finado era que ajudava, financeiramente, os filhos comuns.


Apesar de não sabermos precisar valores, é evidente a diferença salarial entre um deputado e uma taquigrafa (sic), não podendo esta, apesar de sequer existir isso na exordial, pensar que ajudou na construção de todo o patrimônio daquele. Assim, entendemos que cabia à promovente não só informar aquilo que foi adquirido em conjunto, bem como comprovar o esforço comum. Ainda, as próprias testemunhas da promovente não têm conhecimento da existência de patrimônio comum.


Por fim, entendemos que também não restou configurado o concubinato. O fato, por si só, da existência de filhos não autoriza a afirmar a existência daquele. As testemunhas, inclusive da promovente, informam da inexistência de relacionamento entre a promovente e o ex-deputado por ocasião do falecimento deste. Ademais, restou demonstrado que o finado não deixou o lar conjugal; a promovente não conseguiu provar que viveram sob o mesmo teto; bem como, publicamente, o finado estava com a promovida.


Dessa forma, pelo menos é a verdade que restou nos autos, entendemos pela inexistência, seja de sociedade de fato ou de concubinato, e sim de um caso extraconjugal. (e-STJ fls. 224/225).

Ressalte-se, desde já, que não se está a reexaminar a prova dos autos, porque a descrição acima reproduzida segue exatamente a linha dos fatos assim como tecida no acórdão recorrido, senão vejamos:


In casu, toda a prova colacionada pela apelada demonstra que o de cujus não abandonou o seu leito matrimonial (fls. 71/105), inclusive, faleceu na residência em que habitava com sua esposa M. E. de C. M. (fl. 71). (e-STJ fl. 331 – com adaptações).


(...) e o que interessa no presente caso, o conceito de sociedade de fato envolve a convivência entre homem e mulher, sem a chancela do casamento, quando um dos concubinos não deixou o leito nupcial. (e-STJ fl. 334).


(...)


Agora, é possível dizer que o novo sistema do direito se assenta em três institutos: um, preferencial e longamente tratado, o casamento; outro, reconhecido e sinteticamente previsto, a união estável; e um terceiro, residual aberto para as apreciações caso a caso, o concubinato (que é o que está sendo tratado no caso em evidência). (e-STJ fl. 335).


(...) a comprovação de contribuição (financeira, ou com o seu trabalho) para a constituição de algum patrimônio (...) só deveria ser considerada, se acaso a apelante estivesse almejando qualquer divisão de patrimônio (pelo menos nestes autos). Mas aqui, busca-se a mera DECLARAÇÃO de Sociedade de fato.


Nenhuma discussão está sendo feita sobre o patrimônio; consequentemente, não tem que se provar se a apelante contribuiu ou não com o incremento financeiro e patrimonial do apelado, afastando-se de imediato a aplicação da Súmula 380 do Supremo Tribunal Federal (...). (e-STJ fl. 336).


Da análise dos autos, restou claramente comprovado o relacionamento amoroso existente entre a apelante e o falecido E. S. M.


Na espécie, não se põe em dúvida o convívio das partes, como se fossem marido e mulher, por vários anos. Dessa união, inclusive, nasceram dois filhos (certidões de fls. 10 e 14).


As fotos (fls. 17/28), «cartas e bilhetes de amor». (fls. 29/40), certidões do registro de nascimento dos dois filhos (fls. 10 e 14), somadas à prova testemunhal (fls. 152/159), deixam clara a convivência duradoura daqueles como concubinos (concubinato impuro). (e-STJ fl. 337).

Como se vê, os elementos fáticos contidos no acórdão impugnado e no parecer do MP/PB são idênticos; apenas a interpretação e as conclusões são diversas. Isso permite que, partindo dos fatos assim como descritos no acórdão recorrido, que são, portanto, imutáveis nesta sede especial de recurso, seja alcançada a solução que melhor se amolde às particularidades da lide.

