Jurisprudência Selecionada

Doc. LEGJUR 144.3391.2000.0000

1 - STJ Pagamento. Quitação dada em escritura pública de compra e venda de imóvel. Presunção relativa de pagamento. Considerações da Minª. Nancy Andrighi sobre o tema. CCB/2002, art. 215. CPC/1973, art. 334, IV. Lei 6.015/1973, art. 214 e Lei 6.015/1973, art. 216.

«... 3. Da violação do art. 215 do CC/02 (presunção de pagamento decorrente da quitação dada em escritura pública) ... ()

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Comentário:

Trata-se de decisão da 3ª Turma do STJ, relatada pela Minª. Nancy Andrighi, julgado em 22/04/2014. DJ 19/05/2014 [Doc. LegJur 143.4954.4004.8200].

A controvérsia principal nesta decisão gira em torna de sabaer se a quitação dada em escritura pública de compra e venda de imóvel gera presunção absoluta do pagamento. A Corte entendeu em sentido contrário, ou seja, é relativa a presunção de pagamento.

Eis o que nos diz, no fundamental, a Ministra Nancy Andrighi sobre o tema:

[...].

14. Com efeito, nos termos do art. 215 do CC/02, a escritura lavrada em cartório tem fé pública, o que significa dizer que é documento dotado de presunção de veracidade.

15. A presunção, nas palavras de Cândido Rangel Dinamarco, «é um processo racional do intelecto, pelo qual do conhecimento de um fato infere-se com razoável probabilidade a existência de outro ou o estado de uma pessoa ou coisa» (Instituições de Direito Processual Civil. Vol. III. 4ª ed. São Paulo: Editora Malheiros, 2004. p. 113).

16. Sob essa ótica, a regra do art. 215 do CC/02 é fruto de uma dedução, feita pelo legislador, da qual se extrai que a quitação contida em documento lavrado em notas de tabelião – fato-base – permite supor que houve o pagamento – fato presumido –, porque isso é o que ordinariamente acontece (presunção legal). Sacrifica-se, pois, o que menos acontece em favor do que mais acontece, como foi dito por Pontes de Miranda.

17. Na essência, a presunção legal relativa diferencia-se da absoluta, segundo a lição de Barbosa Moreira, porque «naquela o que se dispensa é apenas a prova de certo fato; nesta, dispensa-se o próprio fato em si mesmo» (Temas de Direito Processual. São Paulo: Saraiva, 1977. p. 63-64). Em outras palavras, explica o doutrinador:

Quando a lei consagra uma presunção absoluta [...] o que na verdade faz é tornar irrelevante, para a produção de determinado efeito jurídico, a presença deste ou daquele elemento ou requisito no esquema fático. Se não existisse a presunção, seria indispensável, para que se produzisse o efeito, o concurso de x, y e z; estabelecendo uma presunção absoluta em relação a z, a lei faz depender a produção do efeito somente do concurso de x e y. (Anotações sobre o título «Da Prova» do novo Código Civil. Reflexos do novo Código no Direito Processual. Salvador: Juspodivm, 2006. p. 210-211)

18. Fredie Didier bem esclarece que, nas presunções absolutas, «a conclusão extraída pela lei é havida como verdade indisputável» (Curso de Direito Processual Civil. 8ª ed. v. 2. Salvador: Juspodivm, 2013. p. 63), elencando como exemplos: I) a presunção de conhecimento do terceiro sobre a penhora de imóvel que fora transcrita na matrícula do bem (art. 659, § 4º, do CPC); II) presunção de que um cônjuge autorizou o outro a contrair dívidas em benefício da economia doméstica (art. 1.643 do CC/02); III) presunção de parcialidade do juiz nas causas de impedimento (art. 134 do CPC). São fatos, à evidência, que sequer possibilitam a realização de prova em contrário.

19. Diferente, contudo, é o que ocorre com a presunção legal do art. 215 do CC/02, que implica, de um lado, a desnecessidade de se provar os fatos contidos na escritura, à luz do que dispõe o art. 334, IV, do CPC, e, de outro, a inversão do ônus da prova, em desfavor de quem, eventualmente, suscite a sua invalidade.

20. Outro não é o motivo pelo qual os arts. 214 e 216 da Lei 6.015/76 (Lei de Registros Públicos) assim preveem:

As nulidades de pleno direito do registro, uma vez provadas, invalidam-no, independentemente de ação direta.

O registro poderá também ser retificado ou anulado por sentença em processo contencioso, ou por efeito do julgado em ação de anulação ou de declaração de nulidade de ato jurídico, ou de julgado sobre fraude à execução.

