Jurisprudência em Destaque

STJ. 4ª T. Sociedade. Associação civil. Associado. Associação sem fins lucrativos. Cláusula estatutária. Estatutos. Ação de nulidade. Violação de norma de ordem pública. Nulidade das cláusulas estatutárias excludentes do direito de voto, bem como as dela decorrentes. Inaplicabilidade ao caso concreto. Eficácia ex tunc da declaração de nulidade. Considerações do Min. João Otávio de Noronha sobre a liberdade de estipular no CCB/2002. CCB, art. 1.394. CCB/2002, arts. 53, 55 e 2.035.

Postado por Emilio Sabatovski em 16/06/2012
«... IV.d) Liberdade de estipular - Código Civil de 2002

No ver dos recorrentes e recorridos, o Código Civil de 2002 sustentaria tanto as teses dos primeiros quanto as dos segundos. Os recorrentes argumentam que o art. 55 do CCiv2002 autorizaria a não atribuição do direito de voto a determinadas classes de associados e seria aplicável, in casu, por força do art. 2.035 do mesmo Código. Já os recorridos dizem que a aplicação do art. 2.035 do CCiv2002 pressupõe negócio jurídico válido e a exclusão do direito de voto dos sócios efetivos seria nula à vista do art. 1.394 do CCiv1916; alegam também que o parágrafo único do art. 59 da nova lei civil, na sua redação original, deixava claro que todos os sócios têm direito de voto; além disso, entendem ter havido preclusão quanto à matéria.

Antes de passar ao exame da questão de fundo, verifico não ter havido preclusão. Em verdade, os recorrentes invocaram a superveniência do novo Código Civil antes mesmo do início de sua vigência e reiteraram sua aplicação ao caso tendo o Tribunal a quo expressamente apreciado essa questão, quando do julgamento dos últimos embargos declaratórios aviados pelos recorrentes (acórdão de fls. 5.097/5.104, v. 24). Além disso, reza o art. 462 do CPC que cabe ao juiz, até mesmo de ofício, tomar em consideração, no momento de proferir sua decisão, os fatos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito que possam influir no julgamento da lide. Trata-se de norma dirigida ao julgador, que não pode desconhecer a lei: jura novit curia.

Dito isso, lembro-me que, conquanto juristas tenham celebrado a inclusão de regras específicas sobre associações no Código Civil de 2002, alguns de seus dispositivos causaram grande perplexidade na comunidade jurídica, dentre os quais o art. 59, cujas disposições, além de limitarem a liberdade de estipular das associações, que resultava dos arts. 54, V, e 55 - em caráter antinômico, portanto -, implicavam grandes dificuldades para a implementação do comando ali expresso, especialmente nas entidades com grande número de associados.

Além disso, o art. 2.031 do CCiv2002 previa prazo de apenas um ano para a adaptação dos estatutos das associações etc. às suas disposições, o que gerou a edição da Lei 10.838, de 30.1.2004, elevando o prazo ali previsto para dois anos e, no ano seguinte, a Medida Provisória (MP) 234, de 10.1.2005, de novo modificou o artigo para aumentá-lo mais uma vez, fixando-o em 11.1.2007 (redação atual).

O que interessa ao presente caso é ver que a MP 234, de 2005, deu origem, no Congresso Nacional, ao Projeto de Lei de Conversão (PLV) 12, de 2005, e, quando do parecer da Comissão Mista que o apreciou, o relator, Dep. Arnaldo Faria de Sá (PTB-SP), viu oportunidade de promover aperfeiçoamentos das disposições do Código Civil em matéria de associações, razão pela qual propôs outras alterações, com as seguintes justificativas:


[...], entendo que estamos diante de excelente oportunidade para aperfeiçoar ainda mais o Código Civil no que concerne especificamente ao capítulo relativo às associações, sublinhando que se trata de matéria pertinente e correlata ao objetivo desta Medida Provisória.


