Jurisprudência Selecionada

Doc. LEGJUR 148.7521.5001.0100

1 - STJ Recurso especial. Direito das sucessões. Inventário e partilha. Regime de bens. Separação convencional. Pacto antenupcial por escritura pública. Cônjuge sobrevivente. Concorrência na sucessão hereditária com descendentes. Condição de herdeiro. Reconhecimento. Exegese do CCB/2002, art. 1.829, I. Avanço no campo sucessório. Princípio da vedação ao retrocesso social.

«1. O CCB/2002, art. 1.829, I confere ao cônjuge casado sob a égide do regime de separação convencional a condição de herdeiro necessário, que concorre com os descendentes do falecido independentemente do período de duração do casamento, com vistas a garantir-lhe o mínimo necessário para uma sobrevivência digna. ... ()

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Comentário:

Trata-se de recurso especial da 2ª Seção do STJ, relatado pelo Min. Raul Araújo, sendo o relator originário o Min. Sidnei Beneti, julgado em 22/04/2015, DJ 08/06/2015 [Doc. LegJur 155.5341.7000.0000].

Gira a controvérsia em torno da interpretação do art. 1.829, I, do CCB/2002, especialmente quanto à parte final, e, via de consequência, à identificação sobre a quais bens do acervo hereditário do cônjuge falecido o cônjuge supérstite, na qualidade de herdeiro necessário, concorrerá com os descendentes do de cujus, quando adotado o regime de comunhão parcial de bens. A resposta foi no sentido de que cônjuge sobrevivente, casado no regime de comunhão parcial de bens, concorrerá com os descendentes do cônjuge falecido somente quando este tiver deixado bens particulares. Há voto vencido da Minª. Nancy Andrighi.

Eis o que nos diz, no fundamental, o relator:

[...].

Conforme se depreende do texto legal, o cônjuge sobrevivente, casado no regime da comunhão parcial de bens, somente concorrerá com os descendentes do falecido quando este tiver deixado bens particulares. Tal circunstância se verifica, pois, caso contrário, se não houvesse bens particulares do de cujus, os bens que integrariam a herança seriam somente aqueles adquiridos na constância do casamento e, portanto, do ponto de vista sucessório, a questão resolver-se-ia de forma simples, cabendo ao cônjuge supérstite a meação da totalidade do acervo hereditário, tal qual no regime da comunhão universal de bens.

Assim, partindo dessa premissa fixada, verifica-se, como muito bem pontuado pelo Ministro Relator, que «a questão que se coloca, é se essa concorrência incide: i) sobre todo o monte, isto é, sobre todos os bens deixados pelo de cujus, a que se chama de herança; ii) apenas sobre aqueles adquiridos onerosamente na constância do casamento, excluída a meação do cônjuge sobrevivente, a exemplo do que ocorre na sucessão do companheiro (artigo 1.790 do Código Civil), conforme preconizado pelo acórdão recorrido, ou iii) apenas sobre os bens adquiridos antes do casamento a que a lei chama de particulares.»

O eminente Ministro SIDNEI BENETI adotou a interpretação de que a concorrência somente se dá em relação aos chamados bens particulares deixados pelo de cujus.

[...].

Malgrado seja notória a intenção do legislador de conferir especial atenção ao cônjuge supérstite na seara do direito sucessório, com as alterações perpetradas no novo Código Civil, elevando-o à condição de herdeiro necessário do cônjuge falecido, a melhor interpretação a ser conferida à parte final do art. 1.829, I, do CC/2002, no que tange ao regime de comunhão parcial de bens, não pode resultar em situação de descompasso com a que teria o mesmo cônjuge supérstite na ausência de bens particulares do de cujus.

Tanto é assim que a norma estabelece que o cônjuge sobrevivente concorre com os descendentes do falecido, salvo se: a) casado no regime da comunhão universal; ou b) no da separação obrigatória de bens (art. 1.641, e não art. 1.640, parágrafo único); ou, ainda, c) no regime da comunhão parcial, quando o autor da herança não houver deixado bens particulares.

Com isso, o cônjuge supérstite é herdeiro necessário, concorrendo com os descendentes do morto, desde que casado com o falecido no regime:

I) da separação convencional (ou consensual), em qualquer circunstância do acervo hereditário (ou seja, existindo ou não bens particulares do falecido); ou

II) da comunhão parcial, apenas quando tenha o de cujus deixado bens particulares, pois quanto aos bens comuns já tem o cônjuge sobrevivente o direito à meação, de modo que se faz necessário assegurar a condição de herdeiro ao cônjuge supérstite apenas quanto aos bens particulares.