21. Nota-se, portanto, que a quitação dada em escritura pública não é uma «verdade indisputável», na medida em que admite a prova de que o pagamento não foi efetivamente realizado, evidenciando, ao fim e ao cabo, a invalidade do instrumento em si, porque eivado de vício que o torna falso. Assim ocorreu na hipótese dos autos, segundo o Tribunal de origem.

[...].» (Minª. Nancy Andrighi).»

JURISPRUDÊNCIA DE QUALIDADE

Esta é uma jurisprudência de qualidade. Para o profissional do direito este julgado é uma fonte importante de subsídio, já para o estudante é muito mais relevante, justamente por dar vida ao direito, ou seja, aqui estão envolvidas pessoas reais, problemas reais que reclamam soluções reais. Vale a pena ler esta decisão. Ela está bem fundamentada pela Minª. Nancy Andrighi. Tudo está exposto de forma didática, clara, fácil compreensão e de prazerosa leitura, como é de longa tradição da ministra relatora. 

Como pode ser visto nesta decisão a Ministra relatora, em poucas linhas, delimitou a controvérsia, distinguiu, definiu e determinou o fundamento legal dos institutos jurídicos envolvidos na hipótese, ou seja, no fundamental contém o que toda decisão judicial ou tese jurídica deveriam conter. Neste sentido esta decisão deveria ser lida com carinho, principalmente pelo estudante de direito, na medida que é uma fonte importante de estudo, aprendizado e qualificação.

PENSE NISSO

Para o estudante de direito que tanto busca modelos de peças processuais, este acórdão é o melhor modelo que poderia consultar uma vez que retrata uma hipótese real, uma tese jurídica real, com pessoas reais, e uma decisão real, certa ou errada, e no fundamental contém o que realmente uma peça processual deve ter, ou seja, as partes, o relatório (fatos), a fundamentação, certa ou errada, e finalmente a parte dispositiva (pedido/decisão) (na forma do CPC, art. 282), enfim tudo que uma peça processual requer, independentemente se a peça é de natureza penal, administrativa, tributária, previdenciária, trabalhista ou extrajudicial. Quanto aos detalhes cada pessoa tem seu modo particular de redigir e o estudante com o tempo vai encontrar o seu modo de refletir sua identidade e personalidade nas peças processuais que subscrever e ao serviço que prestar.

Note-se, em geral quando um estudante ou um profissional busca um modelo de petição ou de uma peça jurídica, o que ele efetivamente deseja é uma tese jurídica que não consegue desenvolver, ou no mínimo tem dificuldade em fazer, ou ainda, falta-lhe condições materiais para tanto, neste sentido, a leitura sistemática de acórdãos adequadamente fundamentados é um instrumento muito importante para um estudioso possa ser capaz de desenvolver uma tese jurídica acerca de uma questão que lhe é posta e traduzi-la dentro de uma peça jurídica, isto significa qualificação profissional, e esta qualificação não nasce do nada, ao contrário requer considerável esforço intelectual, material, tempo, além da própria vocação. 

Modelos não qualificam o profissional, na medida que negam a possibilidade deste profissional compreender em toda a extensão o que está produzindo, ou seja, impedem de sentir-se seguro. Pense, como alguém pode defender uma tese jurídica quando não consegue compreendê-la em sua totalidade, quando não está seguro sobre ela e, ainda, tem dificuldade de navegar num universo sem fim de normativos sendo que a maioria absoluta desses normativos são reconhecida e totalmente inconstitucionais. A percepção da inconstitucionalidade, ou não, de um normativo, exige um esforço interpretativo considerável para que o intérprete possa separar o que é de fato um normativo constitucional e legítimo de um pseudo normativo que nada mais é do que um lixo ideológico. Qualquer tese jurídica exige este esforço interpretativo. Pense e medite, do nada só nasce o nada, também, não há riquezas sem trabalho, sem suor ou sem sonhos, como também não há parto sem dor, sem lágrimas e sem suor, da mesma forma não há profissional sem vocação e sem preparo.

É fundamental consultar sempre, e com olhar interpretativo e crítico, a Constituição e as leis, na medida que vige no nosso sistema jurídico o princípio da legalidade, isto quer dizer, que ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa, senão em virtude de lei (CF/88, art. 5º, II), e quando fala-se em virtude de lei, significa lei material avalizada pela Constituição, obviamente, Constituição desembarcada do lixo ideológico que a nega. Assim somente lei, em sentido material, avalizada pela Constituição, também em sentido material, pode criar direitos e obrigações. Não há tese jurídica sem aval legal e constitucional. Não há tese jurídica por ouvi dizer. Não há jurisdição por ouvir dizer ou por qualquer tipo de «achismo», ou seja, «... acho que»; «... parece que» ou «... disse que», sem aval material da Constituição há apenas lixo ideológico. Assim só há peça jurídica se houver ali uma tese jurídica, materialmente válida, algo que modelos em geral não proporcionam, nem como ponto de partida. 