Com efeito, conforme já ressaltado no voto em separado apresentado pelo ilustre Deputado Paulo Lima na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania, por ocasião da discussão do PL nº 7.466, de 2002, de autoria do Deputado Luiz Antônio Fleury Filho, as associações desempenham relevante papel social no campo recreativo, esportivo, cultural e beneficente, não sendo razoável que a lei lhes imponha obrigações que, na verdade, impedem o seu funcionamento, dada a absoluta impossibilidade fática e econômica de serem cumpridos. Norma que intervenha de tal modo nas associações chega a ser inconstitucional, por afronta ao art. 5º, incisos XVII e XVIII, da Constituição Federal, que dispõem:


[...]


É imperioso, portanto, que o Código Civil garanta o direito de auto-organização das associações – dentro, evidentemente, dos parâmetros constitucionais que regem a matéria.


No art. 54, alteramos a redação do inciso V e acrescentamos o inciso VII, a fim de que o estatuto das associações não preveja o modo de constituição e funcionamento dos órgãos administrativos, de sorte que dele conste somente a forma de gestão administrativa e de aprovação das respectivas contas.


No art. 57 não se faz mais menção à «existência de motivos graves» nem à assembléia geral, no que concerne à exclusão de associado, remetendo a matéria aos termos previstos no estatuto, o qual deverá conter procedimento que assegure direito de defesa e de recurso. A par disso, revoga-se o parágrafo único desse dispositivo, o qual também fazia remissão a recurso à assembléia geral, em matéria de exclusão de associado.


Quanto ao art. 59, sua interpretação pode comprometer a estabilidade e preservação das finalidades de inúmeras associações. No tocante particularmente às associações esportivas, o art. 59 do Código Civil viola igualmente o art. 217 da Carta Magna, que consagra a autonomia daquelas quanto à sua organização e funcionamento. Ao legislar, este Parlamento deve sopesar a difícil realidade da maioria das associações, cuja função vai do lazer à filantropia, e cujo funcionamento ficará absolutamente inviabilizado se as atribuições de eleição e destituição de administradores, aprovação de contas e alteração de estatutos forem da competência privativa da assembléia geral.


Por isso, é imprescindível a revogação do art. 59 do Código Civil.


Finalmente, o art. 60 passa a referir-se à convocação dos órgãos deliberativos, e não mais à convocação da assembléia geral, restando garantido a um quinto dos associados o direito de promovê-la. (Diário da Câmara dos Deputados, 31 maio 2005, p.21.659; grifei.)

A MP 234, de 2005, foi convertida na Lei 11.127, de 28.11.2005, que não revogou o art. 59 do CCiv2002, como pretendia o relator do PLV, mas alterou substancialmente sua redação, assim como modificou os arts. 54, 57 e 60, além do art. 2.031, todos do CCiv2002. Traço, a seguir, um quadro comparativo entre os dispositivos originais do Código Civil de 2002 e as alterações promovidas pela lei mencionada:



































































































Redação original do Código

Civil de 2002





Alterações da Lei n. 11.127, de

2005





Art. 53. Constituem-se as associações pela união

de pessoas que se organizem para fins não

econômicos.
Parágrafo único. Não há,

entre os associados, direitos e obrigações

recíprocos.





Sem alteração.





Art. 54. Sob pena de nulidade, o estatuto das associações

conterá:
I - a denominação, os fins e a

sede da associação;
II - os requisitos para a

admissão, demissão e exclusão dos

associados;
III - os direitos e deveres dos associados;
IV -

as fontes de recursos para sua manutenção;
V - o

modo de constituição e funcionamento dos órgãos

deliberativos e administrativos;
VI - as condições

para a alteração das disposições

estatutárias e para a dissolução.












V - o modo de constituição

e funcionamento dos órgãos deliberativos e

administrativos;


VII – a forma de gestão

administrativa e de aprovação das respectivas

contas.





Art. 55. Os associados devem ter iguais direitos, mas o

estatuto poderá instituir categorias com vantagens

especiais.





Sem alteração.