Se não deixou o falecido bens particulares, não há razão para ser herdeiro o cônjuge sobrevivente, pois já tem a meação sobre o total dos bens em comum do casal deixados pelo inventariado, cabendo a outra metade somente aos descendentes deste, estabelecendo-se uma situação de igualdade entre essas categorias de herdeiros, como é justo.

Por outro lado, se deixou o falecido bens particulares e não se adotar o entendimento ora esposado, seus descendentes ficariam com a metade do acervo de bens comuns e com o total dos bens particulares, em clara desvantagem para o cônjuge sobrevivente. E foi isso que o legislador quis evitar.

Para evitar isso, a lei estabelece a participação do cônjuge supérstite, agora na qualidade de herdeiro, em concorrência com os descendentes do morto, quanto aos bens particulares. Assim, impõe uma situação de igualdade entre os interessados na partilha, pois o cônjuge sobrevivente permanece meeiro em relação aos bens comuns e tem participação na divisão dos bens particulares, como herdeiro necessário, concorrendo com os descendentes.

A preocupação do legislador de colocar o cônjuge sobrevivente na condição de herdeiro necessário, em concorrência com os descendentes do falecido, assenta-se na ideia de garantir ao cônjuge supérstite condições mínimas para sua sobrevivência, quando não possuir obrigatória ou presumida meação com o falecido (como ocorre no regime da separação convencional) ou quando tal meação puder ser até inferior ao acervo de bens particulares do morto, ficando o cônjuge sobrevivente (mesmo casado em regime de comunhão parcial) em desvantagem frente aos descendentes. Daí haver previsto a condição de herdeiro necessário para o sobrevivente casado com o falecido no regime da separação convencional ou no da comunhão parcial, neste caso somente quanto aos bens particulares.

A real intenção do legislador sinaliza no sentido da preservação do mínimo de dignidade do cônjuge sobrevivente, após a morte do outro, de modo que nunca fique completamente desamparado após o falecimento do consorte que deixa bens a inventariar.

[...].» (Min. Raul Araújo).»

JURISPRUDÊNCIA DE QUALIDADE

Esta é uma jurisprudência de qualidade. Para o profissional do direito este julgado é uma fonte importante de subsídio, já para o estudante é muito mais relevante, justamente por dar vida ao direito, ou seja, aqui estão envolvidas pessoas reais, problemas reais que reclamam soluções reais. Vale a pena ler esta decisão. Certa, ou errada, podemos ou não concordar com ela, contudo, está bem fundamentada pelo Min. Raul Araújo. Tudo está exposto de forma didática, clara, fácil compreensão e de prazerosa leitura, como é de longa tradição do ministro relator.

Também, vale lembrar que este processo como milhões de outros poderiam ser resolvidos no âmbito privado, com menores custos e muito menos aborrecimento para as partes, afinal a missão institucional da advocacia é justamente ajudar as partes a chegar a um consenso, litigar é um desvio de comportamento que não consulta nenhum interesse, quer ele seja, público ou privado. O advogado é sempre a vítima maior da litigância compulsiva dado que ao final acaba recebendo na maioria das vezes honorários pífios, isto quando não recebe nada. É importante sempre manter a concentração na legítima prestação de serviços, tão reclamada e tão necessária ao consumidor, principalmente num momento que a sociedade torna-se complexa demais para maioria das pessoas e ajuda profissional é importante. Neste sentido, qualificar-se para esta prestação de serviços é uma necessidade inadiável. Onde há um consumidor feliz e satisfeito há um farto prato de comida sobre a mesa em casa. Não há nenhuma necessidade aguardar-se por anos, ou décadas, uma resposta de Brasília, quando ela poderia ter sido dada no seio privado num ambiente de confiança e respeito recíprocos. Pense nisso.

Como pode ser visto nesta decisão, o ministro relator, em poucas linhas, delimitou a controvérsia, distinguiu, definiu e determinou o fundamento legal dos institutos jurídicos envolvidos na hipótese, ou seja, no fundamental contém o que toda decisão judicial ou tese jurídica deveriam conter, se estão corretas, ou não, o exame é feito noutro contexto. Neste sentido esta decisão deveria ser lida e examinada com carinho, principalmente pelo estudante de direito, na medida que é uma fonte importante de estudo, aprendizado e qualificação. Decisões bem fundamentadas estimulam a capacidade de raciocínio lógico do estudioso. O raciocínio lógico é a ferramenta mais importante para qualquer profissional desenvolver sua capacidade criativa.