Não há alternativa para a qualificação profissional. A qualificação profissional no Brasil, ao menos, na área jurídica, não pode ser comprada diante da falta absoluta de fornecedores habilitados. A qualificação é uma questão que está dentro de cada pessoa e da sua capacidade de obter este conhecimento por si só (autodidata) este é o modo primário, secundário, terciário, [...] de apreender conhecimento. A determinação em buscar este conhecimento também é relevante. Todo o conhecimento produzido pelo mundo está a disposição de qualquer pessoa, apreendê-lo é uma questão de vontade, convicção e vocação. Acredite, o «não saber» talvez seja a forma mais cruel de escravidão, na medida que disponibiliza a pessoa para uso, fruição e disposição de qualquer espertalhão, e eles existem em abundância e em geral não revelam nenhuma forma de respeito, consideração ou, mesmo piedade. Qualifique-se de verdade, como dito, ela não nasce do nada. Saber, conhecer, compreender é ser livre, ter alma, ter vida e ter sonhos. Pense muito nisso. 

Há um mercado enorme, inexplorado e sem fim para quem está habilitado a prestar serviços jurídicos verdadeiros e por serviço jurídico deve ser entendido aquele que é útil e capaz de satisfazer as expectativas do consumidor e jurisdicionado. Não há prestação jurisdicional legítima e nem serviço jurídico legítimo sem o respeito incondicional as pessoas.

Devemos sempre lembrar, principalmente ao estudante de direito, que o advogado como depositário da confiança do constituinte é o árbitro natural para resolução das controvérsias e o seio privado é seu foro adequado, litigar sem necessidade é demitir-se deste compromisso é abdicar de parcela fundamental da advocacia e da jurisdição. O compromisso natural de encontrar uma solução justa e aceitável tanto para o constituinte quanto para a parte contrária, se houver é exercer a advocacia, litigar sem propósito é compromissar-se com a litigância compulsiva que além de desnecessária, é cara, opressiva, antidemocrática, além de protrair pela eternidade uma solução, mas não é só, tem mais, a litigância compulsiva é o vetor da discórdia, do ódio, do ressentimento eterno entre as pessoas, o que é pior, não há honorários, e quando eles chegam são em geral pífios e humilhantes, sem honorários dignos não há uma profissão viável, enfim não consulta o interesse público e nem o interesse privado de ninguém, muito menos de um profissional que precisa fornecer todos os dias com o seu trabalho o alimento, o conforto e a proteção para si e para sua família, e por óbvio honorários pífios, e o que é pior incertos, não contribuem para construção de um ambiente saudável para que todos possam trabalhar e produzir legitimamente. Superar este obstáculo exige que todos assumam compromissos sérios com as pessoas, com a democracia, com o modelo republicano de sociedade e de vida, entre outros, como servir e respeitar incondicionalmente as pessoas. Portanto, encher-se de indu
mentárias, olhar as pessoas de cima para baixo, é simplesmente opressão e está muito longo da ideia e do compromisso da prestação de serviços ao cidadão pelo Estado que é da natureza de uma sociedade democrática. 

Nunca devemos esquecer que a litigância compulsiva e a prevaricação compulsiva de que tanto se fala, não é um serviço jurídico ou jurisdicional, é uma patologia, que apenas serve e beneficia governos despóticos e antidemocráticos, além de sedimentar e justificar a violência e o descrédito das instituições públicas e privadas perante a sociedade que deveriam servir. Ela, desserve a nação e a todas suas instituições.

Como dito, para os profissionais do direito que vivem da advocacia e da jurisdição a litigância compulsiva e a prevaricação compulsiva refletem-se diretamente em honorários pífios, futuros e incertos o que pragmaticamente é um negócio muito ruim na medida que é negada completamente a ideia de que o consumidor e o cidadão devem receber uma prestação de serviços legítima e eficiente, como também, não podem conviver num mesmo ambiente em que para um dos lados a remuneração vem todos os meses e em qualquer circunstância além de recheada, ao final, com uma abundante aposentadoria e de outro lado a remuneração é subordinada ao término incerto de uma da prestação do serviço bem como a boa vontade de alguém que não tem compromisso com as partes como deveria ter. 

Nunca deixe de ajudar e cuidar do cliente e consumidor. O advogado, como qualquer outro profissional responsável, é o suporte e o sustentáculo em que se apoiam as pessoas que o procuram e não o algoz delas. A confiança e o respeito não podem ser quebrados sem consequências. Não litigue. Trabalhe com confiança. Cobre honorários pelas consultas e pelo serviço. Pense nisso e liberte-se.