Art. 56. A qualidade de associado é intransmissível,

se o estatuto não dispuser o contrário.
Parágrafo

único. Se o associado for titular de quota ou fração

ideal do patrimônio da associação, a

transferência daquela não importará, de per

si, na atribuição da qualidade de associado ao

adquirente ou ao herdeiro, salvo disposição diversa

do estatuto.





Sem alteração.





Art. 57. A exclusão do associado só é

admissível havendo justa causa, obedecido o disposto no

estatuto; sendo este omisso, poderá também ocorrer

se for reconhecida a existência de motivos graves, em

deliberação fundamentada, pela maioria absoluta dos

presentes à assembléia geral especialmente convocada

para esse fim.
Parágrafo único. Da decisão

do órgão que, de conformidade com o estatuto,

decretar a exclusão, caberá sempre recurso à

assembléia geral.





Art. 57. A exclusão do associado só é

admissível havendo justa causa, assim reconhecida em

procedimento que assegure direito de defesa e de recurso, nos

termos previstos no estatuto.


Revogado.





Art. 58. Nenhum associado poderá ser impedido de exercer

direito ou função que lhe tenha sido legitimamente

conferido, a não ser nos casos e pela forma previstos na

lei ou no estatuto.





Sem alteração.





Art. 59. Compete privativamente à assembléia

geral:
I - eleger os administradores;
II - destituir os

administradores;
III - aprovar as contas;
IV - alterar o

estatuto.
Parágrafo único. Para as deliberações

a que se referem os incisos II e IV é exigido o voto

concorde de dois terços dos presentes à assembléia

especialmente convocada para esse fim, não podendo ela

deliberar, em primeira convocação, sem a maioria

absoluta dos associados, ou com menos de um terço nas

convocações seguintes.





Art. 59. Compete privativamente à assembléia

geral:

I – destituir os administradores;

II

– alterar o estatuto.
Parágrafo único.

Para as deliberações a que se referem os incisos I e

II deste artigo é exigido deliberação da

assembléia especialmente convocada para esse fim, cujo

quorum será o estabelecido no estatuto, bem como os

critérios de eleição dos administradores.





Art. 60. A convocação da assembléia geral

far-se-á na forma do estatuto, garantido a um quinto dos

associados o direito de promovê-la.





Art. 60. A convocação dos órgãos

deliberativos far-se-á na forma do estatuto, garantido a

1⁄5 (um quinto) dos associados o direito de promovê-la.





Art. 61. Dissolvida a associação, o remanescente

do seu patrimônio líquido, depois de deduzidas, se

for o caso, as quotas ou frações ideais referidas no

parágrafo único do art. 56, será destinado à

entidade de fins não econômicos designada no

estatuto, ou, omisso este, por deliberação dos

associados, à instituição municipal, estadual

ou federal, de fins idênticos ou semelhantes.
§ 1º

Por cláusula do estatuto ou, no seu silêncio, por

deliberação dos associados, podem estes, antes da

destinação do remanescente referida neste artigo,

receber em restituição, atualizado o respectivo

valor, as contribuições que tiverem prestado ao

patrimônio da associação.
§ 2º

Não existindo no Município, no Estado, no Distrito

Federal ou no Território, em que a associação

tiver sede, instituição nas condições

indicadas neste artigo, o que remanescer do seu patrimônio

se devolverá à Fazenda do Estado, do Distrito

Federal ou da União.





Sem alteração.





Art. 2.031. As associações, sociedades e

fundações, constituídas na forma das leis

anteriores, terão o prazo de um ano para se adaptarem às

disposições deste Código, a partir de sua

vigência; igual prazo é concedido aos

empresários.
OBS.: Na vigência da Lei n. 10.838,

de 2004, o prazo era de dois anos.





Art. 2.031. As associações, sociedades e

fundações, constituídas na forma das leis

anteriores, bem como os empresários, deverão se

adaptar às disposições deste Código

até 11 de janeiro de 2007.