O que se tem perfeitamente delineado é que, muito embora a recorrida tenha mantido relacionamento concubinário com E. S. M., não fez prova alguma da existência de bens eventualmente amealhados ao longo do concubinato. Desse encadeamento lógico decorre ser inconteste que, inexistente comprovação de patrimônio comum, evidentemente inviável se mostra a comprovação de união de esforços ou colaboração mútua para aquisição de bens cuja existência é ignorada.

Por isso mesmo e diversamente da conclusão contida no acórdão impugnado – de que é prescindível a comprovação do esforço comum para a aquisição de patrimônio para fins de reconhecimento de sociedade de fato quando não se busca a partilha de bens –, é de rigor a aplicação, na hipótese, do entendimento consagrado na jurisprudência do STJ: de que a inexistência da prova de patrimônio adquirido pelo esforço comum é circunstância suficiente para afastar a configuração de sociedade de fato, porque é pressuposto para seu reconhecimento.

Nessa linha, entre muitos, os seguintes precedentes: AgRg no Ag 949/MG, Rel. Min. Fontes de Alencar, DJ 18.12.1989; REsp 1.648/RJ, Rel. Min. Eduardo Ribeiro, DJ 16.4.1990; REsp 45.886/SP, Rel. Min. Antônio Torreão Braz, DJ 26.9.1994; REsp 64.863/SP, Rel. Min. Nilson Naves, DJ 13.4.1998; REsp 147.098/DF, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ 7.8.2000; REsp 214.819/RS, Rel. p/ ac. Min. Ari Pargendler, DJ 19.5.2003; REsp 486.027/SP, Rel. Min. Castro Filho, DJ 9.12.2003; REsp 275.839/SP, de minha relatoria p/ ac., DJ 23.10.2008.

Sob idênticas premissas, destaco, por fim, do parecer da lavra do i. Subprocurador-Geral da República Washington Bolívar Júnior, o entendimento de que «para que haja o reconhecimento de sociedade de fato entre concubinos, é necessária a comprovação da contribuição financeira ou do seu trabalho para a formação do patrimônio comum». (e-STJ fl. 535).

Assim, a simples convivência sob a roupagem de concubinato não confere direito ao reconhecimento de sociedade de fato, que somente emerge diante da efetiva comprovação de esforço mútuo despendido pelos concubinos para a formação de patrimônio comum. Isso porque a existência de sociedade de fato pressupõe, necessariamente, a aquisição de bens ao longo do relacionamento, para que se possa ter por caracterizado o patrimônio comum.

A pertinência dessa construção jurisprudencial deve ser firmemente estabelecida, com vistas a salvaguardar as partes da malícia e da má-fé, por meio da utilização de premissas falaciosa de argumentos que possam inverter o sentido e a intenção das criações do Direito, as quais seguem sempre no rastro da realidade social e da preservação dos direitos inerentes à promoção do bem-estar do ser humano.

Acrescente-se, apenas em raciocínio complementar, que, de um homem na posição em que E. S. M. ostentava no cenário social e econômico, espera-se sagacidade e plena consciência de seus atos, de modo que, acaso pretendesse extrair efeitos jurídicos, notadamente de cunho patrimonial, em relação à sua então concubina, promoveria em vida atos que demonstrassem sua intenção de com ela permanecer, na posse do estado de casados, afastando-se, dessa forma, do lar conjugal. Se não o fez, não o fará, em seu lugar, o Poder Judiciário, contra a vontade do próprio falecido. ...» (Minª. Nancy Andrighi).»

Doc. LegJur (117.7174.0000.9200) - Íntegra: Click aqui


Referências:
Família (Jurisprudência)
União estável (Jurisprudência)
Concubinato (Jurisprudência)
Sociedade de fato (Jurisprudência)
Sociedade de fato post mortem (Jurisprudência)
Esforço comum (v. Sociedade de fato ) (Jurisprudência)
CF/88, art. 226, § 3º
CCB/2002, art. 1.723
CCB/2002, art. 1.727
Lei 8.971/1994 (Legislação)
Lei 9.278/1996 (Legislação)
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