Sobressai do parecer do relator do PLV na Comissão Mista do Congresso Nacional, a preocupação do legislador ordinário com o poder de auto-organização das associações, de matriz constitucional, e as dificuldades que a redação original do Código Civil de 2002 lhes impunha. A alteração promovida pela Lei 11.127, de 2005, reflete exatamente essas preocupações e, a meu ver, corrige a antinomia que resultava da redação primeva do referido artigo, quando o Código dava com uma das mãos, o que com a outra retirava.

Com efeito, o art. 54 do CCiv2002, embora arrolasse os elementos mínimos do estatuto das associações - cuja ausência conduz à sua nulidade - outorgava ampla liberdade aos associados para disciplinar todas as questões relativas à associação, inclusive para fixar os direitos e deveres dos associados (inciso III). A alteração do inciso V e a inclusão do inciso VII do art. 54, não restringiu essa liberdade; ao contrário, a aumentou, na medida em que passou a ser obrigatório que o estatuto disponha, apenas, sobre «o modo de constituição e funcionamento dos órgãos deliberativos» e sobre a «forma de gestão administrativa e de aprovação das respectivas contas», dispensando, portanto, que os estatutos das ações prevejam a existência de «órgãos de administração» . Já o art. 55 teve sua redação mantida, de modo que «os associados devem ter iguais direitos», mas «o estatuto poderá instituir categorias com vantagens especiais».

No que tange a direitos e vantagens, há que se atentar que o Código Civil de 2002 não estabeleceu um rol de direitos mínimos dos associados, a exemplo do art. 109 da Lei 6.404, de 15.12.1976 (LSA), dos 1.001 a 1.009 do próprio diploma civil, que estabelecem os direitos e obrigações dos sócios, e dos arts. 999, 1.010 e 1.076, que, além de outros, versam sobre o exercício do voto nas sociedades. As normas do Código Civil vigente sobre sociedades, porém, não são aplicáveis subsidiariamente às associações e não podem ser invocadas para solucionar a presente questão, porquanto o § 2º do seu art. 44 reza que «as disposições concernentes às associações aplicam-se subsidiariamente às sociedades que são objeto do Livro II da Parte Especial deste Código Civil» (parágrafo renumerado pela Lei 10.825, de 22.12.2003, mas mantida a redação original).

Dessa forma, interpretando os arts. 54 e 55 do Código Civil de 2002, mesmo em sua redação primitiva, verifica-se eles não impediam o estatuto de, a partir de uma base de direitos iguais nele prevista, atribuir o direito de voto como vantagem especial apenas a determinados associados ou classe de associados, ou atribuir voto restrito à maioria dos associados e voto de qualidade a parte deles, ou qualquer outra estipulação a respeito do direito de voto.

O que destoava desse raciocínio? Era justamente o art. 59, cuja redação original estabelecia um rol de quatro atribuições privativas da assembléia geral (eleger e destituir os administradores, aprovar as contas e alterar o estatuto) e seu parágrafo único, hoje revogado, ao fixar o quorum de instalação, determinava que aquele órgão não poderia deliberar «em primeira convocação, sem a maioria absoluta dos associados, ou com menos de um terço nas convocações seguintes». A um só tempo, o teor primitivo do art. 59 e de seu parágrafo único cassava o poder outorgado pelo art. 54 de dispor livremente sobre os direitos dos associados e sobre o modo de constituição e funcionamento da assembléia geral e demais órgãos de deliberação, e limitava a faculdade conferida pelo art. 55 de criar categorias de sócios com «vantagens especiais», dentre as quais a de sócios votantes, em oposição a sócios sem direito a voto. Era um antagonismo evidente.

A alteração do «caput» e do art. 59 e a revogação do seu parágrafo único - em boa hora promovidas pela Lei 11.127, de 2005 - além de reduzir as atribuições privativas da assembléia geral a duas (destituir os administradores e alterar o estatuto), determinou que, para aprovação dessas matérias, «é exigido deliberação da assembléia especialmente convocada para esse fim, cujo quorum será o estabelecido no estatuto», onde também se discriminarão «os critérios de eleição dos administradores». A modificação legislativa, portanto, (r)estabeleceu plenos poderes aos próprios associados para regularem a vida associativa, de modo que o legislador de 2005 fez as pazes com a tradição jurídica brasileira em torno das associações, tradição essa marcada pela liberdade de estipular que, como visto, remonta, no mínimo, à Primeira República.

Importa ver, ainda, que afirmativa dos recorridos de que «a assembléia é geral porque dela participam todos os associados» é apenas parcialmente verdadeira. De fato, em uma assembléia geral podem participar todos os membros do ente associativo. No entanto, isso não significa que todos os que dela participem possam votar, pois o exercício do voto depende de se ter atribuído a todos os membros da entidade o direito de voto e, além disso, do modo de constituição e funcionamento desse órgão deliberativo. Na sociedade por ações, tal situação resta indene de dúvidas, pois «os acionistas sem direito de voto podem comparecer à assembléia-geral e discutir a matéria submetida à deliberação» (LSA, art. 125, parágrafo único), mas somente os acionistas representantes de capital com direito a voto (ou as ações com direito a voto) contam para efeito de estabelecimento do quorum de instalação (LSA, arts. 125, «caput», e 135) e somente estes podem deliberar sobre as matérias constantes da pauta do conclave (LSA, arts. 129 e 136); ou seja, os acionistas não portadores de direito de voto têm voz nos conclaves assembleares e podem opinar sobre as questões submetidas à deliberação da assembléia geral, mas somente os acionistas votantes efetivamente deliberam.

Procedimento dessa natureza é bastante comum e extremamente salutar, especialmente quando, entre as diversas classes de membros do ente associativo, reina efetiva comunhão de interesses em torno dos objetivos sociais. Aliás, parece ter sido adotado nas assembleias da primeira recorrente, pois, segundo relato dos recorridos, os «sócios-efetivos» eram ouvidos naquelas ocasiões, enquanto vivo seu principal fundador. De todo modo, é errôneo o raciocínio que conclui que, por participar (ou poder participar) da assembléia geral e opinar sobre os assuntos submetidos à sua deliberação, todos os associados de uma associação tenham direito de voto; tê-lo-ão se o estatuto lhes o houver conferido.

Nada obstante, não posso desconhecer que, em razão das funções da associação, a liberdade de estipular pode sofre mitigação. Isso porque, embora as associações, por força de lei, não tenham finalidade econômica, há aquelas que exercem função econômica. A esse respeito, são extremamente elucidadoras as lições do e. Ministro Gilmar Mendes, proferidas no julgamento do RE 201.819-RJ, em que foi relator para o acórdão. Lá se debatia questão diversa da ventilada nestes autos, qual seja: a possibilidade de expulsão disciplinar, «sem garantia da ampla defesa, do contraditório ou do devido processo legal», de membro da União Brasileira de Compositores, «entidade repassadora do numerário arrecadado pelo Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (ECAD)» (fls. 608 do voto), mas, no que interessa ao presente caso, o e. Ministro, com apoio em Paulo Gustavo Gonet Branco, assim se posicionou:


Destarte, considerando que a União Brasileira de Compositores (UBC) integra a estrutura do ECAD, é incontroverso que, no caso, ao restringir as possibilidades de defesa do recorrido, ela assume posição privilegiada para determinar, preponderantemente, a extensão do gozo e fruição dos direitos autorais de seu associado.


[...]


Tem-se, pois, caso singular, que transcende a simples liberdade de associar ou de permanecer associado. Em certa medida, a integração a essas entidades configura, para um número elevado de pessoas, quase um imperativo decorrente do exercício da atividade profissional.


Cabe assinalar, ainda, as considerações de Paulo Branco relativamente ao caso específico de aplicação do direito de ampla defesa nas hipóteses de exclusão de sócio ou de membro de associação particular:


«[...]


É certo que a associação tem autonomia para gerir a sua vida e a sua organização. É certo, ainda, que, no direito de se associar, está incluída a faculdade de escolher com quem se associar, o que implica poder de exclusão. O direito de associação, entretanto, não é absoluto e comporta restrições, orientadas para o prestígio de outros direitos também fundamentais. A legitimidade dessas interferências dependerá da ponderação a ser estabelecida entre os interesses constitucionais confrontantes. A apreciação do fundamento dessas interferências, ainda, não pode prescindir de variantes diversas, como o propósito que anima a existência da sociedade. Na jurisprudência da Suprema Corte americana, há precedente distinguindo as sociedades voltadas para expressar um ponto de vista - religioso ou ideológico - e outras, de cunho comercial, non expressive. Naquelas, a interferência de outros interesses sobre a estrutura e gestão teria admissibilidade consideravelmente mais restrita.


Não somente nos Estados Unidos, mas também em outras latitudes é conferida importância ao tipo de sociedade, com vistas a aferir o grau de controle do Estado sobre as decisões da entidade, como a de expulsão de membro. Ferrer i Riba e Salvador Coderch, com suporte na jurisprudência espanhola e na doutrina, produzem uma taxonomia de associações, conforme o grau de controle possível das causas e procedimentos de exclusão de sócios. Assim, as associações que detêm posição dominante na vida social ou econômica ou que exercem funções de representação de interesses gozam de uma liberdade mais restrita na fixação das causas de sanção e na imposição das mesmas. Para os autores, as entidades que promovem fins ideológicos integram o núcleo essencial da autonomia privada coletiva: as resoluções das associações religiosas ou de pessoas que compartilham um certo ideário ou uma outra concepção do mundo não estão, no fundamental, sujeitas a controle judicial. Nas entidades de fins associativos predominantemente econômicos, a expulsão seria revisável em consideração ao dano patrimonial que pode causar ao excluído.


[...].


O direito de defesa ampla assoma-se como meio indispensável para se prevenir situações de arbítrio que subverteriam a própria liberdade de se associar.» (BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Associações, Expulsão de Sócios e Direitos Fundamentais. Direito Público v. 1, nº 2 (out/dez. 2003). Porto Alegre: Síntese; Brasília: Instituto Brasiliense de Direito Público, 2003, p.172-173)


Essas considerações parecem fornecer diretrizes mais ou menos seguras e, até certa parte, amplas para a aplicação do direito de defesa no caso de exclusão de associados. (RE 201.819-RJ, Segunda Turma do STF, rel. originária Min. Ellen Gracie, rel. para o acórdão Min. Gilmar Mendes, j. em 11.10.2005, DJ 27.10.2006. Fls. 609/611; grifei.)

Observando essas diretrizes, o acórdão exarado no RE 201.819-RJ recebeu ementa em que se firmou que «as associações privadas que exercem função predominante em determinado âmbito econômico e/ou social, mantendo seus associados em relações de dependência econômica e/ou social, integram o que se pode denominar de espaço público, ainda que não-estatal», sofrendo, portanto, limitação no seu poder de estipular as disposições estatutárias, especialmente no que concerne à exclusão de associados.

Outro tanto, porém, se dá em relação às associações que promovem fins ideológicos, porquanto, nas palavras de Paulo Gustavo Gonet Branco citadas pelo e. Ministro Gilmar Mendes e acima reproduzidas, tais entidades integram o núcleo essencial da autonomia privada coletiva, razão pela qual as resoluções das associações ou de pessoas que compartilham um certo ideário ou uma outra concepção do mundo não estão, no fundamental, sujeitas a controle judicial. Descabe, pois, interferir no funcionamento e organização das associações de fins ideológicos - religiosos, políticos etc. - salvo em situações extremas, como, p.ex., para a proteção da vida dos próprios associados, ou de terceiros.

Nesse diapasão, a Lei 10.825, de 22.12.2003, inseriu novos dispositivos no art. 44 e no art. 2.031, ambos do CCiv2002, definindo as «organizações religiosas e os partidos políticos como pessoas jurídicas de direito privado» e «desobrigando-os de alterar seus estatutos no prazo previsto» no diploma civil. Mas, no que interessa mais de perto a este caso, incluiu o § 1º do art. 44, do seguinte teor:


Art. 44. São pessoas jurídicas de direito privado:


[...].


§ 1º São livres a criação, a organização, a estruturação interna e o funcionamento das organizações religiosas, sendo vedado ao poder público negar-lhes reconhecimento ou registro dos atos constitutivos e necessários ao seu funcionamento.

Veja-se que esse dispositivo se amolda à orientação do STF acima mencionada e, ainda que se refira apenas às organizações religiosas, homenageia o princípio da liberdade de organização das associações (direito de auto-organização). É até natural que a expressão desse princípio seja muito mais ampla, quando se trata das organizações religiosas, a que se refere o citado § 1º do art. 44, mas isso não implica que o direito de auto-organização e seu corolário, a liberdade de estipular, possam ser manietados nas associações de fins ideológicos, diante da ausência de norma legal que, expressamente, os limite.

IV.e) Conclusão do tópico

Em razão de tudo o quanto exposto, manifesto o entendimento de que a interferência dos poderes públicos na economia interna das associações de fins ideológicos deve ser o mais restrita possível e não vejo razão jurídica para negar-lhes a liberdade de estipular os direitos e deveres de associados na forma que melhor atenda aos fins ideológicos que perseguem, facultando ao estatuto estabelecer vantagens especiais para alguns dos seus membros e mesmo classe ou classes de associados sem direito a voto.

Por todas essas razões, não vejo invalidade, nem ilegalidade alguma na atribuição exclusiva do direito de voto aos associados fundadores da primeira recorrente, uma vez que, notoriamente, se trata de associação de fins ideológicos. A contrario sensu, entendo perfeitamente legal a exclusão do direito de voto dos associados efetivos e demais classes de associados da primeira recorrente, imputando-o exclusivamente aos fundadores.

Com efeito, é razoável supor que, em uma entidade dessa natureza, substancialmente interessa a persecução dos fins ideológicos concebidos pelos seus fundadores - cuja vontade se materializa quando da sua criação - e que é de vital importância assegurar o atingimento daqueles objetivos, razão primeira e última da existência do ente associativo. Daí, revela-se juridicamente válida a adoção de mecanismos para a preservação da incolumidade daquele objetivo, entre os quais a limitação do direito de voto à classe dos associados fundadores.

Essa conclusão subsiste quer diante da legislação civil revogada, quer em face do novo Código Civil, com as alterações introduzidas pela Lei 11.127, de 2005.

Entendo, pois, que o especial merece acolhida, por verificar que (i) a atribuição de direito de voto exclusivamente aos sócios fundadores da primeira recorrente não implica ofensa ao art. 1.394 do Código Civil de 1916, nem ao seu art. 145, uma vez que a disposição era válida, à luz da Lei 173, de 1893, e que, (ii) com a vigência do Código Civil de 2002, o assunto passou a ser regulado nos seus arts. 53 a 61, sendo que o art. 55 expressamente admite a existência de categoria de sócios com vantagens especiais, não subsistindo ofensa ao art. 59, com a redação que lhe deu a Lei 11.127, de 2005. ...» (Min. João Otávio de Noronha).»

Doc. LegJur (123.9262.8000.7500) - Íntegra: Click aqui


Referência(s):
Sociedade (Jurisprudência)
Associação civil (Jurisprudência)
Associação sem fins lucrativos (Jurisprudência)
Cláusula estatutária (Jurisprudência)
Estatutos (v. Associação civil ) (Jurisprudência)
Ação de nulidade (v. Cláusula estatutária ) (Jurisprudência)
Norma de ordem pública (Jurisprudência)
Nulidade (v. Cláusulas estatutárias ) (Jurisprudência)
Direito de voto (v. Associação civil ) (Jurisprudência)
Voto (v. Associação civil ) (Jurisprudência)
Eficácia ex tunc (v. Nulidade ) (Jurisprudência)
Liberdade de estipular (v. Associação civil ) (Jurisprudência)
CCB, art. 1.394
CCB/2002, art. 53
CCB/2002, art. 55
CCB/2002, art. 2.035
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